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Luis Henrique Albinati, diretor de novos negócios da Cooperativa Minasul Foto: Divulgação
ENTREVISTA

Coffee Coin, da Minasul, abre caminho para “cafeicultores virtuais”

A cooperativa, segunda maior exportadora de café do Brasil, decidiu tokenizar o quilo do café em grão e entrar no mercado de criptoativos, como parte do seu projeto de transformação digital.

Por Silvia Bassi 16/07/2021

No mercado de ativos digitais em redes blockchain (mais conhecidos como criptoativos) os tokens, diferentes das criptomoedas como o Bitcoin, começam a alimentar um novo movimento de investimento e comercialização de bens reais ou digitais, negociados em exchanges específicas dedicadas a transações com criptoativos. Uma das vantagens é a possibilidade de fracionar a representação dos bens, permitindo que pessoas comuns tornem-se investidores em grandes mercados, como o mercado imobiliário.

Ou, de repente, virar “cafeicultores digitais”, se decidirem comprar Coffee Coin, a primeira stablecoin do mercado lastreada em café em grão. A ideia nasceu como parte do projeto de transformação digital da Minasul, cooperativa de café localizada em Varginha (MG). O Coffee Coin (COFBR), lançado no dia 1 de julho em parceria com a exchange Stonoex, tem seu valor base indexado ao valor de um quilo do café verde, padrão “6-7 bebida dura”, com 15% de defeitos, negociado no mercado Brasil. O lastro da moeda está nas sacas de café da cooperativa, enquanto cabe à Stonoex gerir os tokens e fazer a comercialização na exchange.

“O Coffee Coin permite que você tenha pessoas que não transitam no mundo do café participando desse mercado de forma democrática”, explica Luis Henrique Albinati, diretor de novos negócios e tecnologia da Minasul, que tem liderado o processo de transformação digital da cooperativa, atualmente a segunda maior cooperativa exportadora de café do Brasil, com crescimento de 100% ao ano nos últimos três anos. Albinati veio do setor de telecom e TI e, ele próprio, é um produtor de cafés especiais. Nessa entrevista, Albinati conta mais detalhes de como a tecnologia está mudando o cenário da cooperativa.

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Disrupção é…

“Melhorar ou alterar totalmente o modelo atual de alguma coisa, seja tecnologia, processo ou negócio. Nós procuramos basear nossos novos negócios em cima de tecnologia ou de alguma coisa disruptiva.

A Minasul é uma cooperativa agro com um viés tecnológico que vem crescendo muito nos últimos quatro, cinco anos. Hoje é a segunda maior cooperativa exportadora de café do Brasil, e cresceu em torno de 100% ao ano nos últimos três anos. O que fizemos foi sair do modus operandi tradicional de negócio para um modelo orientado por tecnologia. Justamente para quê? Para saber como crescer de forma saudável.

O viés da Minasul é tecnológico e tem uma razão de ser. Para crescer hoje no mercado de agrobusiness, a base do crescimento tem que ter suporte tecnológico diferente.

Tanto o presidente da Minasul quanto eu, que sou diretor de novos negócios, viemos do mercado de tecnologia, mas já mexíamos com o agro. Eu sou produtor de cafés especiais. Fizemos um plano de crescimento para os primeiros três anos, depois cinco anos e agora temos um planejamento que vai até 2030. O primeiro passo que demos foi trocar nosso ERP. Percebemos que o sistema de controle de armazenagem não comportaria os diferentes tipos de café com que a cooperativa trabalha. Hoje ela movimenta em torno de 2 milhões de sacas de café/ano. Isso em giro e armazenagem.

O café é uma “commodity não-commodity”. Antigamente, você tinha um só tipo de café: “o café do Brasil”. Hoje, o café do Brasil tem enormes variedades, descobertas ao longo desses 20 anos, quando vimos que o café tinha outras características. O Café Arábica, principalmente.

