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Raquel Cardamone, CEO e founder da GovTech Bright Cities Foto: Divulgação
ENTREVISTA

Um marketplace de ideias e tecnologia para cidades inteligentes

A empreendedora Rachel Cardamone, CEO da Bright Cities, faz o matchmaking entre a inteligência de dados e as inovações tecnológicas para apoiar prefeitos brasileiros na jornada de transformação digital das cidades

Por Silvia Bassi 05/03/2021

A campineira Raquel Cardamone é apaixonada pela gestão pública. E acredita que a tecnologia, aliada à ciência de dados, pode mudar a vida das cidades. Temas como mobilidade urbana, por exemplo, são um dos seus assuntos prediletos. E foi a partir de uma pesquisa sobre mobilidade que começaram a brotar em 2015 os conceitos que levaram ao lançamento em 2018 da startup Bright Cities, uma GovTech que criou um marketplace para fazer o matchmaking entre soluções tecnológicas e os desafios das prefeituras usando o algoritmo para diagnosticar os problemas de cada cidade.

“Percebemos que é importante realizar diagnósticos das cidades para poder então priorizar as soluções disponíveis. Não adianta apenas mapear e apresentar tudo o que existe. O orçamento das cidades é limitado, e por isso é necessário ajudar o gestor público a priorizar”, explica.

O coração da Bright Cities está em uma imensa base de dados (públicos e próprios) que são analisados e cruzados para primeiro identificar os desafios urbanos de cada gestor e depois oferecer um mapa de soluções possíveis. As cidades do mundo todo que utilizam tecnologias para serem mais “smart” estão mapeadas na plataforma, e servem de benchmark para os prefeitos que a visitam em busca de ideias.

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O diagnóstico utiliza 160 indicadores que estão alinhados aos 17 objetivos globais de desenvolvimento sustentável da ONU. “Tangibilizamos os objetivos da ONU para o gestor público, para que ele possa de forma concreta buscar alcançar esses objetivos em escala municipal de maneira mais assertiva”, explica Raquel.

Confira a íntegra da conversa abaixo.

“Disrupção é…

…resolver problemas de uma forma diferente do que se vem fazendo para obter um resultado melhor. O Airbnb e o Uber são exemplos de disrupção nas cidades vindos do setor privado. A própria Bright Cities é uma plataforma que eu considero disruptiva, porque entrega diagnósticos que já eram feitos sobre cidades mas de uma forma mais inovadora.

Fundamos a startup em maio de 2018 como um spin off da consultoria Bright Consulting e lançamos a plataforma em novembro de 2018 na Feira de Barcelona como a única empresa brasileira a ter presença no evento. Captamos dois investimentos-anjo em 2018 e 2020. Mas minha relação com o tema vem desde 2015.

Sempre quis entender como usar tecnologia e inovação para acelerar a transformação digital das cidades e do setor público. Sou apaixonada por gestão pública.

Isso vem da minha família, que tem pessoas que participavam da política para entender formas de se viver melhor nas cidades. Vem de berço, então, uma vontade por influenciar e melhorar os serviços públicos.

Em 2015, trabalhava em uma consultoria que dava subsídios de informações para o setor automobilístico e eu aprendia muito sobre mobilidade urbana. Estudando o tema, eu me deparei com o conceito de networked cities por meio de um paper sobre a aplicação de tecnologia nas cidades. Depois, virei pesquisadora na Unicamp em Engenharia Elétrica para estudar o conceito de Smart Cities, focando em como a tecnologia pode ser disruptiva na gestão pública.

Iniciamos um projeto na consultoria e foi então que conheci a Smart City Expo, em Barcelona, que é a maior feira do mundo sobre o tema. Ela reúne os principais líderes de cidades e as principais soluções tecnológicas. É um encontro entre os problemas urbanos atuais e as tecnologias que existem. Uma frente nacional de prefeituras brasileiras participou do evento, mas era pequena: de cinco mil municípios brasileiros, estavam presentes cerca de 15 prefeitos. Naquela época, havia algumas soluções que estavam em alta no mundo. Para citar um exemplo, diversas cidades globais estavam usando sensores de estacionamento inteligente, para fazer a gestão das vagas nas cidades. Só que no contexto e momento das cidades brasileiras, existiam outras prioridades.

Pensamos então em trazer toda a informação da feira para cá, para que ficasse acessível a todos os municípios. Criamos uma plataforma digital com todas as tecnologias que foram apresentadas na feira de Barcelona, montando um marketplace de soluções. Mapeamos as soluções tecnológicas, bem como as boas práticas de gestão da inovação, e colocamos tudo isso dentro da plataforma. Hoje, são mais de mil soluções mapeadas em dez áreas diferentes, que são: educação, saúde, segurança, meio-ambiente, urbanismo, mobilidade, energia, governança, tecnologia & inovação e empreendedorismo.

