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A Linguagem Corporal Digital é uma abordagem sistemática para entender os sinais do mundo digital da mesma maneira que interpretamos aqueles do mundo físico Crédito: Yan Krukov/Pexels
INOVAÇÃO

Linguagem corporal digital: o fim dos mal-entendidos na comunicação?

Saber compreender os sinais digitais da mesma maneira que aconteceria em uma comunicação frente a frente é o campo de estudo de Erica Dhawan

Por Soraia Yoshida 31/05/2021

A coisa mais comum hoje em dia é terminar uma reunião via Zoom imaginando o que será que os outros estão achando da sua ideia. Ué, não deu para ver pela reação deles? Então, não. A comunicação que anteriormente se dava cara a cara – e que já tinha lá seus mal-entendidos, sejamos honestos – agora ficou mais comprometida porque as únicas pistas que temos estão restritas à telinha.

Essa comunicação recebe o nome de linguagem corporal digital e é tema do livro “Digital Body Language”, de Erica Dhawan, grande especialista em trabalho colaborativo e comunicação em organizações. Não por acaso, a publicação vem fazendo barulho, com direito a comentários bem positivos de Charlene Li, em sua coluna Learning Disruption no LinkedIn. O estudo de Erica traz vários insights sobre como nos comunicamos, onde acertamos e, principalmente, onde estamos errando e podemos aprender – nem que seja mais sobre nós mesmos.

O que é Linguagem Corporal Digital

É uma abordagem sistemática para entender os sinais do mundo digital da mesma maneira que interpretamos aqueles do mundo físico. Ao incorporar uma compreensão real da linguagem corporal digital em uma organização, a estrutura e os processos de comunicação vão apoiar um ambiente de confiança.

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Um exemplo prático: na linguagem corporal tradicional, em que duas pessoas estão no mesmo ambiente, inclinar a cabeça para um lado é um sinal de que aquela pessoa está ouvindo com atenção. Na linguagem corporal digital, isso envolve “curtindo” um post. Ou ainda elogiando a colocação de alguém em um e-mail ou fazendo um comentário detalhado verbal ou em chat durante uma videochamada, quando alguém expressa uma ideia, em vez de dizer apenas “Concordo”.

Outro exemplo: na linguagem do corpo tradicional, se alguém propõe uma ideia nova, é possível ver colegas em silêncio por alguns instantes, em uma pausa, sinalizando que estão pensando sobre o que foi dito. Na linguagem corporal digital, essa “pausa” equivaleria a esperar alguns minutos a mais para responder a uma mensagem, indicando respeito pelo conteúdo. Escrevendo uma resposta longa ou detalhada a um e-mail mostra que foi colocado esforço, pensamento e foco. E, ainda que isso pareça “estranho” em nossas reuniões, dar uma pausa durante uma call, em lugar de sucumbir à ansiedade e responder a primeira coisa que vem à cabeça.

“A linguagem corporal é uma parte importante da comunicação. Linguagem corporal, ritmo, gestos positivos, tom. Não é o que dizemos, mas como dizemos”, afirma Erica. Em sua pesquisa, ela descobriu que 75% da comunicação cara a cara é não verbal. Em contrapartida, aproximadamente 70% de toda a comunicação entre equipes e colaboradores é virtual. São 306 bilhões de e-mails todos os dias, o que significa que uma pessoa mandaria 30 e-mails e receberia 96, de acordo com o “Email Statistics Report 2020-2024”. E, de acordo com o “Journal of Personality and Social Psychology”, metade do tempo o tom que queremos dar ao e-mail é mal interpretado.

“A linguagem corporal digital está nas pistas e sinais que enviamos em nossa comunicação digital que constituem o subtexto de nossas mensagens”, explica Erica. “Tudo, desde nossa pontuação até nossos tempos de resposta, como saudamos, aprovamos por e-mail e até mesmo o background virtual que usamos durante a videochamada. São sinais e pistas que criam ou quebram a confiança, quer saibamos disso ou não”.

