Uma revolução está a caminho, impulsionada pelo padrão 5G Broadcast. No Brasil, ela é parte do Projeto TV 3.0, lançado pelo Fórum do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD). E ao menos dois grandes players, de diferentes segmentos desse novo ecossistema, apostam nele: Qualcomm e Rede Globo. A The Shift entrevistou Raymundo Barros, diretor de Estratégia e Tecnologia da Globo, para entender as mudanças que estão por vir, para os espectadores e para o mercado como um todo.
“A velocidade do 5G e a latência ultrabaixa permitirão, de fato, a oferta de experiências integradas broadband-broadcast”, comenta Raymundo. “E essa é uma das grandes vantagens que o 5G Broadband proporcionará”.
A comunicação ganhará maior fluidez e será ainda mais eficiente. Para o público, estamos falando de uma era de conteúdos cada vez mais customizados, flexíveis e interativos. E, na outra ponta dessa cadeia, os anunciantes serão beneficiados com soluções adtech mais robustas para suas estratégias de comunicação.
Em outras palavras, teremos uma TV aberta bem mais interativa, personalizada e convergente, que permitirá a entrega de conteúdo ao consumidor no dispositivo da sua escolha. Com a transmissão feita pelo mesmo duto 5G, a partir das torres de transmissão do sinal de TV Digital existentes hoje.
“A transmissão será broadcast para conteúdos que tenham apelo para dezenas de milhões de pessoas simultaneamente, e broadband, quando o conteúdo for especificamente do seu interesse, inclusive on demand”, comenta executivo. “Você vai ter um Globoplay mais próximo daquilo que você realmente gosta de assistir. Eu outro, e assim por diante”.
Com a comunicação mais fluida, e cada vez mais disponível na nuvem, soluções de inteligência artificial, holografia, realidade virtual e realidade aumentada integrarão esse novo ecossistema, ajudando a promover uma experiência de TV aberta cada vez integrada entre o que está sendo entregue e o que o consumidor realmente deseja.
“O consumidor terá acesso ao que, para ele, é relevante, com curadorias que promovam ofertas mais efetivas de conteúdo, da programação audiovisual até às ofertas publicitárias relacionadas aos seus interesses e hábitos de consumo”, explica Raymundo. “E realmente poderá comprar itens expostos na tela de forma prática e instantânea”, promessa da TV Digital que não se consolidou por completo.
“Algumas soluções ganharão escalabilidade. Estamos falando, por exemplo, de experiências shoppable, modelo “last click to buy”, que entregam para a marca a conversão imediata no ambiente de compras, os famosos carrinhos do e-commerce; comerciais contextualizados, que dependem de um sofisticado sistema de indexação; e ferramentas que aliam o intervalo da TV linear a um push por SMS para a base de clientes da marca, promovendo interação entre oferta publicitária relacionada ao conteúdo que está sendo consumido em tempo real”, completa.
Seguindo o modelo aplicado no universo digital, a segmentação de anúncios na TV aberta, considerando dados como idade, gênero, região e renda, por exemplo, será uma realidade. E a comunicação direcionada garantirá maior efetividade para as marcas.
“É a super customização de publicidade e de conteúdo chegando à TV aberta, a partir do entendimento completo do perfil de cada telespectador, com a sua autorização, porque todas as novas tecnologias pressionaram ainda mais o conceito de privacidade, né?”
Hoje a Globo já está operando, por exemplo, com a segmentação de anúncios através do simulcasting do Globoplay. A evolução do 5G propiciará um rápido avanço do modelo.
A ideia do Fórum SBTVD é escalar este modelo a partir do início do ano que vem. E a Globo está se preparando para ser uma das primeiras a usar o 5G Broadcast, incialmente nas capitais do país. As recomendações e com as especificações técnicas sugeridas para a migração para a TV 3.0 foram divulgadas em 19 de janeiro passado.
Muitas dessas recomendações possibilitarão mudanças também nos processos produtivos. Algumas já começam a estimular a oferta de conteúdos mais imersivos. E isso vale tanto para os programas de entretenimento, quanto para os de esportes e jornalismo. Imagine a possibilidade de exibição simultânea de múltiplos planos de uma cena, ou de um jogo de futebol… A construção de ambientes virtuais nos quais histórias continuem… Metaverso? Por que não?
