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INOVAÇÃO

Startups de cannabis começam a florescer no mercado brasileiro

Novos negócios enfrentam desafios de regulação e desinformação, mas contam com apoio da aceleradora The Green Hub para se desenvolverem

Por João Ortega 04/05/2021

Para que a indústria do cannabis torne-se relevante no Brasil, é necessária uma disrupção da mentalidade coletiva a respeito da planta. Um ecossistema insurgente em torno de inovações no mercado do cannabis, com foco no uso medicinal de canabinoides (CBD), lidera o movimento de quebrar tabus e preconceitos sobre o tema.

A aceleradora The Green Hub é parte ativa desta mobilização. A organização realiza eventos para debater os usos da planta no mercado e busca desmistificar a visão vigente com dados e informação de qualidade.

A The Green Hub surgiu em 2017 com a missão de desenvolver e fomentar o mercado canábico, ampliando a discussão para diferentes indústrias. Ela agrega startups do setor em um hub físico na cidade de São Paulo, em que parte das empresas são construídas do zero (Venture Builder), parte é acelerada com investimento em equity e um terceiro grupo é incubado, sem participação direta.

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Segundo Alex Lucena, diretor de inovação do The Green Hub, a aceleradora recebe projetos inovadores em diferentes setores de atuação. “Cannabis é uma commodity agrícola. Recebemos startups que vêm do mundo agro, um ecossistema de tecnologia que é uma potência no Brasil”, destaca, em entrevista exclusiva à The Shift. “Temos uma outra parte das startups, altamente sofisticada, que é a área de biotech. E, também, startups de comunicação e educação para este tema, como aplicativos e marketplaces que ajudam as pessoas a ter mais informações sobre o mercado e fazem a ponte entre quem precisa e quem vende os medicamentos à base de CBD”.

O primeiro projeto que surgiu dentro do The Green Hub foi o Centro de Excelência Canabinoide (CEC). Trata-se de uma rede de clínicas que ajuda pacientes no acesso a medicamentos com CBD com um processo humanizado e de acolhimento, em especial para casos de saúde mental. Hoje, já são nove startups no portfólio, dentre as quais estão:

  • CannaPag: conta PJ e soluções de pagamentos para empresas do mercado de cannabis
  • Jamba Estúdios: hub de conteúdo artístico sobre o cannabis
  • Scirama: biotech que desenvolve soluções de psicoterapia baseada em psicodélicos para tratar a saúde mental, fundada pelo cientista Stevens Rehen
  • Adwa Cannabis: biotech de melhoramento genético para sementes de cannabis
  • Rubian Extratos: extração de bioativos para uso em cosméticos, alimentos e nutracêuticos
  • The Dogons: startup de pesquisa e desenvolvimento de probióticos com infusão de CBD
  • Kaneh Bosm Genes: agrotech que promove um sistema sustentável de aquaponia para cultivo de cannabis e extração de óleos

O apoio oferecido pela The Green Hub tem o papel, também, de evitar a fuga de talentos para outros países onde o mercado do cannabis é mais maduro. “As restrições impostas pela legislação brasileira, além de fazerem com que empreendedores busquem melhores oportunidades fora das nossas fronteiras, também afastam investidores”, diz o empreendedor brasileiro João Paulo Costa, que fundou as startups Who is Happy e Ganja Talks, respectivamente nos EUA e no Canadá, à Revista Gama.

Há, claro, exemplos de startups que nasceram e ficaram no Brasil, e não estão no portfólio da aceleradora The Green Hub. São os casos da biotech Entourage Phytolab, da healthtech Proprium e da plataforma 4SocialMeds.

Disrupção do tabu

Segundo Alex Lucena, a grande disrupção para a indústria canábica aconteceu nos anos 1990 com a descoberta do sistema endocanabinoide nos humanos. Ele é formado por receptores que se conectam aos canabinoides da planta, gerando reações diversas, em geral ligadas ao alívio da dor e relaxamento.

Agora, a nova disrupção passa por levar essa informação aos médicos, segundo Viviane Sedola, CEO e fundadora da startup Dr. Cannabis. “O verdadeiro processo disruptivo é fazer o médico entender o sistema endocanabinoide, porque ele não estuda isso na faculdade”, diz a especialista, cuja plataforma ajuda profissionais da saúde e pacientes no acesso a remédios com CBD.

“Não dá para prescrever cannabis medicinal como se prescreve um remédio de dor de cabeça. Há uma dosagem específica para cada pessoa, porque cada sistema endocanabinoide é único. Isso exige do médico uma relação mais próxima com o paciente, de acompanhamento para entender os efeitos e ir ajustando, e essa é uma relação muito mais parecida com a homeopatia do que com a alopatia”, explica Viviane Sedola.