Antes da pandemia, essa linguagem já era usada nas videoconferências, com diferentes graus de sucesso, mas o isolamento social e o trabalho remoto fizeram com que a incidência desse tipo de comunicação aumentasse muito. Dados do final do ano passado indicavam 11 milhões de calls diárias, com 35% dos funcionários gastando de duas a cinco horas por dia em videochamadas (diferentes levantamentos indicam que esse número deve ser bem maior, com o aumento de ofertas nas plataformas de comunicação). E, de quebra, sem as conversas de corredor para tirar dúvidas sobre se “deu tudo certo na reunião”.

A linguagem corporal digital no dia a dia

Com esse aumento absurdo de um momento para o outro, começamos a buscar naturalmente formas de mostrar que estamos entendendo uma questão, que concordamos com quem está falando ou simplesmente para manter alguns rituais da vida no escritório, como cumprimentar os colegas ao chegar ou encontrá-los ou nos despedirmos ao final da jornada. “Uma das coisas com que lutamos é aquela sensação de chegada e de saída do escritório”, explicou Erica Dhawan em entrevista ao CTV News. “Nós daríamos um sorriso para os outros. Teríamos um aperto de mão firme. Usamos nossas pistas de linguagem corporal para sinalizar um começo e um fim – agora, em uma videochamada, é muito mais difícil mostrar esse sinal”.

É por isso que, instintivamente, começamos a usar sinais mais ‘primitivos”, que foram aprendidos no momento em que desenvolvíamos nossa comunicação. Em resumo, voltamos a usar sinais como as crianças fazem. Não concorda? É só pensar: quantas pessoas acenaram diante da câmera na última videochamada da qual você participou? E quanto acenam com mais veemência para indicar que concordam com uma ideia?

O que muitos chamam de “aceno do Zoom” é um gesto comum nas videochamadas. O modo como mantemos as mãos perto da cabeça e dos ombros, para que possam ser vistas pela webcam, também contribui para a sensação de estranheza, porque parece um aceno de criança, diz a autora. E embora não seja algo natural e nos faça sentir infantis, ajuda na comunicação como uma despedida.

“Como crianças não conseguíamos ler todas as pistas verbais, usávamos pistas corporais para sinalizar que estávamos saindo”, disse ela, referindo-se aos acenos exagerados que nós ou nossos colegas fazemos nas calls diárias. Segundo a especialista, é importante pensar que estamos ainda “meio que na fase pré-escolar do Zoom”. “Estamos acenando para reforçar o que realmente queremos dizer. E acho que o que estava implícito na linguagem corporal tradicional agora tem que ser explícito na linguagem corporal digital”.

Na conversa com Charlene Li, a especialista Erica Dhawan diz que “ler com atenção é a nova forma de ouvir e escrever claramente é a nova empatia”. Ao relatar um caso em que uma executiva demonstrava grande empatia em encontros presenciais, mas sua linguagem corporal digital – que inclui sua comunicação digital – deixava totalmente a desejar. Ela não era clara nas mensagens e mandava e-mails no final de semana, sem deixar claro para sua equipe que não esperava uma resposta até a noite de domingo.

“Devemos dominar as habilidades da linguagem corporal digital para construir uma cultura de empatia e respeito e mostrar que estamos ouvindo e que valorizamos uns aos outros”, defende.

As leis da linguagem corporal digital

Erica Dhawan é filha de imigrantes indianos que se estabeleceram nos Estados Unidos. Como uma garota tímida e introvertida, ela tinha dificuldade em dominar inglês na escola e em hindi em casa. Por conta disso, ela aprendeu a “decifrar” a linguagem corporal – e percebeu que isso era muito importante. Erica chegou a ensinar Oratória na Universidade de Harvard, onde fez pós-graduação. “Com o tempo, comecei a ensinar líderes corporativos e equipes, e percebi que há um novo fenômeno causando muitos mal-entendidos no local de trabalho”, contou à Publisher’s Weekly.

Os desafios da comunicação bem-feita já eram uma ocorrência diária em empresas de atuação global e onde havia uma força de trabalho distribuída. Quem nunca preferiu mandar um e-mail para o colega que estava a apenas dez metros, em vez de levantar e ir conversar com ele?

“Assim como eu era um imigrante aprendendo uma nova cultura, agora somos todos imigrantes da linguagem corporal digital”, afirma Erica.

Em seu livro “Digital Body Language”, a autora cita quatro leis da linguagem corporal digital:

“Valorize os outros visivelmente”. Seja sensível ao tempo e às necessidades dos outros, leia as comunicações com cuidado e atenção, respeite os outros.

