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Rosangela Hickson Rios é coordenadora do mestrado em Tecnologia aplicadas à saúde. Professora do mestrado em Biotecnologia e Inovação e CIO e pesquisadora do BIOSISHUB Crédito: Divulgação
ENTREVISTA

Quero deixar para minhas filhas a herança de que a gente pode ser o que quiser

Cientista premiada pelo programa 25 Mulheres na Ciência da América Latina 2022, Rosangela Rios usa tecnologia para buscar um fim para a esquistossomose

Por Soraia Yoshida 08/03/2022

“A pandemia tirou todo mundo da zona de conforto”. O que para cientistas é o café com leite de encarar o desconhecido, aprender todos os dias e, com muito esforço, colaboração e empenho, ser capaz de tornar a vida de pessoas comuns muito melhor, subiu de nível desde a chegada da Covid-19. “Ninguém estava preparado, mas a gente tem que avançar”, diz Rosangela Hickson Dias, coordenadora do mestrado em Tecnologia Aplicada à Saúde e professora do mestrado em Biotecnologia e Inovação e CIO.

Rosangela é uma das premiadas do programa 25 Mulheres na Ciência da América Latina 2022, iniciativa da 3M para reconhecer cientistas cujo trabalho tem impacto positivo em seus países como agente de mudança. Também quer ser uma vitrine para inspirar meninas e mulheres a seguirem carreiras em STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), uma área ainda predominantemente masculina. Nesta segunda edição, 6 cientistas brasileiras foram vencedoras.

Como pesquisadora do BIOSISHUB, Rosangela foi escolhida por sua busca por compostos químicos capazes de tratar a esquistossomose. Juntamente com sua equipe, ela conduz simulações com software nos computadores dos membros da World Community Grid, que apoia projetos de pesquisa para tratamentos contra câncer, HIV e doenças tropicais que não têm recebido a atenção merecida. Em cinco anos de trabalho, Rosangela selecionou 16 potenciais medicamentos contra a doença parasitária, graças ao uso de novas tecnologias.

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“Talvez usando nanotecnologia, poderíamos injetar o nanomaterial no corpo da pessoa. Ao entrar em contato novamente com o parasita, esse nanomaterial eliminaria a doença ou então faria com que ela se manifestasse de forma menos severa. Isso já é feito com outras doenças, por que não esquistossomose? Seria uma coisa revolucionária”, diz ela nesta entrevista exclusiva para The Shift.

Graduada em Engenharia Mecânica, com pós-graduação lato sensu em Análise de Sistemas e Tecnologias da Informação Aplicadas à Educação e pós-graduação strictu sensu em Ciências e Técnicas Nucleares e em Ciência da Computação, todos na UFMG, Rosangela não deveria ter que justificar nada. Mas o fato de ser mulher fez com que tivesse de enfrentar grandes desafios na carreira. “Ainda enfrento”, diz ela colocando o verbo no tempo presente. “Mas como mulher, a gente tem uma facilidade muito grande de se reinventar, mudar e dar um passo adiante, mesmo com todos os problemas que a gente tem”.

 

Disrupção é…

“Disrupção para mim seria essa mudança de paradigma, de postura das pessoas de que o coletivo é mais importante do que o individual. A partir do momento que a gente tiver essa consciência de que todos nós dependemos uns dos outros e que se a gente ajudar aquela pessoa ali da esquina e aquela pessoa da esquina ajudar a outra, e assim por diante, a gente vai conseguir viver num mundo realmente melhor.

Eu acho que a gente consegue chegar num processo, mas a gente não vê isso no Brasil. O que se vê são algumas iniciativas individuais, muitas empresas que estão fazendo isso, olhando para o social. Mas o que ainda prevalece é realmente o individualismo. Enquanto a gente se for individualista, a gente não vai conseguir ser disruptivo, ser a gente mesmo.

A esquistossomose era uma doença que se ouvia falar nos anos 1970. Os avós falavam em barriga d’água, né? E que é uma doença parasitária diretamente ligada às más condições de higiene, falta de saneamento básico. Ela é transmitida por um caramujinho [Schistosoma mansoni] e com tratamento, ela desaparece. Mas se a pessoa continua vivendo nas mesmas condições insalubres, pode voltar a pegar a doença, que ataca o fígado, às vezes o cérebro – e pode levar à morte.

Com o fármaco que existia nos anos 1970, muita gente foi tratada. Só que desde então nada foi feito para melhorar essas condições e a doença continuou existindo – e se tornou uma das doenças tropicais negligenciadas. Estamos em 2022 e a esquistossomose continua sendo uma doença reincidente.

Isso poderia ser resolvido com ações que infelizmente, afetam ainda hoje grande parte do povo brasileiro. As pessoas não têm esgoto adequado, carecem de saneamento básico. É uma doença, em resumo, que não precisaria existir. Mas existe e não se pesquisam novos medicamentos simplesmente porque é uma doença de pobre.

