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Crédito: Pixabay
LIDERANÇA

Como desenvolver a criatividade no trabalho remoto

Em um ambiente de trabalho remoto ou mesmo híbrido, as equipes não estão presentes todos os dias. Como desenvolver um ambiente criativo e inovador?

Por Soraia Yoshida 03/05/2021

“Qualquer campo que dependa da inovação depende da criatividade, e a visualização é um aspecto fundamental da criação”, escreve Gabrielle C. McClellan, editora da Harvard Crimson em um artigo sobre a importância da arte no processo criativo e mental. Pintores como René Magritte e Leonardo da Vinci criavam arte, mas eram pensadores em primeiro lugar, diz ela. Criatividade pode e deve ser estimulada, defendem cientistas. Seja para  conectar ideias ou para experimentar uma maneira diferente de olhar problemas, exercitar o pensamento criativo é algo que necessita de estímulos. “Sem arte, ficaremos com uma sociedade fundamentalmente menos criativa, que está vazia de uma experiência humana quintessencial”, afirma Gabrielle.

Um estudo liderado pela professora de terapias de artes criativas Girija Kaimal, da Drexel University, na Pensilvânia, propôs o seguinte: a arte traz benefícios evolutivos e, em última análise, o propósito da arte é fundamental nas habilidades preditivas do cérebro. Com base em quatro componentes da prática da arte-terapia – arte, produção de arte, paciente/cliente e terapeuta – é possível criar uma estrutura que delineia como os mecanismos de mudança podem ser rastreados. Esse estudo, como a maioria, considerava o processo criativo em um cenário pré-pandemia, em que estávamos todos próximos, dividindo o mesmo espaço. Para aqueles que sentem dificuldade para acessar sua criatividade nestes tempos estanhos, vale a pena rever o processo criativo e redefinir seus estímulos úteis.

“As empresas de ponta que apostavam em ambientes criativos no escritório presencial, com espaços integrados, salas de metodologias ativas, ferramentas ágeis, tiveram de rever seus processos com a chegada da pandemia. Mas como já havia um ambiente criativo implantado, elas estão bem melhor do que as empresas que não tinham essa estrutura”, diz Marcos Supioni, professor da HSM University e consultor de negócios. Segundo ele, a grande maioria das metodologias ágeis foram desenhadas como exercício de construção coletiva presencial e por isso muitas companhias “estão se atrapalhando” na tentativa de criar uma cultura criativa que se traduza em resultados para os times remotos.

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O maior erro das organizações que buscam desenvolver a criatividade, diz Marcos, está na tentativa de emular a quantidade de criação que havia no modelo presencial agora no home office. “Antes, a gente tinha vários pontos de interação, no cafezinho, na hora do almoço, na conversa de corredor. Toda a presencialidade exponenciava o potencial dos colaboradores em criar. Mas os líderes que estão tentando recriar no digital essa quantidade de interações estão dando um tiro no pé”, explica. “Esse volume enorme de videoconferências gera interação, mas não é natural, como acontece no modelo presencial e a tentativa desesperada de melhorar a comunicação acaba levando os times ao burnout”. Ele completa: “A quantidade da comunicação não significa qualidade da comunicação”.

A busca pelo inusitado

Como os momentos de descontração também fazem parte do escritório e da comunicação entre as pessoas, eles devem existir, mas preferencialmente não se misturando a assuntos de trabalho para não tornar as reuniões muito longas. Um estudo da Microsoft divulgado recentemente aponta que para não cansar os funcionários e evitar a fadiga do Zoom, é importante tornar as reuniões mais intencionais e, portanto, mais curtas, recapitulando o que foi dito e acertado nos cinco minutos finais. E antes de lotar as agendas, as lideranças precisam se perguntar: precisamos realmente de uma reunião sobre esse assunto? Que tal usar outras formas de comunicação assíncronas, como e-mails, mensagens em vídeo ou áudio, assim cada um tem tempo de absorver a informação antes de responder? “Tópicos mais dinâmicos, criativos ou emocionais podem exigir uma reunião, enquanto verificações de status e assuntos informativos podem se beneficiar da colaboração de documentos, um canal de equipes ou e-mail. Outras tarefas simples podem ser realizadas via chat”, aponta o estudo da Microsoft.