“Comunique-se com cuidado”. Precisamos pensar antes de digitar, declarar o que precisamos, eliminar ambiguidades e possíveis mal-entendidos.

“Colabore com competência”. Dê à sua equipe a liberdade de assumir riscos conscientes, dê-lhes a quantidade certa de comunicação para que possam fazer o melhor trabalho. Siga o que você disse que faria.

“Confie totalmente”. É a soma das três primeiras. Todos precisam se sentir psicologicamente seguros e capazes de mostrar vulnerabilidade.

Como construir a confiança digital

Dar mais atenção à comunicação digital vai melhorar aumentar a empatia e melhorar o nível de relacionamentos, em geral. Para quem ainda tem dificuldade ou é novo no assunto, é importante lembrar que erros podem acontecer. Para tais situações, a autora dá três dicas para construir confiança:

Assuma que todos têm boas intenções. Crie uma cultura na qual todos devem receber o benefício da dúvida. As mensagens podem parecer ambíguas ou passivo-agressivas na sua visão, mas antes de distribuir sarcasmo, analise se não é você que está interpretando o e-mail daquela maneira. E saiba quando trocar de meio: dar um telefonema para tratar uma questão urgente ou clarificar um assunto importante “vale mil e-mails”.

Pratique momentos virtuais casuais. Seja em reuniões híbridas (com pessoas presentes e outras via Zoom), é fundamental criar espaços para aqueles bate-papos que antes aconteciam no café. Além de trazer uma descontração para a conversa virtual durante o dia ou no final das reuniões de equipe, esses momentos quebram barreiras e permitem que todos se sintam engajados.

Mostre suas vulnerabilidades. Quanto mais nós compartilhamos não apenas o que sabemos, mas o que não sabemos, mais os outros se sentirão à vontade para fazer o mesmo. Isso é especialmente verdadeiro no caso de lideranças. Precisar de ajuda ou compartilhar uma dificuldade é essencial. E para os líderes: essa atitude reforça o nós, o sentimento de que estamos juntos no mesmo objetivo.

Como desenvolver a linguagem corporal digital

Segundo Erica, as pessoas precisam entender as mensagens que enviam, mesmo que de forma inconsciente. E cita algumas práticas:

  • Nunca confunda uma mensagem breve com uma mensagem clara
  • Revise realmente as respostas que estiver enviando
  • Não recompense apenas a primeira pessoa a responder ao e-mail
  • Entenda como extrovertidos e introvertidos se comunicam e crie uma variedade de espaços para eles se comunicarem

 

E para tornar as videochamadas um espaço melhor de comunicação:

Minimize as miniaturas. tente minimizar as miniaturas de seu próprio vídeo, pare de se olhar”.

Olhe para a câmera. “Se você está tentando causar uma boa impressão em alguém, olhe para a câmera, especialmente no início de uma reunião, e depois olhe para baixo e leia a linguagem corporal deles”.

Aprenda a lidar com expectativas de tempo. “As expectativas de tempo de resposta de e-mail ficaram mais rápidas. Enviar mensagens de texto parece mais rápido, até mesmo receber uma chamada parece mais rápido”.

Saiba lidar com a ansiedade. “Temos que ter cuidado com o ritmo acelerado [da comunicação], que realmente foi ampliado pela ansiedade da pandemia e da comunicação digital. É muito fácil priorizar a pressa sobre a consideração”.

Aprenda a respeitar as pausas. “Pausas são essenciais para uma boa comunicação. Todos nós sabemos que, no passado, passar a mão no queixo ou inclinar-se, fazer contato visual direto ou um sorriso nos dava tempo para pensar e processar informações”.

Planeje os objetivos de sua chamada. “Você não pode simplesmente entrar em uma sala e ler as dicas de todos e [estar] engajado. É preciso preparar e projetar para o engajamento. Recomendo antes das reuniões do Zoom, enviar uma pauta com antecedência, isso dá aos introvertidos tempo para processar ideias, postar perguntas com antecedência para que as pessoas estejam prontas para se preparar e tenham tempo para pensar na reunião. Sempre comece com o esclarecimento, eis como o sucesso se parece no final da reunião”.

 

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