O relatório climático do IPCC deixou bem claro: é urgente mitigar os efeitos do aquecimento global. Nesse cenário, há quem veja a agricultura apenas como vilã — em 2018, as atividades agrícolas foram responsáveis por 12% de todas as emissões globais de gases de efeito estufa, segundo a plataforma Climate Watch do World Resources Institute. Mas a agricultura também é parte fundamental da solução para as mudanças climáticas e, para isso, é preciso usar tecnologia. As Agtechs surgem como aliadas das melhores práticas de cultivo para tornar a atividade mais sustentável e ainda resiliente aos impactos ambientais que já se tornaram inevitáveis.
“A agricultura tem o potencial de ajudar na solução da crise climática através da adoção em larga escala de boas práticas baseadas na otimização do uso de recursos, eficiência da digitalização e de novas tecnologias, que não apenas reduzem as emissões, mas também removem o carbono da atmosfera”, explica a gerente de Sistema e Parcerias do Negócio de Carbono da Bayer para a América Latina, Ana Carolina Guedes.
O desafio é aumentar a produção para alimentar a população mundial crescente apesar das dificuldades impostas pelos eventos climáticos extremos, como secas e alagamentos. No passado, o Brasil já deu um salto de produtividade graças à tecnologia, agora as inovações devem ser aplicadas ao agro para manter o crescimento na quantidade de alimento que é produzido por hectare no país.
“A gente vai ter que encontrar novas tecnologias para continuar crescendo o nível de produtividade e é aí que entra muito forte a agricultura digital. Essas tecnologias digitais são cada vez mais exploradas por empresas como a Bayer, mas também por startups”, afirma o líder de negócios da Climate para a América Latina, Abdalah Novaes. A companhia é subsidiária da Bayer.
Para o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, o relatório do IPCC é um alerta vermelho para a humanidade. Ele aponta que as emissões de gases de efeito estufa provocadas por combustíveis fósseis e o desmatamento estão sufocando a Terra. Em relação ao desmatamento, o aumento de produtividade — fruto das tecnologias digitais — é benéfico para a manutenção de áreas de florestas, já que os agricultores podem produzir mais em uma área menor e deixariam de sucumbir ao ímpeto de abrir novas áreas produtivas.
O ganho de produtividade não é o único benefício advindo das tecnologias aplicadas à agricultura. Outros impactos positivos são: a redução do gasto de recursos naturais, o aumento da precisão na aplicação de produtos, como defensivos agrícolas e até a captura de carbono pelo solo.
Para atingir esses benefícios não é preciso inventar a roda, mesmo tecnologias mais básicas de monitoramento são importantes por captarem dados essenciais para o produtor conseguir acompanhar o cultivo e fazer escolhas mais assertivas. Um exemplo prático da economia de recursos naturais é um case da Agtech Scicrop, que faz análise de dados aplicada à agricultura para o mercado B2B, inclusive com o uso de imagens de satélite: com inteligência artificial, a startup conseguiu calcular que um produtor de batatas poderia utilizar 10% a menos de água no cultivo.
“A gente também tem alguns algoritmos para pulverização. Detectamos as ervas daninhas na lavoura e o trator pode só pulverizar o defensivo onde está a praga, ao invés de pulverizar toda a lavoura. Somos capazes de reduzir em até 40% a aplicação de produto que seria feita pelo produtor. O grande ganho não é financeiro, mas de preservação”, afirma o Head de negócios da Scicrop, Leonardo Pinheiro, citando outra solução da empresa.
O relatório “Transformative Agtech and Sustainability Challenges”, do PitchBook, divide as soluções de monitoramento e análise do campo em três categorias:
O relatório do PitchBook aponta ainda quatro desafios para a sustentabilidade no agronegócio: a poluição, as secas e a segurança da água, o desperdício de comida e a degradação do solo. Para a instituição, a indústria de tecnologia agrícola está liderando os esforços de sustentabilidade.
“Algumas das áreas mais transformadoras da inovação agtech incluem a agricultura indoor, que pode melhorar drasticamente a eficiência dos recursos; proteínas alternativas, que podem reduzir as emissões de gases estufa; robótica de campo automatizada e drones, que pode melhorar a produtividade agrícola e a saúde do solo; e avanços em biotecnologias, como bioquímicos microbianos e pesticidas de mRNA, que permitem o desenvolvimento de fertilizantes mais seguros e safras mais resistentes”, pontua o relatório.
Além da eficiência, as tecnologias digitais também criam novos negócios sustentáveis. Um exemplo é o mercado de carbono, no qual a quantidade de créditos de cada área pode ser analisada com tecnologia de monitoramento. Nesse sentido, a transformação ajuda a tornar a agricultura de baixo carbono uma realidade.
O carbono é uma parte importante da equação para a agricultura mitigar as mudanças climáticas. Por isso, a Bayer lançou a iniciativa Carbono Bayer, em 2020, no Brasil e nos Estados Unidos. Segundo a empresa, os produtores brasileiros foram selecionados para participar do programa por terem um perfil pioneiro na adoção de boas práticas sustentáveis e de novas tecnologias.
“A agricultura brasileira já é uma das mais sustentáveis do planeta, sendo pioneira em boas práticas agrícolas desde a década de 1970. Mas é possível potencializá-las e expandi-las”, afirma Guedes. “Quanto aos créditos de carbono, as metodologias padrões e protocolos utilizados para certificação dos créditos no mercado global são de baixa compatibilidade com a realidade nacional. É por isso que, ao lado da Embrapa e de experts, estamos estudando os principais protocolos na agricultura para tropicalizar os métodos existentes e definirmos um padrão acessível, escalável e eficiente em custos para os processos de monitoramento, relatório e verificação (MRV) do carbono no solo”, complementa.
