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O CEO e fundador da Voltz, Renato Villar, criou a empresa após perceber que o futuro da mobilidade é elétrico Divulgação/Voltz
ENTREVISTA

Voltz quer reinventar o ecossistema de duas rodas do Brasil

O fundador da autotech, Renato Villar, percebeu que o futuro é elétrico, por isso apostou nas motos elétricas com muita tecnologia embutida e com apoio forte de sua comunidade

O que fazer ao perceber que uma nova tecnologia vai extinguir o seu negócio? Apostar na inovação. Esse foi o raciocínio de Renato Villar ao fundar a Voltz, a autotech que lançou a primeira scooter elétrica do Brasil. Ele percebeu que a eletrificação iria afetar sua empresa de peças para motocicletas a combustão, então começou a desenvolver seu próprio modelo elétrico em 2017. Desde que lançou a primeira scooter, em novembro de 2019, a empresa já vendeu mais de 7 mil unidades e ganhou a alcunha de “Tesla de Pernambuco”.

Villar diz estar longe de ser uma Tesla, mas sabe que tem impactado o mercado brasileiro, que possui incumbentes como Honda e Yamaha. Atualmente, a startup tem três modelos: a moto EVS e as scooters EV1 e EV1 Sport. Ainda existe a EVS Work, uma versão para o mercado B2B, que ainda será lançada, mas já é testada em parcerias com empresas.

O iFood é um dos parceiros. Em abril, a startup de entregas começou um projeto piloto de teste das motos dentro do iFood Regenera. A expectativa é rodar com mais de 10 mil motocicletas elétricas em um ano. Para estimular o uso do modal, está sendo criada uma linha de crédito especial para entregadores parceiros.

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A expectativa é que a frota para o mercado B2B vire o carro chefe da Voltz. Mesmo assim, os clientes pessoa física são uma peça importante: foi a comunidade de “volterz” que impulsionou as vendas das motos elétricas durante a pandemia. Apesar da pandemia, a montadora não registrou queda nos pedidos.

As motos da Voltz sempre foram compradas online. Aa montadora pernambucana possui showrooms próprios e franqueados espalhados pelo Brasil onde os clientes podem testar os veículos e tirar dúvidas, antes de fechar o pedido e receber a moto em casa. Poucos meses após o lançamento do primeiro modelo, a chegada da Covid-19 obrigou o fechamento de todas as lojas. A saída foi fomentar a comunidade e vender motocicleta elétrica numa espécie de boca a boca digital. Os consumidores começaram a conversar sobre os produtos em grupos do WhatsApp e Telegram e a empresa embarcou na ideia. Hoje, esses grupos já possuem mais de 2 mil integrantes de todo o país.

O trajeto da Voltz chamou a atenção da Creditas e do Grupo Ultra, que investiram R$ 100 milhões na startup, em maio. Esse é o primeiro aporte da empresa. Segundo Villar, o investimento é estratégico. Um dos planos é criar estações de recarga de bateria da moto nas unidades do Posto Ipiranga.

Nessa entrevista, o CEO e fundador da Voltz, Renato Villar, conta como a startup conseguiu superar os desafios com inovação e apoio da comunidade.

Disrupção é…

“Redefinir o mercado agregando valor para o consumidor. Às vezes, a gente cria um negócio achando que está gerando valor, mas no final não está. Então, acho que disruptar é, por meio da tecnologia, conseguir gerar valor para o consumidor e redefinir coisas antigas.

Eu já tinha um negócio de peças para moto, mas sabia que o futuro é elétrico. As motos elétricas têm 10% das peças de uma motocicleta a combustão.

O negócio iria acabar porque a gente vendia peças para modelos a combustão. O mercado simplesmente ia deixar de existir um dia.

Em 2017, estudando o mercado, a gente viu o crescimento do nicho de pessoas que procuram por mobilidade e usam scooters. É um consumidor que preza por mobilidade urbana, geralmente está comprando a primeira moto, anda entre 20 Km e 25 Km por dia, e integra as classes A e B. Nós entendemos que esse era o consumidor perfeito para quem poderíamos começar a introduzir motocicletas elétricas. Achamos uma brecha para entrar no mercado por meio desse perfil de consumidor.

Começamos a desenvolver a moto em 2017 e ela foi lançada em 2019. Vendemos moto para o Brasil todo. Inovamos na maneira de vender: a gente não trabalha com o modelo de concessionária, mas com nossos showrooms offline. O cliente vai na loja ver o produto, tira dúvidas e testa a moto, mas compra tudo online. O produto é entregue na porta do consumidor.