Percebemos que seria muito relevante realizar diagnósticos das cidades para poder então priorizar as soluções disponíveis. Não adianta apenas mapear e apresentar tudo o que existe. O orçamento das cidades é limitado, e por isso era necessário ajudar o gestor público a priorizar.

Foi aí que nós desenvolvemos a plataforma mais completa, que primeiro dá o diagnóstico e depois apresenta o mapa de soluções. O diagnóstico é gerado com base em dados oficiais que coletamos e uma lista de 160 indicadores padronizados globalmente. Esses indicadores estão alinhados aos 17 objetivos globais de desenvolvimento sustentável da ONU. Conseguimos mensurar como cada cidade está em relação a estes objetivos, portanto tangibilizamos ainda mais os objetivos da ONU para o gestor. É uma ferramenta para que o gestor público possa de forma concreta buscar alcançar esses objetivos em escala municipal de maneira mais assertiva. Quando um gestor público está passando por um desafio, ele pode entrar na plataforma e ver quais soluções estão sendo usadas em outras cidades. Isso já facilita muito o trabalho dele. Nem sempre é falta de vontade dos gestores, é falta de informação.

Por que nós somos diferentes? Porque criamos uma plataforma tecnológica que consegue ser mais rápida e acessível para as cidades e, principalmente, que conecta o diagnóstico às soluções. Esse é o nosso grande diferencial.

Fizemos a plataforma para ser escalável. É gratuito o acesso das cidades à plataforma, com o diagnóstico base e as soluções do marketplace. Um diagnóstico detalhado por indicador é acessado só por quem tem uma assinatura paga da plataforma. Essa é a monetização da plataforma. O cadastro de soluções para Smart Cities também é gratuito na plataforma. Temos um modelo de assinatura em que os fornecedores podem ir além e ver um mapa de cidades com mais potencial de se tornarem clientes.

Não somos uma consultoria, porque o gestor público realiza toda a jornada de descoberta por meio da nossa tecnologia. Mas o resultado acaba sendo uma solução personalizada. O time de dados da Bright Cities dá suporte para que os clientes se aprofundem melhor nos indicadores que são prioridades para eles. É um modelo SaaS, que também conta com um apoio técnico. Atendemos cidades que não tinham nenhum plano de Smart City, mas também algumas que já tinham, como Aracajú. Neste caso, recomendamos soluções que se encaixam com o plano do gestor.

Nem sempre estamos falando de soluções tecnológicas. Às vezes, a melhor resolução é simplesmente um processo diferente que gera impacto positivo.

Hoje, a plataforma não é focada apenas no gestor público, mas para qualquer organização que tenha interesse no diagnóstico e desenvolvimento das cidades. Temos clientes como bancos de fomento, empresas da área de energia, grupos empresariais, entre outros. O acesso padrão é de um ano de duração, porque não é só uma “foto” dos indicadores de uma cidade em um momento, mas entender ao longo do tempo se aqueles indicadores estão melhorando ou não. A ideia é que seja uma ferramenta constante de gestão e acompanhamento das cidades.

Porque a inovação é contínua. Vou voltar ao exemplo dos estacionamentos: antigamente era preciso perfurar a vaga para colocar um sensor, além de uma câmera e um software que recebe as informações. Era inviável para muitas cidades por uma questão de custo, que passava de 200 euros por vaga. Porém, à medida em que os anos foram passando, novas tecnologias foram desenvolvidas. Hoje, não são mais necessários tantos dispositivos. Uma única câmera consegue identificar com precisão se há carros em dezenas de vagas. O custo ficou muito menor para as prefeituras, ficou muito mais acessível, e todos os dias são desenvolvidas novas soluções, melhores e mais baratas.

Para facilitar a gestão das cidades, uma das ideias é pensar no celular que toda pessoa carrega como um sensor. As pessoas passam a ter participação ativa na transformação digital do município onde ele mora. É a colaboração entre o cidadão e a cidade.

Já existem aplicativos, como o Colab, que é uma rede social geolocalizada em que os usuários publicam fotos de um buraco na rua ou uma lâmpada quebrada, por exemplo, e essa informação vai direto para a prefeitura. Sistemas integrados ajudam a organizar o atendimento às necessidades da população.

