The Shift

“O RH tem que ser um criador de capacidades”

Ludymila Pimenta é fundadora da RHlab, que funciona como consultoria de inovação e construção do trabalho do futuro para startups e empresas incumbentes

Na era do “tudo-como-serviço”, o HRaaS pode reforçar a criação de cultura organizacional em que cocriação vai levar a novos modelos de negócios. O antigo Departamento Pessoal funcionaria como um business partner (BP), com profissionais experientes trabalhando diretamente com a liderança sênior da organização para direcionar uma agenda de RH que apoie as metas organizacionais. “Esses RHs que têm a percepção mais ampla dos negócios conseguem entregar mais valor”, afirma Ludymila Pimenta, fundadora do RHlab, que funciona como consultoria de inovação e construção do trabalho do futuro.

Com a entrada de startups com soluções inovadoras e empresas que fazem o gerenciamento para empresas, o mercado terceirizado de Recursos Humanos deve crescer a um margem composta de 6,18%, atingindo US$ 153,7 bilhões até 2027, de acordo com projeções da BlueWeave Consulting. O serviços HRaaS faz parte desse pacote com uma abordagem holística que oferece soluções de serviço ponta a ponta para as necessidades de Recursos Humanos.

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Formada em Psicologia, Lud, como se apresenta, passou os últimos 15 anos trabalhando na intersecção entre a observação e estudo do comportamento humano, design (sua pós-graduação foi em UX) e empreendedorismo social (seu mestrado é em Vulnerabilidade Social). Ela trabalhou muito tempo com adolescentes do programa Jovem Aprendiz e com Rosa Alegria e Wellington Porto, do TeachtheFuture. “A gente ensina professores e alunos a mapearem futuros desejáveis”, explica. E faz mentorias de negócios de impacto social.

Mas é no front do RH que ela desenvolve mais projetos, trabalhando com startups e empresas incumbentes, para tentar implantar um mindset de quem olha para frente, em vez de se prender a amarras antigas de uma área que entrega crachá e cuida da papelada do funcionário. “Hoje o que eu mais faço é criação de novas metodologias de trabalho”, diz. Isso significa juntar elementos e trazer para dentro do RH de forma mais plausível e “mais entendível para os profissionais”. “O RH que consegue perceber, por exemplo, os reflexos externos que estão provocando um desengajamento dos próprios colaboradores – porque ninguém quer trabalhar em uma empresa que não está fazendo um bom trabalho, que não tem uma boa marca na vizinhança”.

Nesta entrevista exclusiva para The Shift, Ludymila Pimenta fala sobre o que mudou e o que ainda precisa mudar mais na gestão de gente.

Disrupção é…

“Fazer com que a organização, dentro do futuro do trabalho, seja uma estrutura que gere engajamento, que seja saudável para as pessoas, e crie um ambiente de conexão desejável, para que as pessoas queiram estar ali.

Preparar as pessoas para ter essa consciência do que será esse futuro do trabalho e juntamente preparar as lideranças para reduzir as lacunas que existem hoje entre a estrutura organizacional e as pessoas. E que todos recebam as tecnologias de forma equilibrada, permitindo que as pessoas tenham mais vida e consigam ter mais propósito dentro da sua atuação.

Nós estamos no meio de uma encruzilhada, um paradoxo: a gente se deparou com uma maturidade organizacional que ainda não tinha atingido sua capacidade e organizações que não tinham processos estruturados e não investiam em pessoas. E que trabalham com bens duráveis, palpáveis.

Como é que a gente vai escalar o produto do cara que vende a quentinha? É muito mais complexo hoje trabalhar com um produto que tangível, quando se pensa em trabalho remoto.

A maior parte dos brasileiros trabalha em indústria. A maioria da classe trabalhadora do Brasil precisa sair de casa para ganhar o seu sustento. Mas a gente precisou fazer alterações dos processos porque metade está presencial e metade não está.

Tem um outro aspecto é que muita gente não está preparada para o trabalho remoto. Uma coisa é falar de uma situação que tem início, meio e fim. Outra coisa é dizer “E aí, você prefere voltar para o presencial ou prefere trabalhar em casa?”. Há pessoas que estão se sentindo solitárias, que não conseguem trabalhar bem sozinhas. E tem muitos que estão trabalhando em casa e não querem voltar para o escritório.