Começamos com a primeira loja em Recife, de onde nós somos. Temos dois modelos de showroom, o próprio, que fica na capital, e uma franquia. Atualmente, essas lojas estão em São Paulo e Recife, mas vamos expandir com o investimento.

As franquias são terceiros que investem e têm uma loja em cidades menores, em uma determinada região. A franquia não vende nada, não tem estoque, mas apresenta a moto para os consumidores. Se o cliente comprar online na região da franquia, o dono do showroom recebe a comissão.

Todos os showrooms fecharam com a chegada da pandemia. Nossa sorte é que já nascemos 100% digital, então a pandemia só nos ajudou a aprender como vender moto online mais rápido.

É um negócio meio inusitado vender uma moto elétrica de uma marca nova online sem a pessoa testar. Esse foi o desafio de 2020 para a Voltz.

Quem compra online uma moto elétrica é o entusiasta, o early adopter. Quando a gente começou a vender online em novembro de 2019, algumas pessoas compraram. Esses caras entraram no nosso Instagram e criaram um grupo no WhatsApp. Toda vez que a gente postava uma coisa no Instagram, eles colocavam o grupo no comentário e diziam ‘se você comprou uma moto entre aqui no grupo’. Aquilo eram os caras com medo de levar cano nosso porque a empresa era nova. Entramos no grupo para ver o que acontecia.

Uma comunidade foi sendo criada no grupo. Os compradores foram recebendo as motos. Todo mundo foi se conhecendo. Em março de 2020, quando todo mundo se trancou, nós pensamos como seria possível vender se o cara não ia poder testar a moto elétrica.

Então, a gente jogou todo mundo pra dentro do grupo do WhatsApp. A gente disparava mensagens como ‘entre agora no fórum da Voltz e tire suas dúvidas com o usuário final’. Naquela altura tinha 42 pessoas no grupo. Em um mês e meio tinha mais de 100 pessoas com moto dentro do grupo. O grupo convertia porque as pessoas trocavam figurinha ali. Eles falavam do dia a dia da motocicleta, dos benefícios e dos pontos negativos.

A comunidade começou a vender a moto. Foi assim que a gente se salvou.

Criamos então um programa chamado Volterz, que permite que uma pessoa entre no site e consiga falar com qualquer usuário das nossas motos no Brasil inteiro. A gente não tem showroom em Rio Branco, mas você pode falar com o dono de uma Voltz lá, o cara pode até te mostrar a moto dele e ganhar um cashback por isso. Essas foram algumas maneiras de conseguir usar nossa comunidade para nos ajudar a vender sem mostrar a moto e sair da pandemia de uma maneira mais forte.

Cerca de 40% das vendas sempre vieram por meio da comunidade. Cada vez entrava mais gente nos grupos e a gente vendia mais. Na pandemia, a gente cresceu o volume de vendas em todos os meses, nunca vendemos um mês a menos.

Em 2020, tivemos vendas no valor de R$ 42 milhões e esse ano queremos quadruplicar a receita. Estamos nesse caminho.

Começamos em um nicho específico de pessoas, agora a gente abriu mais o leque. Antes tínhamos uma moto e agora temos mais modelos. Então, a gente consegue pegar não só o cara que está comprando a primeira moto, mas também a pessoa que já tem uma moto 150 cilindradas e quer uma velocidade e torque maior. A gente consegue competir de igual para igual com o veículo a gasolina em termos de potência, velocidade final e autonomia.

A gente também lançou uma moto para o mercado B2B. Estamos vendo uma boa aceitação nos testes feitos com algumas empresas e já temos uma parceria com o iFood. Estamos testando a moto para substituir a frota dos entregadores parceiros do app.

Acho que a comparação com a Tesla é animadora no sentido de mostrar que estamos desafiando um ecossistema antigo. O mercado de moto tem incumbentes. A Honda, por exemplo, tem 80% do market share. Quando alguém chama a gente de Tesla de Pernambuco, é óbvio que estamos a anos de distância de ser uma Tesla, mas mostra que as pessoas nos enxergam como uma empresa que pode reinventar o ecossistema de duas rodas do Brasil — que é o nosso propósito.

No começo, tentamos buscar algumas frentes de apoio até com o governo. O governo trocou e vimos que nunca iríamos receber apoio. A gente começou a entender que teria que criar nosso próprio modelo e disruptar. Quando a Voltz tivesse uma comunidade forte o suficiente e capaz de fazer o consumidor acreditar na empresa, a gente começaria a chamar atenção e aí sim o governo e outros players iriam nos escutar.

