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Sonhar acordado pode não apenas fazer a pessoa feliz, mas que se a mente divagar “da maneira certa Crédito: Danilo Batista/Unsplash
CARREIRA

O jeito certo de perder o foco e exercitar criatividade

Novos estudos apontam que existe um jeito certo de deixar a mente divagar e que ao fazer isso, nos tornamos mais criativos e também mais felizes

Por Soraia Yoshida 09/08/2021

Quando você está tentando se concentrar no trabalho, é muito comum que, sem perceber, sua mente comece a “passear” pelos mais diversos pensamentos, do filme que se viu ontem à noite ao que se vai comer no almoço. A falta de foco é apontada como a principal causa de quedas em produtividade e um dos argumentos que lideranças usam para defender a volta aos escritórios. Também pode tornar as pessoas depressivas. Uma nova pesquisa indica que “sonhar acordado” pode não apenas fazer a pessoa feliz, mas que se a mente divagar “da maneira certa”, há outros benefícios a serem colhidos.

Sim, você leu direito. Aparentemente, existe um jeito certo e um jeito errado de divagar. “Uma mente errante é uma mente infeliz”, escreveram os pesquisadores Matthew A. Killingsworth e Daniel T. Gilbert em sua pesquisa na Universidade de Harvard. Segundo seu estudo, as pessoas estão pensando sobre o que não está acontecendo de maneira quase tão frequente quanto pensam sobre o que está acontecendo – e isso as torna infelizes. “A capacidade de pensar sobre o que não está acontecendo é uma conquista cognitiva que tem um custo emocional”, concluem os autores.

Nem sempre é assim. Uma nova pesquisa se aprofunda no que acontece com nossa mente quando se põe a divagar, mostrando que “sonhar acordado” pode deixar as pessoas mais felizes e criativas – desde que feito da maneira certa.

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A tendência humana natural é que nossa mente comece a divagar, como parte do processo cognitivo. Os cientistas ainda não conseguiram compreender profundamente porque fazemos isso, mas os pesquisadores responsáveis pelo estudo “Dimensions of Experience: Exploring the Heterogeneity of the Wandering Mind”, dizem ter identificado “dimensões correspondentes a traços de pensamentos habituais positivos e pensamentos espontâneos não relacionados à tarefa”.

Um estudo publicado este ano sugere que o bom tipo de divagação mental é mais livre, como quando sonhamos acordados com as férias que um dia virão, imaginamos nossa vida pé na areia e depois nos questionamos se vamos precisar de um biquíni ou calção novos até fantasiar com o prêmio da loteria e uma vida inteira de dolce far niente ou reencontrar uma paixão antiga.

Nesse estudo, que teve a duração de três dias, os pesquisadores pediram aos participantes que relatassem se estavam se sentindo positivos ou negativos e quanto seu pensamento se movia livremente fazendo associações ou relacionado ao que estavam fazendo naquele momento. O que os pesquisadores descobriram é que quando os pensamentos das pessoas se projetavam para fora da tarefa, elas geralmente se sentiam mais negativas. Mas se seus pensamentos estivessem “longe” da tarefa em movimento livre, elas se sentiam mais felizes.

Claro que passar o dia divagando em lugar de se concentrar em um projeto cujo deadline é o dia seguinte não vai ajudar. Mas se nos intervalos em que você tem que lavar a louça, descascar batatas para o jantar ou tricotar, por exemplo, deixar a mente vagar livremente pode trazer muita satisfação. E, segundo outras pesquisas, também pode ajudar a ter ideias criativas.

O fato é que todos “vivemos dentro de nossas cabeças” durante uma boa parte de nosso tempo. De acordo com Julia Kam, professora assistente do Departamento de Psicologia da Universidade de Calgary, no Canadá, “a atenção interna, que pode variar de sonhar acordado e pensamento criativo a ruminação pode ocupar até 50% de nossos pensamentos acordados”.

No estudo que ela conduziu, os pesquisadores monitoraram os cérebros dos participantes fazendo uma tarefa mundana e repetitiva e os interromperam ocasionalmente para ver no que estavam pensando. Enquanto alguns participantes relataram pensamentos que envolviam encontrar uma solução para um problema de trabalho, e que foram denominados “restrititvos”, outros relataram que seus pensamentos “se moviam livremente”. Combinando os pensamentos com sua atividade cerebral, eles encontraram padrões distintos para diferentes tipos de divagação mental.