Com o sequestro de carbono, a agricultura é aliada da sustentabilidade ao retirar os gases de efeito estufa da atmosfera. Para efetivar a captura de CO2, a Bayer apoia os agricultores na adoção de práticas agrícolas inteligentes em relação ao clima. As principais práticas de manejo contempladas na iniciativa Carbono Bayer são:
O processo também traz mais produtividade e rentabilidade para as lavouras, segundo Ana Carolina Guedes. A estimativa é que em três anos de projeto, os produtores participantes da iniciativa da Bayer possam obter um ganho médio de mais de 6% de rentabilidade e de mais de 10% em produtividade, além do aporte de palha e maior biodiversidade.
“Esse aumento de produtividade e rentabilidade, ou seja, a capacidade de produzir mais, em uma mesma área, com uso otimizado de insumos e recursos naturais, é justamente o que se espera da agricultura para enfrentarmos os desafios climáticos”, afirma a gerente da empresa.
As startups do agro têm um papel chave no fomento de uma agricultura mais sustentável até porque as Agtechs são mais ágeis que as grandes companhias. Esse é um dos motivos pelo qual a Scicrop atende empresas incumbentes.
A grande chave é a parceria entre os integrantes do ecossistema. Segundo o “Mapeamento Agtech 2021”, da Abstartups em parceria com a Dell, 40,7% das Agtechs têm ou já tiveram relacionamento com grandes corporações e outras 14,2% com o governo. As cooperativas são parceiras de 36,3% das companhias mapeadas.
“As oportunidades são tantas que as grandes organizações não vão conseguir ter a velocidade necessária para endereçá-las. Essa amarração com as startups é essencial”, afirma Novaes.
A colaboração com os produtores também é fundamental. Segundo Pinheiro, esse é um passo essencial para a validação das soluções da companhia. Sem esse processo, o risco é que os produtos da Agtech fiquem desconectados das múltiplas realidades do país. “As Agtechs têm um papel fundamental na transformação do setor, mas elas não fazem isso sozinhas”, afirma o Head de negócios da Scicrop.
O pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária e coordenador do Portfólio de Mudanças Climáticas da Embrapa, Giampaolo Pellegrino, classifica as Agtechs como uma peça fundamental para a inovação no setor por serem as grandes responsáveis, na visão dele, por lavarem as soluções para o agricultor. O ecossistema ainda é beneficiado pelas instituições de pesquisa, como a Embrapa. Um exemplo da importância da ciência no setor é o investimento anual de cerca de 2 bilhões de Euros da divisão agrícola da Bayer em P&D.
“As soluções e as ferramentas aplicáveis na fazenda acabam sendo desenvolvidas mais de perto por essas startups. A Embrapa integra esse ecossistema e está criando um ambiente de prototipação e desenvolvimento tecnológico dessas soluções”, ressalta o pesquisador.
A alcunha de celeiro do mundo já demonstra a importância da agricultura para o Brasil. Por isso, ser cada vez mais sustentável e, assim, evitar os impactos das mudanças climáticas no agronegócio é de grande interesse dos produtores nacionais. O tamanho da área plantada do país e a importância do agro brasileiro para o mundo ainda faz o Brasil ser uma peça essencial na preservação, mas é preciso de apoio do setor e do governo. Existem oportunidades para o país ser uma potência de produção sustentável, ainda mais após a atenção voltada para o tema com a publicação do relatório do IPCC.
Caso nada seja mudado, o Brasil pode sofrer com o crescimento na duração das secas no Nordeste brasileiro e o aumento da seca, da aridez e/ou das queimadas no sul da Amazônia brasileira e em parte do Centro-Oeste. Nesse cenário, as tecnologias digitais também são importantes para manter a produtividade apesar das condições adversas e dar mais previsibilidade para os produtores.
Atualmente, a Scicrop já é capaz de enviar alertas sobre incêndios para os agricultores e medir a melhor janela para o plantio otimizado dos cultivos. Além disso, a previsão de condições meteorológicas também são usadas para auxiliar a tomada de decisão nas fazendas, como exemplifica Pinheiro: “Ao prever uma frente fria, já alertamos produtores de tabaco da região Sul para antecipar a colheita e não perder a produção com a geada. Conseguimos mandar o alerta com mais de 30 dias de antecedência”.
Os mesmos mecanismos podem ser aplicados em caso de eventos climáticos extremos. Com a tecnologia também é possível criar plantas mais resistentes à condições desfavoráveis, como a falta de chuvas. Segundo o PitchBook, a biotecnologia aplicada ao agronegócio tem um papel importante em mitigar os desafios climáticos e adaptar os cultivos aos efeitos das mudanças climáticas:
O pesquisador da Embrapa recomenda que se pense na capacidade adaptativa da agricultura, no lugar das preocupações com a resiliência. Pellegrino concorda que as tecnologias aumentam a capacidade adaptativa do setor por dar mais informação para a tomada de decisões.
“Existe um aumento de capacidade adaptativa do sistema com o uso de tecnologia tanto que no Plano Nacional de Adaptação, existem metas de tratamento da informação. Uma delas é o desenvolvimento de um sistema de monitoramento e de risco da resiliência. O outro é um centro de inteligência climática que busca usar as informações tanto desse sistema quanto outras informações para tomar a melhor decisão possível”, explica o coordenador do Portfólio de Mudanças Climáticas da Embrapa.
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