A venda de livros no Brasil subiu 19,3% em janeiro e registrou um alta superior a 14% em valores na comparação entre o primeiro bimestre de 2021, frente ao mesmo período de 2020. Foram 4,27 milhões de livros vendidos, com faturamento de R$ 206,34 milhões e que trouxe otimismo para um setor que só registrou quedas entre 2015 e 2018, parando de cair apenas em 2019.
O Primeiro Painel do Varejo de Livros no Brasil, da Nielsen Book e divulgado pelo Sindicato Nacional de editores de Livros (Snel), apontou que essa alta foi puxada por livros de auto-ajuda (o que já era esperado) e de fantasia (o que faz todo sentido também). A literatura de ficção vendeu 41,4% mais entre os três primeiros de 2020 e o mesmo período em 2021. Se “O Conto da Aia” e “1984” puxaram a fila no início do isolamento social, vieram na sequência os títulos que tratavam de racismo, feminismo e equidade, fechando o ano com a série “Bridgerton”, que virou uma série na Netflix.
Os números que mostram um aumento da leitura impressa não são bons apenas para as livrarias e editoras. São bons também para a memória dos leitores. Um estudo da pesquisadora Naomi S. Baron, professora emérita de Linguística da American University, aponta que quando lemos textos impressos – seja em livros, revistas, jornais etc – nossa mente retém mais informações, do que ao ler um texto em dispositivo digital, como um smartphone ou notebook, por exemplo.
“Os benefícios da impressão brilham particularmente quando os experimentadores passam de tarefas simples – como identificar a ideia principal em uma passagem de leitura – para aquelas que requerem abstração mental – como tirar inferências de um texto. A leitura impressa também melhora a probabilidade de relembrar detalhes – como ‘Qual era a cor do cabelo do ator?’ – e lembrando em que ponto em uma história os eventos ocorreram – ‘O acidente aconteceu antes ou depois do golpe político?’”, escreve ela em artigo para a The Conversation.
Em seu livro “How We Read Now”, lançado em março, a pesquisadora diz que estudos mostram que tanto os alunos do Ensino Fundamental quanto os universitários “presumem que vão ter notas mais altas em um teste de compreensão se tiverem feito a leitura digital”. “Só que eles realmente pontuam mais alto quando leram o material impresso antes de fazerem os testes”, diz no artigo.
“Estudos de alunos noruegueses da décima série e da terceira à oitava série nos EUA relatam pontuações mais altas quando testes padronizados foram administrados em papel”, prossegue Naomi. “No estudo dos EUA, os efeitos negativos do teste digital foram mais fortes entre os alunos com baixos resultados de leitura, alunos que estão aprendendo inglês e alunos de educação especial”.
Em sua própria pesquisa, Naomi Baron abordou a questão de maneira diferente. Em lugar de fazer com que os alunos lessem um texto e participassem de um teste, ela e seus colegas questionaram como os estudantes percebiam seu aprendizado geral ao usar materiais de leitura impressos ou digitais. Tanto os alunos do Ensino Médio quanto os universitários consideraram a leitura em papel melhor para a concentração, aprendizado e memória do que quando liam digitalmente.
“As discrepâncias entre os resultados impressos e digitais estão parcialmente relacionadas às propriedades físicas do papel. Com o papel, ocorre literalmente a imposição de mãos, junto com a geografia visual de páginas distintas. As pessoas costumam vincular sua memória do que leram a quão longe estava no livro ou onde estava na página”, afirma a pesquisadora.
Segundo ela, é importante olhar também para a perspectiva mental e o que os pesquisadores chamam de “hipótese superficial”. De acordo com essa teoria, as pessoas abordam os textos digitais com uma mentalidade que diz mais respeito às mídias sociais causais, portanto dedicam menos esforço mental do que quando estão lendo textos impressos.
No livro, Naomi Baron relata um experimento de 2018 no qual alunos visitaram um museu para conhecer pinturas. Os pesquisadores pediram que alguns apenas observassem, enquanto outros foram convidados a tirar fotos. Houve um outro grupo que tirou fotos e compartilhou no Snapchat. Qual foi o grupo que se lembrou das pinturas? Aquele que simplesmente observou e não tirou fotos. “O próprio processo de tirar fotos”, escreve Naomi em um paper publicado recentemente,, “interfere no ato cognitivo de visualização”.
Esse efeito é muito parecido com o que ocorre em nosso cérebro quando usamos o GPS para navegar do que quando escolhemos uma rota para seguir. Sem GPS, indica outro estudo, nosso cérebro passa por uma explosão de atividade neural enquanto experimenta os desafios de navegar em uma paisagem desconhecida. “Mas quando usamos o GPS, o hipocampo ‘basicamente se desliga’”, escreve Stephen L. Carter no artigo “A Book You Remember, a Kindle You Forget” na Bloomberg.
Carter, que é professor de Direito na Universidade de Yale, comenta que a ideia que ao ler em um dispositivo digital faz com que as pessoas gastem menos esforço mental do quer ao ler em impresso parece cada vez mais verdadeira – o que tem feito crescer o medo de que a perda de esforço mental leve a uma perda de consideração geral. “Em 2019, os adolescentes norte-americanos consumiam em média 7 he 22 minutos diários de tempo de tela – não incluindo o trabalho escolar. Destes, 39% foram gastos com mídia social, em comparação com 2% para eReading”, escreve Naomi Baron no artigo científico.
A tese debatida por defensores das mídias digitais diz que à medida que tivermos mais “nativos digitais”, essa diferença vai sumir. “Trabalhos recentes, no entanto, sugerem o contrário: à medida que o tempo passa e os jovens ganham mais experiência na leitura digital, a vantagem de ler um texto físico na verdade aumenta”, aponta Stephen Carter.
Naomi Baron reforça que as sensações táteis ajudam nossa memória a reter as informações, pois tornam mais fácil para o hipocampo construir um “mapa cognitivo”. Nos textos digitais, não há o que mapear. Some-se a isso a possibilidade de, ao folhear um livro em busca de uma passagem, descobrimos algo inesperado, o que gera mais conexões. No digital, as ferramentas nos ajudam a encontrar as passagens – e “nos encorajam a usar os livros, em vez de lê-los”. “Encontramos o que procuramos, e não o que o mundo nos apresenta. E o leitor egocêntrico, os dados nos dizem, é o menos reflexivo e crítico”, analisa Carter.
“Textos digitais, áudio e vídeo têm funções educacionais, especialmente quando fornecem recursos não disponíveis na mídia impressa. No entanto, para maximizar a aprendizagem em que o foco mental e a reflexão são necessários, os educadores – e os pais – não devem presumir que todas as mídias são iguais, mesmo quando contêm palavras idênticas”, conclui Naomi Baron na The Conversation.
Um estudo realizado por pesquisadores do MIT coloca os pesquisadores mais perto de descobrir como recuperar a memória em pacientes com doenças degenerativas
Em entrevista exclusiva, o mais renomado neurocientista brasileiro revela detalhes de seu mais novo livro, critica a hype sobre a Inteligência Artificial e aponta caminhos para a comunidade científica
Os sonhos de restaurar a memória, apagar o medo e eliminar a depressão dependem da captura e compreensão do código neural do cérebro humano. Um grupo de cientistas está trabalhando nisso
Aproveite nossas promoções de renovação
Clique aquiPara continuar navegando como visitante, vá por aqui.
Cadastre-se grátis, leia até 5 conteúdos por mês,
e receba nossa newsletter diária.
Já recebe a newsletter? Ative seu acesso