Como consultoria, ainda não estamos trabalhando essa variável com muitas empresas porque elas estão evitando falar disso. É como se você tivesse acabado de casar e o papo é “vamos ter filho”, entendeu? As empresas estão evitando de falar disso porque quando começarem a ter que falar, vai se tornar a fala da vez. E quem não ouvir os colaboradores vai perder talentos.

Uma das variáveis para o futuro que temos desenvolvido bastante são as equipes autogeridas – equipes que fazem sua gestão e assumem responsabilidades.

Essa percepção de autorresponsabilidade no brasileiro é muito complicada. O trabalhador brasileiro ainda se sente muito vítima de todo um sistema.

Tem uma terceira questão que é o pessoal mais novo [a Geração Z ou gen zers]. Eles precisam de muita entrega de valor e não precisam estar necessariamente dentro de uma empresa para fazer o bem para a humanidade – fazem isso de forma ativa fora do trabalho. Em grupos menores, eles são capazes de criar soluções melhores que as das empresas maiores, que têm mais gente e infraestrutura. E têm movimentado muito mais a economia.

A nossa encruzilhada é: a gente não se comunica bem. Para que essas pessoas aprendam a conversar, a gente precisa dar um up na comunicação. Tem empresas fazendo desenvolvimento de comunicação interna porque as coisas estão degringolando justamente por conta disso.

Eu comecei a fazer diagnóstico de cliente em que o problema não era a falta de comunicação, era a comunicação em excesso. “Eu tenho WhatsApp, Telegram, e-mail, Yammer, uso Teams, tem o SharePoint para colocar todos os materiais, mas também coloco no Trello”. Vira aquele fuzuê.

O excesso de informações – que eu chamo de obesidade de informação – não facilita a comunicação. Ao contrário, só atrapalha porque a pessoa não consegue trilhar um caminho da comunicação que seja claro. E para o trabalho remoto a gente precisa trabalhar em níveis e ter clareza.

Vamos supor que é um trabalho informal e que somos só eu e você. Você pode me mandar uma mensagem no WhatsApp ou me telefonar, se tiver uma dúvida. Aí entra uma terceira pessoa. Talvez o Zoom seja a melhor opção para essa comunicação. Mas percebe que a gente precisa de um processo para isso? Para ficar claro que a comunicação mais formal tem que ser feita de uma maneira, mas a informal pode ser por WhatsApp.

A automação também aumentou os canais de comunicação, mas eu acho que é uma questão de equilibrar as coisas. Mas dá para perceber um grande avanço na maneira como as pessoas estão lidando com a tecnologia. Ainda tem muita coisa para aprender, mas já ultrapassamos a curva de aprendizagem.

O que faz a gente pertencer a um grupo é a conexão que a gente cria. E muitas vezes essa conexão é fortuita. No meu primeiro dia na empresa, eu estava completamente perdida, encontrei você no corredor, te perguntei onde ficava tal lugar e você me ajudou. E eu nunca mais vou esquecer seu rosto, como você me tratou. A gente teve um momento.

Precisamos encontrar a melhor maneira de criar esses momentos de forma digital, dentro da cultura da empresa.

Eu fiz a implantação do RH do Érico Rocha, que trabalha com marketing digital, e lá a cultura remota é tão forte que quando eu chegava no escritório, ninguém me dava bom dia – todo mundo bem concentrado, trabalhando em silêncio. Mas quando eu ligava o computador e entrava no Slack, todo mundo me dava bom dia. Isso era muito legal. Porque você existe no digital, todo mundo percebe a sua presença quando você está no digital. Então o que você precisa criar são esses momentos do digital.

Em outra empresa, onde estou implementando a área de Gente & Cultura, a TIT, nós começamos a trabalhar uma cultura de conversação em inglês toda semana. Durante a aula, que tem duração de uma hora, a gente joga, assiste séries e estuda. É um momento para rir juntos, comentar e com isso a gente acaba criando momentos. A partir daí começou a surgir tanta coisa, as piadas internas e até a ideia de montar uma banda online dentro da empresa.

É aí que a gente gera os engajadores da marca, dentro da empresa. Ver quem são essas pessoas que vêm com ideias e trabalhar com eles.

Estamos criando um mundo para essa empresa dentro de uma plataforma digital. Nesse mundo tem a trilha sonora, artigos, newsletters com as últimas notícias, uma coisa mais lúdica. É importante lembrar que não estamos compartilhando presencialmente o ambiente, então precisamos criar o nosso mundo digital.