“Nossos processos produtivos serão melhorados de maneira exponencial”, afirma Raymundo. “Tenho certeza que nosso pessoal de criação, nossos autores e diretores, vão explorar cada milímetro de território que a tecnologia permitir. E ela vai permitir muita coisa.”
Quanto? Ainda não dá para dizer ao certo. O que dá para dizer é que a estratégia da Globo, segundo Raymundo, é ser, do ponto de vista de tecnologia, um player tão relevante quanto qualquer outra empresa de mídia do mundo.
A vantagem competitiva da empresa, segundo o executivo, está na capacidade de gerar relevância para as marcas em múltiplas plataformas ao longo da jornada diária do público: a TV aberta, os canais por assinatura, o streaming e as plataformas digitais. Novas experiências narrativas poderão ser exploradas nesse ecossistema 360°.
As oportunidades são vastas, mas, como em qualquer tecnologia avançada, existem vários desafios a serem enfrentados antes que o potencial do 5G possa ser totalmente realizado.
O 5G Broadcast possibilita que as emissoras forneçam vídeo e outros conteúdos de mídia com mais eficiência para dispositivos móveis e telas de TV.
Se isso soa familiar, é porque é. A indústria sem fio já percorreu esse caminho antes com tecnologias como MediaFLO, LTE Broadcast e DVB-H. Nenhuma dessas tecnologias teve sucesso generalizado. A Qualcomm fechou sua unidade MediaFLO em 2006. A operadora holandesa KPN, que oferecia um serviço DVB-H, cancelou-o em 2011 devido à falta de suporte para aparelhos. E a Verizon, que foi uma das poucas defensoras do LTE Broadcast, encerrou seu serviço de streaming de vídeo go90 em 2018.
No entanto, o 5G Broadcast, que faz parte do padrão 3GPP Release 16, tem algumas diferenças importantes. Por um lado, não depende das operadoras sem fio serem as únicas fornecedoras da tecnologia. Em vez disso, outros provedores, como empresas de mídia ou emissoras, podem operar suas próprias redes independentemente da operadora sem fio usando torres de transmissão existentes e espectro de transmissão na banda UHF, que as emissoras normalmente possuem ou têm acesso. Os usuários finais poderão visualizar esse conteúdo por meio de smartphones ou outros dispositivos, como uma televisão ou um tablet.
“As tentativas anteriores tentaram transformar a operadora em uma emissora”, disse Lorenzo Cassaccia, vice-presidente de padrões técnicos da Qualcomm ao site LightReading . “Isso só funcionou em alguns países onde a operadora de celular tinha o direito de transmitir coisas como eventos esportivos ao vivo.”
O 5G Broadcast deve ser comparado a padrões competitivos como os do Advanced Television Systems Committee (ATSC) nos EUA ou o Digital Video Broadcasting (DVB) na Europa. Uma das razões pelas quais o 3GPP tornou o padrão 5G Broadcast aplicável a emissoras e empresas de mídia foi porque queria ter certeza de que essa era uma solução que fosse adotável e que houvesse interesse do mercado.
A solução é construída sobre o conjunto de recursos 3GPP Rel-16, operando em Modo Somente Receber (ROM), Free-To-Air (FTA) e sem a necessidade de um cartão SIM (recepção sem SIM). O modo dedicado 5G Broadcast funciona com uma infraestrutura de transmissão autônoma High Power High Tower (HPHT) enquanto opera na banda UHF existente (ou seja, 470 a 698 MHz) que as emissoras já possuem ou têm acesso.
Portanto, a transmissão autônoma 5G é uma rede dedicada somente de transmissão (que é independente das redes celulares) que pode dar às emissoras e provedores de conteúdo a capacidade de fornecer entrega de conteúdo para dispositivos fixos e móveis.
“Estamos falando de uma grande célula 5G, única, que cobre a cidade inteira, a região metropolitana inteira”, completa Raymundo Ramos. “Estamos falando da TV Digital terrestre se beneficiando da mesma pilha tecnológica do 5G”.
Em Barcelona, durante o Mobile World Congresss desse ano, a Qualcomm fez uma demonstração completa de transmissão ao vivo 5G Broadcast, de ponta a ponta.
