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Unsplash/ Thomas Serer
INOVAÇÃO

Sportstech: desafios travam o crescimento do ecossistema brasileiro

O segmento de sportstech tem grande potencial, mas ainda está em estágio inicial no Brasil e foi afetado pela pandemia

Quem acompanhou os Jogos Olímpicos de Tóquio pôde perceber a quantidade de tecnologia presente no evento, desde equipamentos que são considerados doping tecnológico até na transmissão das competições. A presença de tecnologia, diante e atrás das câmeras, só vai crescer daqui para frente — um movimento que abre portas para as startups. As sportstechs fazem parte do ecossistema que traz inovação para as atividades esportivas, mas assim como ser atleta no Brasil não é fácil, empreender no setor também tem diversos desafios.

Por enquanto, o ecossistema de startups brasileiras voltadas para o esporte ainda está em um estágio inicial. Segundo o mapeamento da Liga Ventures, o Brasil possui 106 startups do tipo, mas o número já foi maior: em 2020, a instituição indicava a existência de 135 sportstechs no país. Um dos motivos para a redução é a pandemia, que cortou o investimento no setor esportivo.

“O segmento de esporte foi muito impactado pela pandemia. Algumas startups deixaram de ser ativas e outras surgiram, mas o balanço foi negativo. Além disso, a metodologia avançou entre um mapa e outro”, afirma Raphael Augusto, diretor de inteligência de negócios da Liga Ventures. Ainda existe a expectativa de que o número de empresas mapeadas suba com a indicação de novas sportstechs para o mapeamento.

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As sportstechs são as startups voltadas para o esporte, mas a determinação do que entra nesse grupo não é fixa. Há quem acredite que apenas as soluções focadas em modalidades esportivas podem receber essa nomeação. Em uma abordagem mais abrangente, o unicórnio brasileiro de academias Gympass é considerado uma sportstech. Ainda existe a visão que inclui as soluções para o E-sport e entretenimento dentro do ecossistema.

As barreiras são pouco definidas, mas é nas áreas de confluência entre os ecossistemas que se encontram mais soluções e investimento. Com 17 startups, o segmento de Gestão de Jogos, Torneios e Eventos tem o maior número de empresas, segundo o relatório da Liga. Em seguida vem o nicho de Gestão de Treino e Exercício (14) e de Serviços Esportivos (12).

“Pelo próprio tamanho do mercado faz mais sentido ter uma consideração mais genérica do setor porque, assim, se tem um potencial maior e isso justifica mais investimento. Pelo fato de estarmos no comecinho do ecossistema, as soluções são mais incipientes e se focar demais vai ser mais difícil encontrar investimentos, fundos específicos”, explica o presidente da Associação Brasileira de Startups, Felipe Matos.

Sem a realização de eventos esportivos presenciais, consequência do isolamento social durante meses no país, o esporte teve que se reinventar, o que abriu oportunidades para algumas empresas e acabou com a demanda para outras.

Na visão de Fernando Patara, cofundador do Arena Hub, um centro de inovação para o esporte, a barreira de entrada das sportstechs no mercado diminuiu porque os clubes tiveram que se readequar para ter receita mesmo com a suspensão dos eventos e até melhorar a gestão interna.

“Durante esse período de pandemia, a gente teve que transformar a experiência de consumo do esporte. Esse processo fez os clubes, federações e associações entenderem o quanto é preciso inovar para atender a demanda do torcedor. Essas organizações começaram a trazer inovação. Existia uma acomodação dentro das entidades esportivas e poucas absorviam a transformação digital. Agora, foi preciso se reinventar e quem entrega isso hoje de forma mais rápida e efetiva são as startups”, afirma Patara.

Nem todos têm uma visão tão otimista, já que apenas parte das startups se beneficiou da revolução tecnológica causada pela pandemia. Na xG Football Intelligence, que faz análise de dados com inteligência artificial para apoiar o processo decisório dos times em campo ou para fazer contratações, a demanda pelas soluções da empresa despencou e a sportstech parou de procurar novos clientes. No Brasil, a companhia só atende o Esporte Clube Bahia.

Para passar pelo momento conturbado, a empresa lançou a spin-off K10. Voltada para o público, a startup se posiciona como uma fintech do esporte por oferecer a possibilidade de investir em tokens de atletas de futebol. Quando um jogador é vendido, ele se valoriza na plataforma e o investidor ganha dinheiro.

“Uma pesquisa sobre o mercado tinha apontado que o interesse pela K10 viria de pessoas ligadas ao investimento. Mas tivemos uma boa surpresa porque quem está investindo são os torcedores de futebol. É uma pessoa que nunca investiu na vida. Isso é muito bacana porque os torcedores são clientes mais fiéis e estão descobrindo o investimento através da sua paixão pelo time”, explica Alex Bourgeois, CEO e fundador da K10 e fundador da xG Football Intelligence.

Na BeTheNext, que se posiciona como o LinkedIn do esporte, a pandemia trouxe mais negócios porque os atletas e os clubes tiveram que estar online para conseguir contratações e procurar novos talentos. A ideia da empresa é fazer com que as pessoas não desistam do sonho de ser profissionais do esporte por não conseguirem ser “descobertos” nos processos seletivos analógicos.

“Um atleta que estava na transição para o profissional no ano passado pode ter perdido a sua chance. Por isso, desenvolvemos um modelo de peneira online, em que os clubes podem fazer uma pré-seleção de atletas na plataforma, o que já é comum no mercado europeu e americano. A peneira online se baseia em vídeos, dados estatísticos, dados pessoais e dados profissionais para avaliar se o esportista deve ser chamado para uma fase presencial”, explica Felipe Bueno, sócio-fundador da BeTheNext. Além de trazer mais times para a plataforma, a realização das seletivas online ainda permite que pessoas de diferentes regiões do Brasil possam competir por uma vaga nos times.