Entre a população, também existe um movimento que entende o potencial positivo do cannabis na saúde. Uma consulta pública realizada pelo Senado mostrou que 57% dos participantes são a favor da legalização, sendo 48% para uso medicinal e 9% para uso recreativo.

Nos EUA, em que mais da metade dos estados legalizou inclusive o uso recreativo da planta, a conscientização está bem mais avançada. Nove em cada dez adultos são a favor da legalização, sendo 60% para uso tanto medicinal quanto recreativo, e 31% apenas para fins medicinais.

A dinâmica se repete quando o olhar é voltado para as pesquisas científicas. Desde 2008, foram publicados nos EUA mais de 11 mil artigos sobre cannabis. Em segundo lugar está o Canadá (1748), e em terceiro a Inglaterra (1699). O Brasil publicou, no período, 592 trabalhos. Os dados são do estudo Pesquisa, Inovação e Tendências de Mercado, realizado pelo The Green Hub.

É curioso que, ao ampliar o período de análise, o Brasil tenha a instituição com mais publicações sobre CBD no mundo. Desde 1940, a Universidade de São Paulo foi quem mais pesquisou o tema, com 1167 artigos publicados.

Mercado de cannabis

O mercado global de cannabis legal é estimado para atingir US$ 103,9 bilhões (60% medicinal e 40% recreativo, não conta uso industrial) em 2024. Os EUA, Canadá e Europa deverão ter a maior parte desse bolo. Os países asiáticos ainda estarão para trás, dado que a cannabis continua sendo em grande parte uma mercadoria ilegal. Já a América Latina deve responder por US$ 9,1 bilhões em 2024.

Só nos EUA, este setor é responsável por 243 mil empregos diretos, segundo dados do ano passado. O mercado de trabalho cresceu 15% entre 2019 e 2020. e a expectativa é que continuem surgindo novas oportunidades.

A indústria farmacêutica lidera o segmento. No entanto, a cannabis está cada vez mais encontrando usos em bens de consumo como cosméticos, alimentos, bebidas, têxteis, tabaco, materiais de construção, entre outros. O cânhamo, que é uma variação da planta sem THC, tem barreiras regulatórias mais baixas em alguns países e se destaca nas indústrias de bens de consumo.

“Regulação é um entrave claro”, analisa Alex Lucena. “Hoje, o mercado está restrito ao uso medicinal e, mesmo neste caso, ainda é um remédio para elites, pois é tudo importado. Existe uma legislação parada há mais de um ano no congresso, a PL399, que permitiria o plantio do cânhamo para uso industrial. Uso recreativo, no Brasil, é uma conversa bem distante, fora da pauta”.

Mesmo nos países onde a marijuana é liberada, a regulação e a desconfiança continuam criando desafios para o mercado. Nos EUA, instituições financeiras estão receosas em financiar negócios da indústria canábica. Isto porque ainda existem diversas questões de compliance, descritas na regulação, que tornam o investimento um risco.

No Canadá, por exemplo, a grande maioria dos produtores está no prejuízo dois anos e meio após a legalização. Segundo o New York Times, a Canopy Growth, maior produtora do país, perdeu 1,2 bilhão de dólares canadenses, ou cerca de US$ 950 milhões, nos últimos nove meses. Milhares foram demitidos. Grandes produtores se fundiram para buscar uma alternativa lucrativa no volume, mas ainda assim muitas estufas foram permanentemente desativadas.

De acordo com a consultoria Kearney, o setor será consolidado e ultrapassará as barreiras econômicas e regulatórias conforme a entrada de empresas gigantes. “Ainda há muita incerteza em torno do produto, sua eficácia e todos os tipos de elementos diferentes do uso do CBD. Em última análise, a educação do consumidor não estará lá completamente até que vejamos algumas dessas marcas maiores e mais conhecidas começarem a mergulhar na água”, diz Katie Thomas, executiva da consultoria. A The Green Hub, por exemplo, conta com o apoio da farmacêutica alemã Merck.

Na lista Fortune 500, das 500 empresas que mais faturam no mundo, 12 investem no mercado de cannabis. São elas: American Eagle Outfitters, Church & Dwight, CVS Health, Dick’s Sporting Goods, Colgate-Palmolive, Levi Strauss, Urban Outfitters, Ralph Lauren, Nordstorm, Pepsico, International Flavors and Fragrances e Abercrombie & Fitch.

Comunicando a disrupção

Entrevista

Comunicando a disrupção

Viviane Sedola é CEO e fundadora da Dr. Cannabis, um marketplace disruptor que conecta médicos, pacientes e empresas importadoras para facilitar o acesso e ajudar nos processos burocráticos ligados à cannabis medicinal.

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