“É um momento de ruptura”, diz Ramos. “Na indústria de mídia as transformações sempre estiviram muito na qualidade da experiência, né? Qualidade da imagem, qualidade do vídeo, da maneira como entregamos o conteúdo. Mas olhando para o negócio de televisão, os modelos de negócios de TV continuaram analógicos desde a década de 50. O salto para o 5G vai mudar isso.”
Por quê? Segundo o executivo, por abrir a oportunidade, aqui no Brasil, que ainda tem uma TV aberta muito relevante, de experimentar novos modelos de negócios mais próximos do broadband, do streaming, das transmissões multicast.
“O que nós temos trabalhado muito aqui na Globo é a construção dessa experiência fluida entre o consumo de conteúdo que é entregue pelo ambiente broadband internet e pelo que é entregue pelo broadcast, de tal maneira que você, em casa, sequer perceba por onde esse conteúdo está chegando. Já temos milhares de televisores capazes de prover essas experiências. São os televisores, nos quais o Globoplay já está presente.
O que interessa é que o conteúdo te encontra, dentro do teu contexto de consumo, com uma oferta absolutamente personalizada. Então você passa a ter uma TV aberta que conta com métricas de modelos de negócio tipicamente digitais. E com uma grande vantagem, a partir do 5G: em larga escala.
Essa é que é a grande diferença. O 5G chega para colocar este ‘em escala’ em letras maiúsculas, por também colocar ‘banda larga’em letras garrafais! O que, por si só, já é uma super vantagem para quem está buscando uma experiência híbrida, como é o nosso caso. O 5G acaba para todo o sempre com a separação histórica dos modelos broadcast e digitais. Tanto do que no que diz respeito à qualidade da experiência e nas formas como a gente sempre mediu o negócio, quanto, principalmente, no que diz respeito às experiências e aos modelos de negócio”.
Bom, para que tudo isso aconteça, os dispositivo precisarão de um chipset compatível com 5G Broadcast, segmento disputado pela Qualcomm, entre outras empresas.
Um desafio identificado por nossos especialistas foi a necessidade de enfatizar o valor do 5G Broadcast sobre tecnologias alternativas, como unicast, para operadoras de rede, provedores de serviços e desenvolvedores de aplicativos.
Uma diferença fundamental é que, enquanto a maioria das comunicações móveis e de internet são ‘um para um’, a transmissão 5G é ‘um para muitos’; ele pega um único fluxo e o envia para vários usuários. Todos recebem o mesmo conteúdo ao mesmo tempo, neste caso, para um celular ou uma smart TV.
As operadoras móveis podem usar seu espectro escasso de forma mais eficiente com serviços de transmissão/multicast de um para muitos, ao contrário do unicast atual. O 5G Broadcast é capaz de suportar dispositivos sem SIM, expandindo assim a gama de usuários finais suportados.
“Estamos falando de um ambiente cada vez mais convergente do ponto de vista da experiência de consumo”, reafima Raymundo. “De utilizando o stack 5G para chegar no consumidor, permitindo uma hiperdigitalização, sem os gargalos de banda que a gente sabe que a gente tem hoje. Reconhecendo, claro, que tudo isso estará disponível primeiro nos grandes centros urbanos, Depois, seguirá o caminho da interiorização, como aconteceu com o 4G, do lado do broadband e com a TV Digital, do lado broadcast.
Temos ainda de 10% a 15% de brasileiros que não recebem o sinal de TV Digita. A gente segue nesse processo de universsalização do acesso. As tecnologias hoje não têm mais tempo de serem universalizadas antes de já serem desafiadas pela próxima geração, né? Tudo acontece mais rápido, de forma mais intensa.
A Globo estará pronta para escalar este modelo 5G Broadband a partir do início do ano que vem, e aí, naturalmente, quando o 5G começa a ser lançado nas grandes capitais, começaremos a poder usufruir também das vantagens das residências com conexões mais robustas.”
“O 5G também trará pra gente um caminhão de oportunidades no ambiente de produção de conteúdo”, comenta Raymundo. “Você viu, ao longo da pandemia, séries de sucesso sendo produzidas integralmente das casas das pessoas. O ‘Diário de um confinado’ é um exemplo. Foi um produto totalmente produzido utilizando a nuvem pública, com imensas dificuldades de conexão, que o 5G vai superar.
A cobertura da Olimpíada da China também foi totalmente produzida na nuvem pública. Então, todos os sinais da China vieram para cá através do nosso acordo com o Google Cloud. Todo o processo produtivo foi feito dessa forma, com 5G no fundo, né? É esse o mundo que a gente tem hoje.