Uma técnica que as lideranças podem usar para que as reuniões não fiquem todas com o mesmo formato é aproveitar elementos do cotidiano das equipes para engajar. Elementos de storytelling, usar a linguagem das redes sociais podem funcionar direcionados a um projeto que a equipe está trabalhando no momento pode gerar essa integração e conversas que vão se estender por Slack ou WhatsApp. Como professor da HSM University, Marcos Supioni fez um crash course por conta própria em Big Brother para levar elementos surpresa para as aulas online. “Quando eu percebia que os alunos estavam começando a dispersar, eu entrava com ‘Pessoal, quais foram os 5 erros cometidos pelo último eliminado da semana do BBB que não podemos repetir com nossos clientes’. Na hora você percebia a mudança no engajamento”, conta. Isso vale para as séries de TV (três lições de projetos da Casa de Papel que podemos incluir nesta etapa do projeto), programas, posts no Instagram ou Twitter. “Você ‘quebra’ o modelo da reunião com algo inusitado e traz resultados teóricos de forma prática, fazendo a ligação com o que está sendo discutido. Pode parecer uma ideia simples demais, mas dá certo”.

Ao conectar uma série ou programa a um aspecto do trabalho, as chances de que o próprio colaborador começará a ligar os pontos ao se ver diante de estímulos em seus momentos de descontração. Em um estudo da Universidade da Califórnia, os pesquisadores descobriram que ao permitir que a mente possa divagar, isso ajuda o processo criativo. “Há uma possibilidade real de que a divagação da mente seja tão comum porque a evolução escolheu isso ao longo do tempo”, chegou a comentar o psicólogo John Kounios, da Universidade de Drexel, na Pensilvânia.

Abrir canais de comunicação com as equipes para checar como estão levando as coisas também é fundamental neste momento. Podem ser conversas de dez quinze minutos a cada duas semanas, mas é importante que sejam feitas num tom mais informal e que enderecem as dificuldades e preocupações do funcionário. As lideranças devem exercitar a escuta ativa e incentivarem o feedback, abrindo um espaço de segurança psicológica para que o colaborador sinta segurança para ser autêntico. “Não adianta mandar cesta de café da manhã se a pessoa não sentir que pode ser autêntica, se não sentir que é ouvida”, diz Marcos Supioni. “Tem que perguntar como está se sentindo, o que está difícil, se precisa de ajuda, antes que a pessoa exploda. Muitas empresas estão puxando demais e as pessoas estão inseguras ou com medo de perder o emprego. E o medo inibe a criatividade, a inovação”.

Times engajados = times mais criativos

Para desenvolver a criatividade das equipes à distância, é preciso passar primeiro pelo engajamento. Garantir que os colaboradores estão engajados e alinhados, e aí entram lideranças e RH trabalhando em conjunto para fazer com que os colaboradores se “sintam no escritório”, mesmo cada um no seu canto. Marcar milestones do projeto com uma cesta de café da manhã, um kit personalizado de escritório ou até uma planta para harmonizar o home office podem funcionar bem para que o time se sinta unido em seu propósito. Essa preocupação pode agregar um aspecto lúdico, como enviar quadros e post-its para criar um cronograma do projeto e depois pedir que todos tirem uma foto e enviem – com o melhor quadro levando um prêmio. “São ideias simples, mas que podem reforçar o senso de pertencimento”, diz o professor da HSM University.

