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Foto: Kelly Sikkema @ Unsplash
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O verdadeiro custo de uma doença mental

Como engenheira, sempre gostei de números. Por muito tempo insisti em calcular o custo das doenças mentais para as empresas. Mas descobri que ele beira o incalculável. 

Por Tatiana Pimenta 27/09/2021

Disclaimer: Este é o meu artigo de estreia aqui no The Shift. Escrever sobre saúde mental e empreendedorismo será um grande presente para mim. Espero trazer conhecimento, reflexões e boas provocações a vocês. 

A pauta de saúde mental tem ganhado destaque nos últimos anos e meses. Seja porque o adoecimento psíquico escalou com a pandemia, ou porque atletas de ponta ampliaram o debate durante as olimpíadas de Tóquio, como foi o caso de Simone Biles.

A ginasta americana surpreendeu a todos ao abandonar a final feminina por equipes e a individual geral. Os elementos estressores da vida de uma atleta de alta performance falaram mais alto: rotina árdua de treinos, ausência de vida social e cobranças intensas por resultados. 

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Não é só no esporte que as doenças mentais comprometem o bom desempenho. O número de pessoas com depressão, transtornos de ansiedade e síndrome de burnout crescem, ano após ano, há mais de uma década. O isolamento social, o luto e o medo excessivo agravaram a situação, afetando todos nós, e consequentemente nossa produtividade..

No Brasil, 576 mil brasileiros foram afastados do mercado de trabalho em 2020. Foi o recorde da curva histórica, que é monitorada pelo INSS desde 2006. Um aumento de quase 30% em relação a 2019 e que promete ser ainda pior em 2021, em função do caos que vivemos.

E, claro, para cada pessoa afastada ou diagnosticada com um transtorno mental, pelo menos um membro da família tem sua capacidade produtiva comprometida, e eu senti isso na pele nesses últimos meses

Perdas e lutos deixam traumas 

Entre julho e agosto deste ano tive a oportunidade de conviver com meus pais por quarenta dias. Meu pai, que aguardava a vacinação para realizar um procedimento oftalmológico, optou por vir até São Paulo, cidade onde eu moro, e realizá-lor por aqui. Assim que soube dos planos, fiquei muito feliz pela possibilidade de tê-los em minha casa por uma temporada. Afinal, colinho de pai e mãe é sempre bem-vindo, não é mesmo?

O que eu não sabia até eles chegarem é que minha mãe, que já sofria com a ansiedade há mais de 20 anos, estava passando por um momento complicado. Logo nos primeiros dias, o primeiro episódio: acordei de madrugada com minha mãe nervosa pensando que estava tendo um infarto. Corremos para o hospital!

Os sintomas do infarto estavam lá, mas nenhum exame deu resultado. Era realmente uma crise de ansiedade. O médico recomendou no ato uma consulta com um psiquiatra, que minha mãe descartou na hora. Ela sempre teve certo preconceito, aquela coisa de que “psiquiatria é para loucos”, e isso fez com que ela nunca buscasse ajuda.

As crises se repetiram e nós fomos para o hospital pelo menos mais 3 vezes, até que eu decidi parar. Me recusei a levá-la ao pronto-socorro pela quarta vez. Estava exausta e até irritada com aquilo. Afirmei que ela não iria morrer, e que o problema dela era com a mente, e só melhoraria com ajuda especializada.

Depois de muito convencimento e até mesmo algumas brigas, ela aceitou minha ajuda. Diagnóstico: transtorno de pânico, hipocondria e transtorno obsessivo compulsivo (TOC). 

Tudo acelerado a um nível extremamente severo depois que vizinhos e amigos faleceram de Covid. O medo de morrer compromete, e muito, o funcionamento do sistema nervoso central. 

Em modo pausa

As primeiras semanas de medicação não foram nada fáceis. Eu, como filha, me senti péssima. Experimentei uma confusão de sentimentos: raiva, medo, insegurança, culpa….  Foram inúmeras noites sem dormir, cuidando da minha mãe. Compromissos perdidos, agendas desmarcadas, choro, angústia e exaustão emocional.

Nas reuniões que consegui participar, sofri e me cobrei pela falta de atenção e foco. Cabeça sempre doendo, cansaço, um olho na tela e um ouvido nas conversas na sala de estar. A atividade física ficou de lado, meus momentos de cuidado também. E-mails se acumularam, as entregas, que sempre foram elevadas, ficaram para depois e senti como que a vida havia entrado em um modo de pausa. 

Eu, que sempre me considerei uma profissional de alta performance, vi minha capacidade produtiva reduzida a quase zero. 

Meus pais já voltaram para o MS. Minha mãe está medicada e em tratamento. No momento que escrevo este artigo ela está indo para a sua quinta sessão de terapia (online) e lutando contra uma doença mental que afeta milhares de brasileiros. Para quem não sabe, o Brasil ocupa o ranking de número 1 em casos de ansiedade no mundo.

Eu, aos pouquinhos, tenho retomado minhas atividades.

O custo de uma doença mental

Como engenheira, sempre gostei de números. Por muito tempo insisti em calcular o custo das doenças mentais para as empresas. Vivo debatendo cálculos de ROI com diversos stakeholders. Mas, quer saber de uma coisa? Descobri que o custo de uma doença mental beira o incalculável. Não faço a menor ideia de quantas reuniões perdi, de quantos negócios deixei de fechar e de quantas pessoas tratei mal (incluindo minha mãe), por estar uma pilha de nervos e sem dormir há dias. 

Imagine o tamanho do impacto de uma equipe inteira exposta a um líder vivendo os sintomas de uma doença mental ou até clientes expostos a um colaborador adoecido ou cuidando de alguém nessa situação o, como foi o meu caso. 

Que tal imaginar uma equipe de vendas, impactada pelo estresse, sem conseguir obter resultados e trazer receita. Ou ainda, seu time de RH, completamente esgotado, por passar noites e noites atrás de UTIs para outros colegas com covid?

O verdadeiro custo de uma doença mental tende ao infinito

Em um cenário onde debatemos tanto a sigla ESG, olhar para sustentabilidade emocional passou a ser crucial para reduzirmos situações como a que eu relatei. Mesmo tendo ajuda especializada (faço terapia há anos), não foi fácil lidar com tudo que passei.

Infelizmente, o preconceito e o estigma impediram minha mãe de começar o cuidado mais cedo. Nós podemos fazer diferente em nossas equipes, começando pela capacitação dos principais líderes. Não precisamos esperar chegar ao fundo do poço. Prevenção sempre será mais barato que o assistencial. Reflitam sobre isso! Como diz uma amiga minha: saúde não tem preço, mas a falta dela custa muito caro. 

De tudo ficou uma reflexão: preciso entender que eu também falho, que sou humana! Preciso aprender que está tudo bem sentir medo, ficar irritada e principalmente aceitar as situações que não consigo mudar. 

Também aprendi uma coisa bem importante que, por coincidência, é o nome desta coluna: é preciso pegar leve na jornada!

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