Outro exemplo que eu gosto bastante é o PulsePoint: um aplicativo dos EUA que auxilia no atendimento de primeiros socorros a pessoas que sofrem ataques cardíacos. Como é muito difícil diminuir o tempo de chegada das ambulâncias, o app promove o treinamento do cidadão comum em primeiros socorros. Quando um incidente acontece e é reportado no aplicativo, ao mesmo tempo em que a emergência é acionada, as pessoas mais próximas por geolocalização que tiverem o treinamento realizado também serão chamadas ao local. Provavelmente, elas vão chegar antes e ajudar na emergência. É uma solução colaborativa e de custo muito baixo para as prefeituras. Esse é o tipo de inovação que queremos e que pode fazer uma gestão ser mais eficiente, com mais qualidade de vida para as pessoas.

A transformação digital está sendo muito acelerada e mostrou a importância da inovação e tecnologia nas cidades.

A pandemia foi ruim para todo mundo, e ela acelerou a necessidade de repensar as cidades. Os serviços que não eram digitalizados tiveram que parar, enquanto as cidades que já tinham digitalizado os serviços continuaram atendendo o cidadão. Quem tinha um sistema digitalizado de saúde, por exemplo, sofreu bem menos.

Em março de 2020, fizemos um estudo focado em indicadores da área da saúde, principalmente focado no número de leitos, que já era um indicador mensurado na plataforma. Havia uma recomendação da OMS, de antes da pandemia, de que cada cidade tivesse, no mínimo, de um a três leitos para cada 10 mil habitantes. Fizemos uma análise de quais municípios no Brasil chegavam a esse nível mínimo no início da Covid-19 no país. Identificamos que apenas 12% das cidades apresentavam um índice dentro deste padrão. Essa informação foi distribuída de forma gratuita para todos os municípios para que eles se planejassem melhor. Além disso, mapeamos na plataforma mais de vinte soluções de Smart Cities que ajudam a mitigar os impactos negativos do coronavírus, inclusive soluções gratuitas como o Google Classroom por exemplo.

A Bright Cities foi lançada para ser global. A plataforma está totalmente em inglês e português, e a próxima língua será o espanhol.

Claro que temos um foco de mercado, hoje atendemos em maioria cidades do Brasil, mas também temos clientes em outros lugares do mundo. Temos um projeto nos EUA com a organização Living Cities, analisando as 500 maiores cidades dos EUA. Já fizemos também um diagnóstico voltado ao meio-ambiente, em especial na questão climática, para Riade, a capital da Arábia Saudita.

A nova era das cidades traz as inovações da Indústria 4.0, do mercado, para as cidades. É a chamada Cidade 4.0. Estamos presenciando uma oportunidade grande de transformação.

O primeiro desafio para a cidade 4.0 é o ponto de partida em si, muitos gestores não sabem por onde começar. A Bright Cities, com o diagnóstico e o mapeamento das soluções, ajuda nesse primeiro passo.

O segundo desafio é a dificuldade de execução. Existe uma burocracia muito grande nos processos licitatórios. O modelo de gestão não contempla a inovação como deveria. A absorção da tecnologia é um grande impasse no formato atual. Isso está mudando, inclusive com o Marco Legal das Startups, que permite a contratação mais rápida de inovação dessas empresas. Só que também tem a dificuldade de financiamento, de orçamento das cidades para pagar todas as soluções de que precisam. Requer uma organização financeira das cidades, do conhecimento das fontes disponíveis para financiamento de projetos públicos.

O maior desafio para a análise de dados no contexto das cidades é a consolidação, a integração desses dados. As secretarias hoje trabalham de forma descentralizada, isolada. A informação do meio-ambiente não conversa com a da área de energia. Algumas responsabilidades são municipais, outras estaduais. Isso prejudica a questão da análise de dados.

Por isso, a Bright Cities tem a visão audaciosa de unir todos os bancos de dados ao fazer o diagnóstico. É um desafio, mas decisões baseadas em uma leitura unificada dos dados são melhores.

Há um caminho muito grande a percorrer no Brasil e no mundo, mas já há uma tendência de Open Data, da divulgação aberta de todos os dados dos municípios. No longo-prazo, é muito mais barato digitalizar serviços ao cidadão do que manter uma estrutura para atendimento presencial de toda a população.

Você não consegue melhorar aquilo que não consegue mensurar. É essencial, por exemplo, medir o tempo para realização de cada serviço depois que o cidadão abre um chamado. Assim, a prefeitura consegue saber se o serviço de poda de árvores está sendo bem-feito ou se é uma prioridade para investir em soluções novas, por exemplo. No fim das contas, ter esses dados não só melhora a vida das pessoas como também traz redução de custo à gestão pública”.

 

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