Desde abril do ano passado, a Globo já vem experimentando como a tecnologia de nuvem pode transformar seus negócios.
“Nas transmissões esportivas, por exemplo, não há mais a necessidade de a equipe (narrador, comentarista e profissionais de câmera, além da unidade móvel) estar in loco. Agora, tudo pode ser feito de forma 100% remota nas instalações da Globo”, diz Raymundo. “Foi exatamente o que aconteceu na cobertura dos Jogos Olímpicos de Inverno, realizados em Pequim. As vantagens neste tipo de operação são enormes, gerando mais eficiência com a otimização dos recursos técnicos e alta qualidade para a audiência.
A meta da emissora é migrar 100% dos centros de dados para a nuvem do Google, o que vai permitir maior escala na produção e distribuição de mídia.”
“Nossos processos produtivos vão ser melhorados de maneira exponencial, dada a superconectividade do 5G. Imagina quando o 5G estiver no Pantanal. Passamos 5 meses lá gravando a novela. Tive que montar links de satélite, uma infraestrutura super sofisticada para conectar o Pantanal com os estúdios da Globo. Com o 5G a gente vai fazer isso de maneira muito natural.
No Jornalismo nossos profissionais já entram ao vivo, hoje, de suas próprias casas, via banda larga fixa. Vai ser possível fazer de qualquer lugar”, ressalta Raymundo.
O 5G Broadcast pode desbloquear experiências para criar uma dimensão inovadora e emocionante para eventos gravados ou ao vivo que não apenas melhorarão a experiência do cliente, mas também aumentarão os canais de engajamento.
“Estamos abrindo uma porta para um mundo novo, para contar histórias de formas completamente diferenciadas, com caapturas de imagens em múltiplos planos, a possibilidade de construção de ambientes virtuais nos quais as histórias se desenrolarão por onde você quiser que ela siga não. E aí é siga não pelo storytelling, mas até pelo próprio olhar do telespectador”, explica Raymundo.
“Aquilo que hoje você faz nos ambientes de games, você poderá fazer na TV aberta. Quem sabe, eu provavelmente já estarei é vendo isso do outro lado da tela, né? Mas é o que a gente consegue vislumbrar daqui. A possibilidade de você poder ter conteúdos dramatúrgicos de altíssima qualidade. Muito próxima da que já temos hoje nos videogames, onde caminhamos pela história do em múltiplos planos e por muitos caminhos. Isso será possível graças a integração da ampliação da capacidade de processamento com a conectividade que a gente passa a ter. A verdade é que o espaço para a criatividade se amplia enormemente.
É para isso que a tecnologia serve. Estamos falando de light field e muitas tecnologias disruptivas, que têm o seu uso hoje muito limitado. Vai dar para destravar muita coisa. Aqui aa gente gosta de explorara, né? Já estamos experimentando produção para o metaverso. Vamos falhar, errar, quebrar a cara, mas não podemos deixar de explorar um terreno novo.”
“Esse tema da regulação não é bem o meu espaço aqui, mas indiscutivelmente existe uma assimetria regulatória imensa entre o mundo digital e o mundo da radiodifusão, né?”, diz o executivo.
“Ambos utilizam um bem público, que é o espectro. Mas o ambiente digital é menos regulado, por inúmeras razões. Grandes plataformas que construíram um império em torno desse Velho Oeste, né? Chegaram lá primeiro, como pioneiros, e conquistaram um território que muitos hoje defendem que precisa ser regulado.
E não estou falando do conceito de internet neutra não. O conceito da internet neutra é um bem da humanidade, né? A gente está vendo o quanto é importante no momento como esse que a gente está vivendo, de guerra. A internet tem permitido que a gente possa acompanhar o que está acontecendo. Que as pessoas tenham voz, né? Então, é fundamental ter uma internet neutra.
No caso do 5G e do 5G Broadcast, a Anatel e o Ministério das Comunicações estão definindo como regular. Será necessáriaa uma reordenação do espectro existente para permitir que tudo isso aconteça? Nos Estados Unidos, não foi necessário. Dá para gerar mais valor para o consumidor utilizando o mesmo espectro?”
A princípio, a julgar pelos trabalhos do Fórum SBTVD, parece que sim.
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