O café começou a ser separado por tamanho de grão, sabor, qualidade de cor e tudo mais. Com isso, ele ganhou várias classificações e categorias. Quando você tem várias categorias, elas têm que ser rastreadas e você precisa manter isso separado dentro dos armazéns. Portanto, o conceito de armazenagem mudou, as ferramentas mudaram e o produtor também. Eu tenho que saber que café é aquele, qual a quantidade, qual a característica e a quem pertence, enquanto o café está sob responsabilidade da cooperativa. Todas as cooperativas hoje, pequenas, médias e grandes trabalham dessa forma porque perceberam que isso agrega valor.

Não havia no mercado uma plataforma de automação de armazéns que nos atendesse. Então, nós desenvolvemos uma plataforma de “armazém inteligente” com uma integradora, em parceria com a Microsoft. Nós entramos com todo o nosso know-how, não só o expertise de café, que é importantíssimo, mas também de tecnologia. Isso é importante, porque nós falamos a língua do café e falamos a língua da tecnologia.

Essa plataforma controla toda a movimentação do armazém, incluindo o posicionamento dos “big bags”. Cada “big bag” tem 1.500 quilos ou 25 sacas de 60 quilos. Essa é a unidade de armazenagem. Se você entrar nos nossos armazéns, você vai ver lá os “big bags” empilhados. Esse Warehouse Management System (WMS) é a inteligência de armazenagem e ele vai dizer, por exemplo, onde colocar aquele café daquela característica específica, de forma a otimizar o uso do armazém. Cafés que vão ser comercializados mais rapidamente, por exemplo, ficam mais próximos da porta de saída, para carregamento.

Nós tiramos toda a interferência humana nesse processo. O operador de empilhadeira perdeu a função, junto com o chefe de armazém, de determinar a posição do “big bag”. Quem faz isso é o sistema. E o operador da empilhadeira tem um tablet com um mapa que indica onde posicionar a ordem de serviço. Nós temos dez armazéns distribuídos na região, em cidades diferentes, ligados em rede através desse sistema e com isso sabemos a capacidade instantânea de cada armazém. Outra coisa importante: quando o caminhão entra e pesa esse café que ele descarrega, automaticamente essa informação vai para dentro do ERP, tirando qualquer chance de uma fraude ou de um manuseio no meio do caminho.

É um sistema muito seguro e usa RFID em tudo. Cada empilhadeira pode ser considerada como um pequeno hub. Nós usamos RFID na empilhadeira e, no piso, nós colocamos um chip que seria um tipo de GPS para a empilhadeira. Então, você tem a localização e, se alguém tentar pegar um “big bag” de forma errada, a empilhadeira desliga.

Nós criamos um app móvel no qual nosso cooperado faz todas as transações: compra, venda, emissão de nota fiscal, empréstimo, troca de produtos. Todas as atividades dentro da cooperativa podem ser feitas do celular dele hoje. Nós também evoluímos o portal do cooperado, que já existia. Na realidade, mais que um ERP, nós criamos um centro de inteligência porque ele tem as bases de dados e formas de processamento que alimentam tanto o portal do cooperado, quanto o aplicativo. Com isso, eu coloco na mão do cooperado uma ferramenta fantástica.

Imagine que um cooperado está a 100 quilômetros de distância da cidade, na fazenda dele. Antigamente, para emitir uma nota fiscal para o caminhão levar o café à cooperativa, ele teria que dirigir 100 quilômetros até a cidade mais próxima, tirar a nota fiscal na coletoria, voltar para a fazenda, entregar a nota fiscal em papel para o caminhoneiro para poder seguir com a carga. Hoje não, ele está lá, conferiu a carga do caminhão, entra no app, emite a nota fiscal e, em 5 a 10 minutos, ela já está pronta. Isso é integração do nosso ERP com a Secretaria da Fazenda. Em 10 minutos, ele recebe a nota fiscal oficial da Secretaria da Fazenda e manda para o WhatsApp do motorista. Pronto. Morreu o problema.

Hoje, praticamente 90% dos documentos que transitam dentro da cooperativa utilizam assinatura eletrônica.

