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POR TRÁS DOS NÚMEROS

O braço da lei da IA da União Europeia atravessa oceanos

A lei da IA que está sendo escrita pela UE há mais de dois anos ganhou um push na semana passada, elevando radicalmente os entraves burocráticos. Pode travar as startups

O Google Bard foi lançado na semana passada para mais de 180 países. Todas as nações da União Europeia ficaram fora desta lista, bem como o Canadá e Hong Kong. O Brasil também está fora, mas nós somos uma história à parte. O motivo da restrição? Muito simples: a estranha regulação que está sendo criada para IA pela UE – o AI Act – que corre o risco de, em breve, tornar-se pioneira em regular a Inteligência Artificial.

Não seria difícil deduzir que o Bard não foi lançado na UE por questões burocráticas, mas nem isso vai ser necessário. O próprio Google deixou claro que irá expandir o alcance da sua IA sendo um bom parceiro dos reguladores.

Curiosamente, essa onda de restrições à tecnologia começou com a Itália, que decidiu banir o ChatGPT com base em regras de copyright e no GDPR (a lei de proteção de dados da UE). Como era de se esperar, a regulação logo chegou à China, que não deixaria de regular as opiniões políticas da IA. O Canadá, que não pode ver um regulamento que já vai logo adotando, também entrou na onda.

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Mas agora a situação ficou bem mais séria. Um grupo de legisladores ligados ao Parlamento Europeu incluiu no documento exigências sobre a IA Generativa que, em alguns pontos, chegam a ser mais radical que a lei chinesa.

Para quem tem paciência, as 144 páginas da lei pode ser acessadas por aqui. Para variar, os burocratas mostraram a sua habilidade de serem prolixos e complexos na sua redação. Confesso que li uma parte ínfima do documento, apenas tentando conferir alguns pontos mais polêmicos do texto original. Pelo que vi até agora, este artigo do Technomancers é o que parece ter feito o melhor resumo dessa burocracia sem fim.

Se o assunto lhe interessa, vale a pena dar uma lida no artigo na sua íntegra. Mas o ponto que me parece mais relevante, está logo no seu início.

Qualquer IA que queira entrar na EU terá que passar por um processo extremamente caro e burocrático de aprovação. Sem consentimento dos burocratas, uma OpenAI da vida poderia ser multada até mesmo por liberar uma API para a Europa. Além disso, desenvolvedores Open Source, de plataformas como GitHub, podem ser responsabilizados caso esses modelos cheguem à UE. No limite, uma startup americana poderia ter problemas na justiça europeia simplesmente por abrir o seu código.

Repare bem. Uma empresa europeia resolve usar um pedaço de código não aprovado (pela UE), criado por uma empresa americana. Quem vai ter problema com isso? A empresa europeia, né? Mas isso faz parte do jogo – mesmo que seja um jogo ruim. O que ninguém esperava é que a empresa americana – ou de qualquer outro lugar do mundo – também será punida, se as regras do AI Act passarem na UE.

Quando o Google diz que está tentando fazer as coisas da forma correta, ele não está dando uma desculpa para não liberar o Bard. Obviamente eles não querem abandonar mercados como Europa, Brasil e Canadá, mas aguardam para avaliar os riscos. Empresas gigantescas como Google podem pagar a conta da burocracia. Além disso, também podem fazer lobby para que a aprovação de seus projetos seja feita de forma mais fácil.

Mas as startups de AI não podem se dar ao luxo de gastar milhões com burocracia e lobby. Dessa forma, podem ficar em uma situação muito delicada. A regulação (ou falta de regulação) para IA em cada país é um problema interno e nada trivial. No entanto, um gigante burocrático como a UA impondo as suas regras para o resto do mundo é algo que está claramente errado e que deveria gerar uma reação diplomática por parte dos outros países.


Rodrigo Fernandes é head de finanças da Pingback, professor da FDC e FIA e referência na análise econômica de negócios inovadores e digitais.

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