Entre ganhos e perdas para as startups, a análise é que o coronavírus travou o amadurecimento do ecossistema, mas parte do setor espera que a realização da Olimpíada de Tóquio 2020 ajude a chamar atenção para as soluções das empresas.

“Como todo grande evento esportivo, o mundo está olhando para esse mercado. A tendência é que nos próximos seis meses, a gente tenha muita coisa acontecendo por conta dos Jogos Olímpicos. Pensando até nesse curto ciclo que teremos para a próxima Olimpíada”, afirma Patara.

Investimento

Conseguir investimento é um dos desafios das sportstechs. A curitibana BeTheNext já passou por duas rodadas de investimento sem sucesso e ainda, segundo Bueno, não recebe o apoio do ecossistema de inovação da cidade, chamado de Vale do Pinhão.

De acordo com o “Global Sportstech VC Report 2020”, da Sportstechx, as startups globais do segmento de esportes captaram US$ 19,2 bilhões entre 2015 e setembro de 2020. O relatório aponta uma retomada dos aportes em 2020, apesar da suspensão dos eventos esportivos ao vivo pela pandemia. A estimativa é que o último ano tenha fechado com US$ 3,73 bilhões investidos em sportstechs.

Atualmente, existem dois fundos brasileiros focados em sportstech: o Bossanova, que tem R$ 5 milhões para investir em rodadas pre-seed ou seed, e o OutField Capital, que também foca no early stage e tem R$ 6 milhões para apoiar soluções que alinham o esporte ao entretenimento. Ambos foram criados em 2020, o que aponta a existência de oportunidades no setor. Os fundos tradicionais têm analisado o setor, mas ainda realizam poucos aportes.

Os investimentos ainda se concentram na América do Norte, que captou 63,6% do total investido nas startups até setembro de 2020. Os Estados Unidos são líderes de investimento na região, o que comprova que o país possui um ecossistema mais maduro. A expectativa do cofundador da OutField Consulting e da OutField Capital, Pedro Oliveira, é que o mercado brasileiro de sportstech atinja em 10 anos o nível atual do mercado norte-americano, com startups do tipo na bolsa e uma atração de capital.

Foi por identificar oportunidades no segmento que os criadores do OutField Consulting, uma consultoria especializada em esportes, criaram o fundo de mesmo nome — o primeiro do tipo no país. Como consultores, os fundadores perceberam que era possível solucionar diversas dores da indústria de esportes com tecnologia. A movimentação de empresas nacionais e internacionais começarem a olhar para o segmento também chamou a atenção dos idealizadores do OutField Capital.

“Esse mercado tem muitos problemas para serem resolvidos. Ao olhar para o cenário global, percebemos que outros mercados mais maduros tinham fundos específicos. O nosso modelo é muito híbrido no sentido que a consultoria atua junto com os empreendedores no dia-a-dia pra gente ajudá-los a acelerar do ponto A ao ponto B”, explica Oliveira.

No Arena Hub também se acredita no potencial do mercado brasileiro de sportstech para criar boas soluções e atrair capital de risco. Com esse apoio, o Brasil pode fomentar o setor, que ainda possui duras barreiras de crescimento. Para apoiar esse movimento, a instituição criou o programa de aceleração para o segmento esportivo, o Podium.

“Sem investimento, as coisas se tornam um pouco mais difíceis, mas já tivemos outros segmentos com barreiras análogas que foram quebradas. Acreditamos muito no desenvolvimento do mercado e a tendência é que nos próximos anos tenhamos curvas muito significativas de crescimento, até por conta do aquecimento do startups nesse primeiro quadrimestre de 2021. Dinheiro para investir em startups não é um problema, basta o mercado começar a adotar essa tecnologia das sportstechs”, afirma Patara.

Até o momento, o fundo da OutField investiu em três startups: a 2morrow sports, que atua no setor de engajamento dos fãs; o marketplace Semexe; e a plataforma de entretenimento Final Level. Existe uma concentração natural do investimento no Brasil porque o país representa 70% da indústria esportiva na região. “Captamos uma quantia pequena em comparação com o que os grandes fundos de Venture Capital levantam, mas a gente está em um mercado que apesar de grande e atrativo ainda é incipiente do ponto de vista tecnológico”, pontua Oliveira.

A falta de capital para as sportstechs não é o único desafio enfrentado pelos empreendedores do segmento. A cultura do esporte brasileiro, que ainda não pensa a atividade de forma empresarial, também barra a adoção de tecnologia no mercado.

A xG Football vê que grande parte dos clubes brasileiros ainda não adotam soluções de análise de dados para melhorar o desempenho por não compreender a potencial dessas análises. “Os times europeus se veem como uma empresa ou de entretenimento ou de comunicação. Isso não acontece no Brasil e o futebol brasileiro vem perdendo em termos de receita, de interesse e de possibilidade de mercado muito por causa dessa atitude. Aqui é uma exceção um clube ter uma visão empresarial de gestão e a tecnologia acaba sendo uma gota de água no oceano”, pontua Bourgeois.

Devido à estrutura do esporte brasileiro, o fundador da xG teme que o Brasil nunca alcance o potencial que tem no segmento de sportstech. Globalmente, a estimativa é que esse mercado chegue a valer US$ 41,88 bilhões em 2026.

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