Só sobraram aqueles documentos que, por força legal, eu não consigo tirar assinatura porque a lei não me permite, mas isso é 5 a 10% do volume todo. A grande maioria dos documentos usa assinatura eletrônica. Isso também simplifica muito. Evita que nosso associado saia da fazenda para ir lá na nossa cooperativa assinar um documento, levar para registrar firma no cartório, aquela coisa antiga.

Depois criamos o Barter Digital, dentro do ERP, que nenhuma cooperativa tem. É uma forma de troca de café por produtos das nossas lojas de forma instantânea. Com o Barter Digital, nós monetizamos o estoque todo e damos flexibilidade para o negócio. Você pode comprar desde um chapéu, um canivete, até um trator.

Você chega lá na loja da Minasul e fala assim: ‘Oi, quero comprar um chapéu‘. O atendente vai te perguntar: ‘Você quer pagar com dinheiro, com cartão de crédito ou com Barter Digital?‘. Se disser que quer pagar com o Barter Digital, ele converte o valor do produto para o valor do café na cotação do dia. O conceito de barter é uma coisa que existe há muito tempo no agronegócio, utilizado especialmente para compras de coisas grandes nas feiras, como um trator ou uma plantadeira, por exemplo.

Isso foi o resultado de uma mudança da velha visão de que uma cooperativa é uma coisa física de armazenar café, para pensar que a cooperativa é um banco cujo ativo é o café armazenado.

O Coffee Coin entrou depois do Barter Digital. É um projeto de dois anos, que começou em 2019. Começamos pensando que, já que custodiávamos um ativo que tem valor, que é mensurado pela Bolsa de Nova York, por que não criar uma stablecoin? Nós registramos essa marca há dois anos, portanto o pensamento não é de agora, mas o primeiro passo que nós demos pré Coffee Coin foi o Barter Digital, para sentir como é que isso permearia os nossos negócios. Mas o Barter Digital é intramuros, ou seja, nós só podemos fazer essas transações dentro da Minasul, com as lojas e os seus cooperados.

O Coffee Coin, como stablecoin, permite que você tenha pessoas que não transitam no mundo do café participando desse mercado. Com isso, nós democratizamos esse mercado, abrimos uma linha paralela de negócios que permite que qualquer pessoa faça transação com o café.

Um Coffee Coin equivale ao valor de um quilo de café verde, padrão “6-7 bebida dura”, com 15% de defeitos negociado no mercado Brasil. Colocamos um modal de valor e esse padrão é o que o Brasil todinho conhece e não nos preocupamos com o padrão que é usado em outros países. Nós estabelecemos no padrão brasileiro porque, através dessa unidade, é possível fazer qualquer conversão. Imagine uma pessoa que tenha R$ 1.000 disponíveis para investimento. Ela tem três opções: pode colocar na caderneta de poupança, em uma renda fixa ou investir em Coffee Coin. Por que ela investiria em Coffee Coin? Porque o preço do café varia de acordo com clima, safra etc. e pode criar oportunidades de ganhar dinheiro com essas variações.

A projeção futura do café é divulgada publicamente. Você tem vários canais dando a cotação. Isso dá uma referência para quem investe. A pessoa sabe o que está acontecendo, sem precisar olhar a moeda. Pode olhar só o mercado de café.

Nós lastreamos o Coffee Coin em café físico. Para cada Coffee Coin emitido, eu tenho que ter uma garantia de propriedade, uma garantia de lastro. Isso é muito importante. Como é que fazemos esse lastro? Com o café armazenado nos nossos armazéns e que pertence à Minasul. A Minasul tem café de sua propriedade, que transfere para a conta do Coffee Coin dentro da própria Minasul. A quantidade de café é convertida em lastro, em ‘tokens’, que criamos através de blockchain com a Stonoex. A Minasul custodia toda a garantia e emite Coffee Coins, além de ter a propriedade da marca. A Stonoex cuida de toda a parte de comercialização, plataforma, cunhagem da moeda, tudo isso é atribuição dela. É a nossa exchange. Depois de tudo emitido e documentado, a área financeira reporta a receita que entrou do Coffee Coin para o caixa da Minasul. Se você entrar no “site”, no final da página tem lá a quantidade de “tokens” emitidos.

