A partir de julho de 2021, 30 mil funcionários administrativos da Ford Co. poderão trabalhar de casa indefinidamente. Segundo comunicado da montadora, esses colaboradores poderão vir para o escritório para reuniões e atividades de construção e engajamento de equipes. É o modelo de trabalho híbrido assumido, assinado e carimbado pela Ford. E que deve servir de base para decisões sobre o futuro do trabalho em outras grandes organizações.
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A movimentação da Ford, uma companhia que se reinventou e se colocou na vanguarda, reflete uma ousadia maior do que Microsoft e Reddit, por exemplo, e está alinhadíssima com as tendências que especialistas enxergam para o trabalho no escritório. Em seu mais recente relatório “12 Tech Trends to Watch Closely in 2021”, a CB Insights aponta a Hotelização do Escritório como uma tendência que vai pegar forte a partir deste ano. Mesas deixam de ser “exclusividade” para se tornarem uma commodity que vai servir a quem precisa, naquele dia, naquele momento. Combinado ao modelo de trabalho híbrido, à adoção de tecnologias para integrar a força de trabalho e à preocupação com protocolos de segurança, é possível perceber que o escritório deixará de ser um espaço de trabalhar em que encontrávamos colegas para ganhar um novo significado.
“Havia algumas mudanças que já vinham se desenhando gradativamente, mas por conta do que aconteceu no último ano, da natureza dos tempos que vivemos, tiveram que ser aceleradas”, afirma Fábio Milnitzky, CEO da iN, consultoria de marcas que trabalha desenvolvimento de propósito e cultura em empresas. Segundo ele, a discussão sobre o home office e outros modelos de trabalho flexíveis já eram uma realidade em várias empresas, mas eram tratadas pelas organizações como “benefícios” (olha que legal, você pode trabalhar de casa um dia na semana”), não como “necessidades”. “A forma como trabalhávamos antes da Covid-19 já privilegiava a mobilidade e estava relacionada justamente à questão de como gerenciar o fluxo massivo de pessoas em espaços urbanos”.
O CEO da Amazon Web Services, Andy Jassy, que assumirá o cargo de presidente-executivo da Amazon no terceiro trimestre deste ano, afirmou à CNBC em dezembro que prevê que a maioria das pessoas adotará um modelo de trabalho híbrido e que espera que o futuro do trabalho seja os chamados “hot offices”, escritórios em que as mesas ficam disponíveis para qualquer pessoa usar. Nesse sistema, há uma economia de espaço de 30%.
“Minha suspeita é que muitos desses prédios de escritórios começarão a evoluir de otimizados para escritórios individuais ou cubículos para os hot offices, onde você decide em que dia vai entrar e depois reserva uma mesa”, disse Jassy. Inicialmente, a Amazon havia anunciado que suas equipes trabalhariam em esquema remoto até junho de 2021, mas essa disposição deve mudar.
“O que a gente vê nesse momento é que o escritório passa a ter um papel diferente dentro dos processos da empresa. Antes disso tudo acontecer, tudo se fazia no escritório – desde processos criativos, reuniões de alinhamento, reuniões estratégicas, produção mesmo de material, o trabalho mais mão na massa. E com essa situação que vai retornar na forma híbrida, o que a gente enxerga é que o escritório passa a ser o espaço onde as pessoas utilizarão os ambientes para os trabalhos colaborativos”, explica Érica Prata, diretora comercial da AKMX Arquitetura, uma das maiores empresas em projetos para escritórios corporativos.
Assim como hospitais como o Albert Einstein, em São Paulo, realizaram mudanças do dia para a noite no arranjo de mesas, criaram rotinas de revezamento e estabeleceram protocolos de segurança, os espaços corporativos passaram e estão passando por um shake up. “O fato de ter mesas rotativas abriu uma oportunidade de economia de espaço e potencializou iniciativas do RH para reforçar a cultura do home office”, diz Vinicius Lima, CEO da startup Escala, que oferece tecnologia para gestão de pessoal ao hospital. Entre os protocolos estão incluídos o uso de máscara, distanciamento e ar condicionado com pressão negativa (um método comum em hospitais para controle de infecção).
No curto prazo, o foco das companhias está na limpeza, higienização e qualidade do ar condicionado. A Organização Mundial de Saúde (OMS) possui um guia para manter o espaço de trabalho preparado contra a Covid-19, que serviu de base para protocolos e adaptações até agora. Mas a tendência é a busca por soluções que integram mais tecnologia, como startups de desinfecção, tecnologias autolimpantes e outras soluções para manter superfícies livres de germes. A britânica NitroPep, por exemplo, é uma startup que está desenvolvendo camadas de material com minúsculas partículas em forma de espinhos que perfuram e matam vírus em minutos. A dinamarquesa UVD Robots conta com robôs que usam luz ultravioleta para desinfecção em hospitais e centros cirúrgicos.
“As marcas cumprirão um papel de mediar expectativas e inseguranças naturais que existem em suas pessoas”, aponta Fábio Milnitzky. “O ambiente do escritório deve mediar estes medos e demonstrar que é possível construir novas experiências de trabalho, alinhadas com o propósito das organizações”.
À medida que a vacinação avança globalmente, muitas organizações devem retomar gradativamente os espaços corporativos, mas com mudanças que ainda estão sendo desenhadas. Esse design indica que vamos nos afastar do modelo presencial colaborativo, com funcionários sentados lado a lado em bancadas (que alguns chamam popularmente de “mesões), com ou sem baias. No longo prazo, os escritórios devem adquirir características mais próximas de hotéis: serão usados para visitas curtas, com alocação aleatória de mesas feita via plataforma digital. Isso significa que os escritórios das grandes empresas de tecnologia, que mais pareciam “campus”, com binbags, áreas recreativas e cozinha – devem passar por grandes transformações.
Para garantir o espaçamento, as mesas devem se tornar espaços menos personalizados. O uso disseminado de software digitais para reservar mesas e fazer o controle de quem estava presente e quando deverá ser cada vez mais assimilado. É uma forma eficiente não apenas de organizar e agendar as idas ao escritório, mas também manter o número dentro da nova capacidade máxima estabelecida. E, sim, tudo tem de ser planejado e pensado com antecedência.
No admirável mundo novo corporativo, planejamento será a palavra de ordem. O improviso deve ficar para o trabalho em si. E, à medida que a Inteligência Artificial avança, também ela deve guiar alguns procedimentos e decisões de quem, antes, não pensava muito se chegaria mais cedo, ficaria até mais tarde ou “daria um gás” no domingo pela manhã.
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