A maneira como as empresas estão contratando e alocando seus colaboradores em times pode ser o game changer para tirar um colaborador de um momento menos produtivo e engajá-lo a partir de suas habilidades. “Cada vez mais os dados sobre a melhor performance, o melhor momento para essas pessoas criarem e colaborarem, serão importantíssimos para as empresas alocarem esses profissionais e essas profissionais nos projetos certos”, acredita Fabio Seixas, fundador da produtora Jambu e do Festival Path, um dos maiores eventos de inovação e criatividade do país. Ao mexer na maneira de montar times, por exemplo, é possível aproveitar melhor as capacidades de cada colaborador, com um ganho muito alto de produtividade e também taxas mais altas de retenção. “As pessoas vão se sentir mais úteis e felizes de aplicar aquilo que sabem no ambiente em que são reconhecidas”.

Dentro desse novo framework, além de maior horizontalidade de ideias, as pessoas podem se revezar em diversas posições, conforme o projeto. “Vai ter momentos em que eu sou o líder de um projeto e outros em que eu posso ser o estagiário. Posso atuar em diferentes momentos e em diferentes projetos, dando o meu melhor para a empresa. E a empresa olha para mim como uma pessoa que precisa de espaço para criar, produzir, interagir”.

Considerando a experiência do trabalho remoto como um estágio anterior ao que vai chegar, o trabalho híbrido, existe uma oportunidade para que colaboradores possam desenvolver sua criatividade em momentos diferentes em projetos variados, da mesma forma que acontece na indústria cinematográfica. Um roteirista, por exemplo, atua em diferentes fases da produção de um filme, com diferentes pessoas. “Eu vou estar no momento certo, na hora certa e em alguma hora desse processo, eu posso estar fisicamente no escritório ou no estúdio. Mas obviamente, o centro da conexão do conteúdo e da inteligência de todo o processo vai estar digital”, diz Fabio.

Criatividade é habilidade entre mais desejadas

A criatividade aparece como uma das habilidades mais desejadas no futuro do trabalho no relatório “Future of Jobs 2020”, do Fórum Econômico Mundial. E isso é um fato. A questão é que embora ela possa ser desenvolvida por qualquer pessoa, ainda vem cercada de alguns mitos. “Existe um movimento mundial na área de negócios, que é de simplificação e descentralização”, aponta Marcos. “Você dá condições iguais para todos, uma voz ativa dentro da empresa para descentralizar e com a simplificação de processos, você tem uma saída muito boa para desenvolver processos criativos dentro da sua empresa”.

O empreendedor norte-americano Josh Linkner levantou em um artigo para o The Enterprisers Project os cinco mitos associados à criatividade e que, em lugar de ajudar a equipe a se desenvolver, funcionam ao contrário, como inibidores. São eles:

  • A criatividade só é necessária para quem está no topo da organização
  • Uma ideia inovadora só conta se tiver um impacto gigantesco
  • Criatividade é trabalho apenas de quem é pago para ser criativo
  • A criatividade é um talento nato, não uma habilidade aprendida
  • Minhas habilidades técnicas e experiência são suficientes

 

Segundo ele, como muitas vantagens competitivas do passado se tornaram automatizadas ou terceirizadas, a “solução criativa de problemas e o pensamento inventivo se tornaram essenciais para impulsionar o crescimento e o sucesso sustentável”.

 

Mito 1: A criatividade só é necessária no topo
A criatividade não é mais um ativo que pertence ao alto escalão da organização. Deve estar presente em todos os níveis. O que cabe à liderança é ajudar as pessoas a se tornarem inovadoras todos os dias. Para isso, é necessário incentiva toda a equipe a procurar pequenas oportunidades criativas diárias (microinovações) que são de baixo risco e podem ser altamente eficazes. E, claro, testá-las e e validá-las juntamente com o time.

Na prática: Os líderes de times podem introduzir o desafio de “uma ideia por dia” durante duas ou três semanas, sugere Linkner. Todos os integrantes das equipes são convidados a enviar uma ideia a cada dia, que não precisa ser um projeto completo, apenas uma contribuição para a melhoria de processos ou de como o trabalho é feito. Principalmente no início, os líderes podem oferecer uma pequena recompensa ou reconhecimento a todos que enviarem as 21 ideias. Com isso se estabelece um hábito em torno da inovação diária, ao mesmo tempo em que fica claro o compromisso da liderança com a inovaçnao diária.