Temos que dar segurança para o investidor. Não é um investimento de alta rentabilidade que você pode dizer ‘Ah, vai dobrar de um dia para o outro’. Isso aconteceu no lançamento por causa da euforia do mercado, mas já estabilizou.

A primeira semana foi euforia. Todo mundo achou que ia ficar milionário em Coffee Coin. Não é esse o ponto, nem o conceito.

É o conceito de uma “stable” mesmo, mas o mercado está muito ávido por novidade. Como Agro é uma coisa tangível, houve essa euforia. No primeiro dia nos surpreendemos, o Coffee Coin saiu de R$ 13,99 e chegou a mais de R$ 30. Fizemos o lançamento piloto no dia primeiro de julho exatamente para estabilizar a moeda e, depois, realmente ampliar no mercado. Hoje deu uma estabilizada.

Para saber o valor da saca de café, você multiplica o valor de um Coffee Coin por 60. E tem o preço do mercado que está circulando. Nós estamos passando por um período de safra baixa, de seca prolongada, e isso elevou demais o preço do café. Chegou a R$ 950. Para nós, Minasul, é uma forma de investimento. Se você investiu em Coffee Coin, você pode fazer o seguinte: ‘Eu quero resgatar o meu Coffee Coin daqui a um ano’. É só olhar os parâmetros de venda futura. Ao final de um período, se quiser, você pode resgatar seus Coffee Coins em café físico, obedecendo a regra de que tem que ser no mínimo uma “big bag”, ou seja, 1.500 Coffee Coins. Nós usamos essa unidade de armazenagem como referência para resgate ou para troca por “tokens”. É essa a seriedade do negócio.

Nós ainda não entramos no mercado internacional. Mas vamos entrar.

Para atender a demanda de moedas, devemos ter uma estrutura, por isso o mais seguro é trabalhar em uma rede de cooperativas. Essa rede vai trabalhar justamente no modelo que criamos aqui e cada cooperativa vai ter o seu pedacinho, vamos dizer assim, de garantia do Coffee Coin. De acordo com a necessidade e tamanho de cada uma.

O que a Minasul fez, que eu acho muito interessante, foi estabelecer um piso de garantia, uma coisa que torna a stablecoin diferente de uma criptomoeda convencional como o Bitcoin, por exemplo. O Coffee Coin pode até subir ou baixar em função de especulação de mercado, porque você tem o mercado secundário, que está rodando, e, muitas vezes, ele coloca margens para negociação baseada em demanda, mas você está comprando alguma coisa que tem como acompanhar e tem a garantia do piso. O preço mínimo dessa moeda vai ser o preço do café no mercado. Por quê? Porque se esse preço ficar abaixo do preço do mercado, a Minasul é a primeira a comprar. Isso é a garantia do negócio.

Quando falamos em Coffee Coin, tem várias camadas que nós estudamos: a camada de segurança, a camada legal, a camada contábil, a jurídica e a operacional. São cinco camadas que nós estudamos. Para poder verificar se o negócio está realmente bem estruturado. E agregamos uma série de itens interessantes, como por exemplo garantir a vida útil da commodity. Quem conhece o mercado sabe que toda “comodity” agrícola tem uma vida útil de 12 meses, que é quando vira a safra. A safra antiga desvaloriza quando entra uma nova. O café é a mesma coisa. Você muda de safra, o café, por melhor que ele seja, cai, porque ele é safra antiga, ou no jargão, “safra velha”. O que fizemos foi garantir que o Coffee Coin atualiza isso, ou seja, usando a blockchain da rede Ethereum, garantimos que o token sempre vai equivaler a um quilo de café da safra atual. Quando a safra vira, eu atualizo o token fazendo um novo registro nele que fica registrado na rede blockchain para garantir o acompanhamento. Eu garanto para o investidor que ele não vai ter perda de valor na mudança de safra.

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