O papel do líder na integração do trabalho remoto é fundamental. Um líder mais presente, que trabalha diretamente com as equipes e participa das atividades que o RH desenvolve (porque normalmente é o RH que propõe esse tipo de atividade), você tem como resultado equipes mais engajadas.

Um dos papéis do líder é trazer esse equilíbrio entre entrega e ensino. Tem muitos líderes que dizem “eu não tenho tempo para ensinar, eu tenho que entregar”.

Se o líder conseguir facilitar, mediar esse aprendizado da equipe, as pessoas com certeza vão sentir que pertencem ao lugar, que estão no meio de tudo e se tornarão muito mais autônomas e responsáveis – elas vão desenvolver as habilidades do colaborador do futuro.

As habilidades que os colaboradores vão precisar são autogestão, autoaprendizado, automotivação e autonomia.

Se o líder consegue ser propagador desse tipo de comportamento e desenvolver essas habilidades, eu diria que já é meio caminho andado.

Tem mais uma coisa: o líder tem que saber ouvir.

Acho que essa liderança que não sabe ouvir vem muito dessa falta de colaboração que a gente tem enquanto sociedade e que tem um reflexo no que estamos vivendo hoje na pandemia. Como é que a gente vai falar que um líder é bom, sendo que ele está ali aglomerando, sabe? É desconexo para a minha cabeça. Mas eu diria que aprender a ouvir pode ser desenvolvido no longo prazo. Tomara que seja através de boas oportunidades de aprendizado, não seja aí levando na cara.

O RH não é aquele que cuida das pessoas. O RH é aquele que cria meios para que as próprias pessoas se cuidem. Eu enxergo o RH como um criador de capacidades.

E de que capacidades estamos falando? São quatro tipos: individual, organizacional, de capacidade de liderança e de equipe.

O RH tem que ser um criador de capacidades organizacionais, que é essa construção da maturidade organizacional. Um criador de capacidades individuais, que são as habilidades para o colaborador do futuro. Se eu falo que aquela pessoa consegue fazer um trabalho que é autogerido, quer dizer que eu reduzo um pouco a carga do líder para ele seja muito mais estratégico e menos operacional.

Por consequência, eu também preciso criar capacidade da liderança nas pessoas. E preciso criar o complexo da capacidade da equipe porque essas pessoas precisam trabalhar juntas. É aí que entra comunicação, o trabalho remoto, a forma como as informações vão fluir ali dentro.

Quando a gente fala de organizações autogeridas, que conseguem desempenhar um papel de autogestão, autoaprendizado e de criar todos os meios para as pessoas se capacitem não apenas em uma, mas duas, três, quatro frentes, que é uma tendência muito das profissões, o RH deixa de ser uma área e passa a ser um conteúdo. E esse conteúdo deve ser transacional em toda a organização. o conhecimento em gerir pessoas, dar um feedback, fazer a própria avaliação de desempenho e de ter esse olhar atento deve ser uma responsabilidade de todo mundo.

Eu fiz uma implantação em uma startup cujo grande objetivo era desenvolver de uma forma que essa responsabilidade de gestão fosse de todos. Só que para isso acontecer, a gente está falando de uma maturidade organizacional muito além. Hoje ainda é muito necessário que uma área se responsabilize por criar todas essas capacidades que a gente falou.

Isso não quer dizer que se deva acabar com o RH. Quer dizer que organicamente o RH vai finalizar quando a organização estiver num patamar de maturidade organizacional que não necessite de RH nenhum.

As organizações têm muito poder de mudança para a sociedade, poder de captação de oportunidades.

O RH precisa ser esse condutor de mudança. Precisa estar ali na frente e trazer oportunidades mesmo que não sejam para os colaboradores, mas oportunidades de negócio para a empresa. Ser de fato essa área que olha e faz mapeamento de futuro.

Muitas vezes, o RH faz planejamento estratégico, só que planejamento estratégico trabalha com riscos e oportunidades. Quando a gente fala em mapeamento de futuros, vamos além dessa visão porque estamos falando de futuros desejáveis. Às vezes, nós começamos a mapear um cenário em que nem a própria empresa consegue se imaginar.

Quando as pessoas têm capacidade para se autogerir, para gerar mais valor, quando a organização tem a maturidade organizacional para inovar e os processos contemplam todas essas mudanças de uma forma mais fluida e menos burocrática, aí sim vem a inovação”.