s
Foto: NIKHIL @ Unsplash
TRANSFORMAÇÃO DIGITAL SEM TRAVAS

Se é para transformar, que seja mais que uma digitalização

Após a evolução tecnológica acelerada pela pandemia, as empresas começam a atingir alguma maturidade digital, o que exige uma evolução constante para se manterem competitivas

Por Sergio Lozinsky 30/07/2022

A transformação digital resolve problemas – e cria novas dores. Parece uma contradição, mas não é. E para que esse pensamento faça sentido para você também, preciso revisitar alguns conceitos que se tornaram confusos ou desgastados pelo uso.

Antes de mais nada: transformação digital não é sinônimo de transformação de negócios. Mais justo seria dizer que a primeira faz parte da segunda, ou seja, as novas tecnologias se relacionam diretamente com uma mudança maior, mas não se bastam.  Outra confusão comum é misturar a transformação digital com a digitalização, quando esta envolve inovação tecnológica, processos mais eficientes e ágeis, redução de custos e melhor experiência do cliente.

Resumindo: o digital, por si só, não transforma um negócio. Sua aplicação na criação de novos produtos ou serviços, na verticalização dos negócios ou na expansão das possibilidades self-service do cliente são exemplos de como o digital contribui na transformação da empresa.

CADASTRE-SE GRÁTIS PARA ACESSAR 5 CONTEÚDOS MENSAIS

Já recebe a newsletter? Ative seu acesso

Ao cadastrar-se você declara que está de acordo
com nossos Termos de Uso e Privacidade.

Cadastrar

Para falar em termos práticos, pense comigo: colocar autorização de pagamento no celular de um diretor para que ele faça aprovações a qualquer momento e em qualquer lugar é uma iniciativa de digitalização. A transformação digital, por sua vez, colocaria um algoritmo capaz de substituir a necessidade dessa função, valendo-se de recursos de inteligência artificial ou machine learning para efetuar essas aprovações de forma automática, e separando apenas casos excepcionais para serem analisados com critérios não automatizáveis (por enquanto).

A transformação digital também expande o universo da organização. Recentemente, tive contato com uma empresa que tem como core business a venda de produtos sofisticados na área de comunicação. A empresa desenvolveu a ideia de oferecer uma assinatura de software – uma aplicação que vai permitir aos seus clientes realizar uma espécie de administração self-service dos produtos adquiridos desse fornecedor. É um exemplo claro de incorporação de uma oferta que só existe em razão das novas possibilidades tecnológicas, incluindo, no caso, processamento em nuvem.

Não é exagero dizer que essa mesma empresa está, na verdade, criando um tipo de startup interna para desenvolver um ou mais serviços, que vão trazer novas receitas e, possivelmente, fidelizar o cliente em relação ao core business.

Os primeiros passos da maturidade

A maturidade digital deveria nascer nos níveis mais estratégicos. Porém, muitas vezes fica confinada a uma área ou mesmo a uma pessoa, normalmente um profissional vindo do mundo digital, que tem o papel de tornar-se a força motora da companhia nesse processo de transformação. Não dá para dizer que esse é um erro, mas também não é suficiente. Conselho e acionistas precisam debater as ideias de maneira estruturada, independentemente de elas serem viáveis tecnicamente ou não.

Leia novamente a última frase. Sim, pensar no “inviável” pode trazer insights interessantes. Até porque esses profissionais não deveriam partir do que “é possível”, e sim do que “seria fantástico se tivéssemos como oferecer”.

Quando a Amazon criou a Amazon Go, uma loja sem atendentes ou caixas, ela apostou em um modelo que confrontava uma série de questões: tecnologia, confiança, independência desejada pelo consumidor, segurança, variedade de oferta. E tudo isso sem interação humana. É cedo ainda para dizer que esse modelo vingou, ou mesmo que seja a tendência para o futuro, mas a iniciativa é um teste que certamente vai levar a um novo patamar de interação com o consumidor, elevando o grau de transformação digital.

E aqui eu volto à afirmação inicial do texto. Dificilmente uma tecnologia é capaz de resolver tudo: ao transformar, ela elimina desafios antigos, mas possivelmente cria novos problemas. Uma transformação digital hoje é capaz de agregar valor à experiência do cliente, podendo levar a um aumento significativo de receita. Mas certamente incorre em outra seara de preocupações, como o tratamento de dados sensíveis, os custos e demandas de ter o serviço ativo 24×7, as dificuldades de dialogar com o consumidor de comportamento mais analógico, entre outras.

Sempre que uma solução nova incrementa o negócio, criam-se novas questões a serem administradas – e, assim, outras novas soluções surgem em resposta aos desafios, em uma sequência de eventos que colocam à prova a missão de toda empresa: resolver problemas ou preencher necessidades. Foi assim que a sofisticação da concessão de crédito e da aprovação de pagamento evoluiu, muito por conta do requerimento de decidir em tempo real se era seguro vender para aquele consumidor online. Surgiram, então, ferramentas mais refinadas para solucionar o problema,  e cada vez mais sites de e-commerce integram essas ferramentas na sua arquitetura tecnológica.