 

Mito 2: Uma ideia inovadora só conta se tiver um impacto gigantesco
Ainda que as grandes descobertas deem o que falar, são as pequenas inovações que costumam gerar resultados consistentes. Os inovadores mais prolíficos se concentram em algo que Linkner chama de Big Little Breakthroughs – pequenos atos criativos que geram grandes avanços ao longo do tempo. Ao desenvolver um hábito diário de criatividade, as organizações constroem uma prática diária de inovação, que é o caminho mais rápido para os objetivos que a empresa está buscando.

Na prática: Na próxima sessão de brainstorm, os líderes podem pedir aos colaboradores que compartilhem suas menores ideias em vez das maiores. A razão: é uma outra maneira de resolver problemas. Para gamificar a dinâmica, a equipe pode ter uma meta numérica, como 100 ideias em 10 minutos. Vai voar faísca.

 

Mito 3: Criatividade é trabalho apenas de quem tem que ser criativo
O papel que cada um desempenha dentro da organização não tem nada a ver com sua criatividade. Rótulos ou cargos não podem limitar o potencial das pessoas: qualquer função de trabalho pode se beneficiar da solução criativa de problemas, do pensamento inventivo ou simplesmente de encontrar uma maneira melhor. A criatividade é tarefa de todos, diz Linkner.

Na prática: Que tal reservar alguns minutos durante uma pausa para imaginar o que Steve Jobs faria no seu lugar? Ou Beyoncé? Picasso? Da Vinci? Visualizar seu papel pelo olhar de um artista pode ajudar a descobrir como injetar criatividade no dia a dia.

 

Mito 4: A criatividade é um talento nato, não uma habilidade aprendida
Todo ser humano tem capacidade criativa, o que acontece é que muitos não desenvolveram totalmente essa habilidade. A criatividade pode crescer e se expandir com prática e foco.

Na prática: Durante cinco dias, os líderes podem instruir suas equipes a passar o primeiro minuto acordados pensando na criatividade de outras pessoas, seja assistindo a um vídeo no YouTube, apreciando uma pintura ou lendoum poema. No minuto seguinte, fazer o seguinte exercício: selecionar dez manchetes de notícias e tentar descobrir seis pequenas maneiras que podem ajudar a melhorar o panorama das notícias. Isso dá apenas 10 segundos para cada notícia, mantendo as ideias rápidas e pequenas. Ao final de cinco dias de treinamento, será possível sentir um impulso criativo.

 

Mito 5: Minhas habilidades técnicas e experiência são suficientes
Antes da pandemia, até poderia ser verdade. Hoje, na velocidade com que as coisas evoluem e tudo está mudando, pensamento original e imaginação destacam uma pessoa em qualquer situação. No relatório “Future of Jobs”, do Fórum Econômico Mundial, divulgado no final do ano passado, quatro das cinco habilidades mais necessárias na força de trabalho estão diretamente ligadas à criatividade. O relatório cita “inovação e habilidades analíticas”, “resolução de problemas complexos”, “pensamento crítico e análise” e “criatividade, originalidade e iniciativa” nas posições 1, 3, 4 e 5, respectivamente.

Na prática: Os líderes podem incentivar seus colaboradores a imaginar, daqui a um ano, que estão saboreando uma grande vitória – seja uma promoção, uma nova conta, um grande investimento etc. Que porcentagem da vitória desse momento veio da criatividade? Em seguida, todos podem desenhar um gráfico de pizza e colorir apenas a parte criativa com uma cor brilhante. Esse gráfico visual pode servir como lembrete à medida que cada colaborador e as equipes como um todos avançam, por isso é bom que esteja sempre visível.

 

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