O fato de ser de Pernambuco não faz diferença alguma, ainda mais hoje com a Covid-19. A gente está contratando pessoas do Brasil todo. Para Pernambuco e para o Nordeste, fica o exemplo de que tudo pode ser feito. Estamos com mais de um ano e seis meses operando e três anos de projeto. Não que tenhamos um sucesso tão grande, mas estamos tentando fazer algo novo.

O investimento da Creditas é estratégico porque a gente descobriu que para vender moto é preciso vender crédito. A gente tinha muita reprovação quando ia para os bancos. Eram simulados mais de 2 mil CPFs por mês para só conseguir fechar o crédito para 10% das pessoas. Era um modelo arcaico de crédito. Pensamos: não dá pra trabalhar dessa forma, os bancos nunca mudaram a maneira de olhar para isso.

Ao longo do caminho, a gente pensou que em termos de tecnologia é possível mudar essa realidade, criamos uma moto inteligente. A gente consegue monitorar a motocicleta 100%, isso tanto em favor do usuário, quanto da própria financeira. A gente procurou alguns parceiros e a Creditas acreditou nesse projeto. De certa forma, essa tecnologia pode diminuir o risco do crédito.

Começamos a conversar com a Creditas e isso desencadeou no investimento deles para acelerarmos esse projeto e ganharmos escala. O crédito para moto é muito importante na venda.

A Voltz só faz algo se gerar valor para o consumidor e os demais stakeholders do negócio. Por exemplo, a gente viu que é uma dor para o consumidor comprar uma moto porque é difícil aprovar crédito, a taxa de juros é exorbitante e quando ele consegue tudo isso, o seguro custa 25% do valor do bem. Seguro de moto no Brasil praticamente não existe.

A gente viu que poderia resolver isso com esse hardware embarcado, então começamos a desenvolver tecnologia para resolver esses problemas. Focamos em criar tecnologia para gerar mais valor para todos os stakeholders do ecossistema, tanto o usuário final, como a financeira e a seguradora, para que, no final, a gente consiga até vender mais também.

Através do app da Voltz, o nosso usuário consegue fazer tudo, até ligar a moto. Se a moto está estacionada e alguém bate nela, o dono recebe uma notificação informando a batida. Também é possível cadastrar o telefone de um familiar e se o dono caiu da motocicleta, a família consegue receber uma notificação. Temos uma série de coisas que já desenvolvemos e temos para desenvolver para agregar ainda mais para o usuário.

Do lado do Grupo Ultra, é outro investimento estratégico. A gente tem um projeto não só de moto elétrica, mas também de estações de recarga de bateria para o usuário tirar uma bateria vazia e trocar por uma cheia.

O futuro para a gente é criar um ecossistema com estações de recarga em todos os postos Ipiranga para poder vender a moto sem a bateria.

Esse é o nosso sonho e o Ipiranga é muito sinérgico nisso. Com o apoio, enxergamos uma maneira de escalar porque grande parte das motos do Brasil está no interior e é fácil achar um posto da rede em qualquer lugar. Nessas unidades, dá para colocar um showroom nosso, não só para vender a moto, mas também para possibilitar a recarga de bateria.

A bateria da moto é portátil e você consegue carregar em casa. O problema é a entrada no mercado B2B. Um entregador roda cerca de 150 km e precisa ter duas baterias. Não tem como ele parar no meio do dia para recarregar.

A bateria custa 40% do valor da moto. Quando você vai para duas baterias, isso sobe para quase 80% do valor. O preço aumenta muito e começa a ficar um pouco mais distante do valor da motocicleta a combustão. Entretanto, quando existem estações de recarga e o produto é vendido sem bateria, você começa a deixar o valor da moto mais barato do que de um modelo a combustão. O problema não é a autonomia da bateria, é mais preço e investimento.

Ainda vamos fazer a nossa de linha de produção em Manaus com o aporte. A gente espera que até o final do ano ela esteja montada. Esse passo é importante porque Manaus é o polo industrial. A Honda e a Yamaha estão lá. Os incentivos federais na cidade são incomparáveis e geram uma economia de mais de 25% no valor da moto. É imprescindível estar lá.

Hoje a gente importa os modelos da China pré-montados e termina de montar em Pernambuco. A nossa planta no Amazonas vai ter a capacidade inicial de 15 mil motos por mês.

A gente teve problema de supply por conta da pandemia e fomos muito afetados ao longo do ano. Hoje, a entrega é com 3 meses ainda. Uma parte do capital que levantamos é para conseguir ter mais estoque e ficar menos dependente desse supply chain.

Antes era bom ter just in time, agora tem que ser mais just in case. Não sabemos o que vai acontecer amanhã. É melhor estar com um estoque maior do que ficar dependendo do que vai acontecer no mundo.

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