Pode ser duro dizer, mas não há descanso na gestão de uma empresa. Você pode ter encerrado um ciclo de resolução de um grande volume de questões e, ao olhar para o concorrente, descobre que ele resolveu mais (ou melhor) que você. O “problema” da transformação digital bem-sucedida é que ela coloca a expectativa do seu cliente em um nível mais alto. Quem se lembra da época em que fazíamos check-in em aeroportos com bilhetes impressos (para os mais antigos, bilhetes manuscritos) provavelmente adora a possibilidade de resolver tudo, hoje, com tecnologia móvel ou terminais de autoatendimento. Mas já existem companhias aéreas investindo em check-in com reconhecimento facial. Ou seja: o que antes parecia satisfatório logo passa a ser pouco diante dos avanços.

Em um debate sobre transformação que intermediei entre um banco e uma empresa de prestação de serviços de saúde, o primeiro começou contando como estava usando o WhatsApp, então uma novidade, para criar novos canais de comunicação e atendimento com seus clientes. Quando chegou a vez do representante da empresa de saúde, ele disse que não iria mais falar sobre o que tinha planejado, pois agora ele sabia que tinha um problema a resolver: se o banco estava oferecendo uma experiência melhor de atendimento, o setor dele logo teria que inventar algo semelhante, porque o usuário ficaria mais exigente.

Isso é elevar o patamar. As tecnologias fazem com que a experiência do cliente ocupe um território maior, não ficando mais restrita apenas ao próprio setor. O que uma empresa de outro setor oferece pode tornar-se mandatório para a sua empresa, principalmente se o grupo de clientes atingido for o mesmo.

Mas estou bastante otimista com a evolução digital das empresas brasileiras. O Brasil pode não ter a mesma velocidade e a mesma capacidade de investimento que outros países, mas não costuma ficar atrás por muito tempo. Esse movimento deve conduzir a uma nova TI, que lida com um ambiente mais sofisticado e um ecossistema de parceiros mais amplo, com ainda mais prestadores de serviços especializados. Aos poucos, a separação entre digital e TI vai convergir para uma estrutura unificada. Conforme isso acontecer, veremos a área de tecnologia expandir e aprofundar seu papel estratégico, e certamente novas transformações digitais virão a reboque.

Faço minha estreia por aqui bastante animado, já que as nossas conversas colocarão em evidência aquilo que precisa ser feito para que a transformação floresça, bem como os desdobramentos dessa mudança. É um espaço, inclusive, no qual seu feedback e interlocução serão muito bem-vindos.

Sobre o autor: Com mais de 30 anos de experiência no mundo da estratégia empresarial e da tecnologia, Sérgio Lozinsky é fundador da Lozinsky Consultoria, liderando uma equipe de consultores sêniores que atua na transformação de negócios por meio da tecnologia. É autor de inúmeros artigos e de livros sobre gestão empresarial.

Decisões baseadas em dados - mas quais?

Transformação Digital sem Travas

Decisões baseadas em dados - mas quais?

Embora “data driven” tenha sido palavra de ordem nos últimos anos, a cultura de dados ainda é recente, e precisa responder a algumas perguntas-chave para evoluir

A governança corporativa a serviço do ESG

Transformação Digital sem Travas

A governança corporativa a serviço do ESG

O “G” do ESG pode ser freio para a lucratividade da empresa ou alavanca para um crescimento sólido e responsável do ecossistema. Cabe à liderança definir qual dessas opções se tornará realidade.

Como a tecnologia deve pautar as decisões de M&A em 2024?

Transformação Digital sem Travas

Como a tecnologia deve pautar as decisões de M&A em 2024?

O mercado de fusões e aquisições dá sinais de aquecimento - e, com ele, a TI se estabelece como pilar crítico da etapa de due diligence

A agenda da agenda do CEO em 2024

Transformação Digital sem Travas

A agenda da agenda do CEO em 2024

Relatórios apontam urgência na adoção da IA como prioridade para o principal líder da organização. Mas, no plano no qual os desafios de negócio acontecem, quais são as reais prioridades?

Pontos cegos da gestão orçamentária da TI

Transformação Digital sem Travas

Pontos cegos da gestão orçamentária da TI

Definir e gerenciar orçamentos de tecnologia da informação envolve grandes (e nem sempre óbvios) desafios. Como tornar a gestão orçamentária um componente do posicionamento estratégico da TI?

E se os tempos de retração ameaçarem a transformação da TI e dos negócios?

Transformação Digital sem Travas

E se os tempos de retração ameaçarem a transformação da TI e dos...

Em momentos desafiadores, pode ser necessário reduzir custos e adiar projetos. Mas até quando deve-se segurar os investimentos diante de incertezas que, talvez, continuem por aí?