Os pensamentos que se movem livremente foram associados ao aumento das ondas alfa no córtex frontal do cérebro, que está associado a um melhor desempenho em tarefas criativas. Ou seja, quando queremos que nossos cérebros possam gerar ideias, é interessante deixar o pensamento “flutuar” em muitas direções e não se restringir. Isso significa deixar o pensamento em movimento livre.

“Em nossa sociedade, há tanta ênfase colocada no foco como a chave para o sucesso”, disse ela para o serviço de notícias da Universidade de Calgary. “Na verdade, estar focado e se concentrar na tarefa podem ser qualidades excelentes. Mas há momentos em que deixar a mente divagar livremente e ter menos foco também pode ser importante – benéfico, até. Esse padrão de pensamento não deve ser sempre indesejável. Isso depende muito do contexto em que ocorre e se podemos controlar quando ocorre”.

A pesquisadora entende que quando estamos diante de um problema que se “acumulou” em nossa mente e simplesmente não conseguimos encontrar uma solução, deixá-lo ficar em segundo plano por um tempo provavelmente vai ajudar. “A divagação mental facilita o tipo de solução que chega até você, como em um momento luminoso”, diz.

O estudo de Julia Kam e sua equipe partiram de uma pesquisa liderada por Claire Zedelius na Universidade da Califórnia. A tarefa em questão era encontrar uma palavra que estivesse associada a três outras aparentemente não relacionadas, como “peixe, rápida e picante” – como “comida”, por exemplo. Os participantes que deixaram seu pensamento divagar se saíram melhor, com as respostas chegando de estalo e não por associações metódicas. Em um estudo mais recente, a pesquisadora analisou o conteúdo dos pensamentos das pessoas para ver se estavam de alguma forma relacionados com a criatividade no dia a dia. Quando a mente das pessoas explorava fantasias absurdas, cenários engraçados ou de um modo que fosse muito significativo para elas, a tendência era ter ideias mais criativas e se sentirem mais inspiradas no final do dia.

A pesquisa envolveu escritores e criadores de conteúdo, que costumam usar métodos como esse em seu processo criativo. “Mas qualquer pessoa também pode fazer isso para ser mais criativo”, disse ela ao Business Insider.

Esses estudos sugerem que a ligação entre deixar a mente divagar e a criatividade tem três componentes:

  • Para ter ideias mais criativas é preciso deixar os pensamentos se moverem livremente
  • A criatividade da ideia está associada ao conteúdo de seus pensamentos
  • Ser mais criativo depende da sua capacidade de se livrar das preocupações cotidianas

Esse seria o “jeito certo” de deixar a mente divagar. O “jeito errado” tem a ver com repetir erros do passado em nossa cabeça, em uma tentativa de revisar o que aconteceu. Esse tipo de divagação mental extrapola a reflexão e pode tornar a pessoa mais insegura e impedi-la de cumprir suas tarefas – levando até a casos de ansiedade e depressão.

Em compensação, estudos mostram que quando pensamos nas pessoas que amamos ou imaginamos nosso futuro potencial, em vez de ficarmos muito presos ao passado, produzir resultados mais positivos e ficamos mais felizes. E, conforme o caso, afastar da depressão.

“As pessoas não são feitas para estar ‘ligadas’ o tempo todo”, escreve a jornalista Jill Suttie, da Greater Good Magazine da Universidade da Califórnia em Berkeley. “Fazer uma pausa para divagar pode ser bom não apenas para a nossa criatividade e felicidade, mas também para a nossa produtividade, especialmente se estivermos em empregos que requerem atenção concentrada, cuja manutenção é exaustiva”.

“Contanto que seja empregado durante os momentos em que o foco completo não é necessário, pode melhorar nosso bem-estar sem prejudicar o desempenho”.

Talvez uma maneira mais saudável de aumentar a divagação mental seja por meio de práticas, como o mindfulness, sugere Melissa Burkley, doutora em Psicologia pela Universidade da Carolina do Norte. Na meditação da atenção plena, a pessoa se concentra primeiro em sua respiração e, em seguida, abrir a mente para permitir que quaisquer pensamentos ou sensações encontrem lugar. “A chave é que esses pensamentos podem passar por sua mente sem julgamento, como nuvens flutuando no céu (para um excelente tutorial para iniciantes de Sharon Salzberg, confira este vídeo)”, escreve ela. Um estudo conduzido na Leiden University, na Holanda, descobriu que uma sessão de 45 minutos de meditação de monitoramento aberto aumentou o número de respostas criativas dadas em 40% e aumentou a originalidade dessas respostas em 400%.

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