Entre um medicamento para HIV que custa 6 mil reais e outro para esquistossomose que custa cinquenta centavos, qual você acha que vai atrair o interesse?

A ideia é que a gente consiga criar um tratamento que seja permanente no organismo. Talvez usando nanotecnologia ou outra biotecnologia, poderíamos injetar o nanomaterial no corpo da pessoa. Ao entrar em contato novamente com o parasita, esse nanomaterial eliminaria a doença ou então faria com que ela se manifestasse de forma menos severa. Isso já é feito com outras doenças, por que não esquistossomose? Seria uma coisa revolucionária.

Eu sou formada em Biotecnologia e acho que a tecnologia pode nos trazer ferramentas maravilhosas. Isso não significa que a tecnologia vai substituir o ser humano. Não é isso. Quem aplica a biotecnologia ou qualquer outra tecnologia é o ser humano. Eu também sou engenheira mecânica, engenheira de materiais, e posso te dizer que as tecnologias vieram para nos ajudar.

Por que as pessoas têm medo da ciência, medo de tomar vacina? Nossa, é a grande pergunta do século 21. Por que que as pessoas ainda têm medo de coisas que elas fazem desde criança? Quando a gente é criança, as mães levam a gente nos postos do SUS e nos postos de vacinas, não é mesmo? Essa polarização, principalmente de alguns grupos, o medo de achar que o corpo vai ser invadido, que vão colocar um chip dentro da gente e saber tudo o que a gente faz… Existe muita teoria de conspiração, muito fake news. Eu acho que é puro desconhecimento. Não é só no Brasil, nos Estados Unidos também tem grupos anti-vacina que são muito mais radicais do que os nossos aqui. As pessoas fazem passeatas, protestam contra a vacina. Isso não é uma coisa de país rico ou em desenvolvimento: é uma coisa do ser humano.

Eu penso que é o medo do desconhecido. Todos nós temos, não é mesmo? Mas vamos pelo menos dar uma chance pra ciência.

Eu nunca tinha visto uma vacina ser gerada tão rapidamente. E admiro mesmo os cientistas que conseguiram fazer isso e nos dar a oportunidade de dos proteger contra o coronavírus. Por isso é difícil para mim entender que uma pessoa não queira ser vacinada. Eu tomei três doses e tomaria uma quarta sem o menor receio!

Minha mãe casou-se com um britânico e eu nasci na Inglaterra. Mas quando eu ainda era pequena, ela descobriu que estava com câncer e voltamos para o Brasil. Minha mãe era professora e para ela, a educação era muito importante. Ela sempre me deu muito apoio para estudar e me falava que eu podia ser o que eu escolhesse.

Eu venho de uma geração que acredita na ciência, acredita que a mulher pode fazer o que quiser. Se quisesse lavar, passar, cozinhar, cuidar dos filhos, ótimo. Mas se quiser ser uma cientista, ótimo também.

Eu escolhi a ciência. Falo brincando para as pessoas que não sei fritar um ovo – e não sei mesmo. Não tenho vergonha de admitir isso porque eu sei fazer muitas outras coisas.

Se eu enfrentei preconceito? Enfrento até hoje. Tive que encarar muitas barreiras e não sei se tirei de letra, não, acho que algumas me pegaram mesmo, vou ser sincera. Desisti de pessoas que eu achava que não teriam problema em lidar com uma mulher que vai atrás das suas conquistas. Mas eu sou bem resiliente.

Eu brigo pelo que acho que está certo. E as brigas que eu comprei pela educação foram muitas. E tantas mais que aparecerem pela frente, eu estou disposta a comprar porque é uma herança que quero deixar para minhas filhas. Isso de que a gente pode ser o que quiser, desde que você tenha convicção e tenha coragem de enfrentar.

Uma coisa que eu começo falando com os meus alunos: nós estamos aqui para aprender. Eu quero aprender com vocês e acho que vocês vão aprender algumas coisas comigo. A ciência é exatamente isso. A gente não sabe tudo. Então temos sempre alguma coisa para aprender e para ensinar. E isso é mágico tanto na ciência, quanto na educação.

O nosso grande problema é tanto a educação, quanto a ciência no Brasil não tem acompanhado a evolução da tecnologia. Temos riquezas naturais, riqueza de gente. Nós poderíamos estar muito avançados. Temos profissionais excelentes que correm atrás, enfrentam problemas e se propõem a mudar pelo menos um pouco o mundo.

Eu fiz uma pós em Inteligência Artificial e, recentemente, voltei a fazer um curso para me aperfeiçoar mais porque teve tanto avanço nesse campo que se a gente não estudar, acaba ficando para trás.

Eu acho que vai ter muita IA no nosso futuro, mas precisamos estar lá para programar.

Eu dou aula para alunos que são de classe média, que têm acesso a um computador e celular, então mesmo durante a pandemia, a gente conseguiu trabalhar à distância. Mas não é o caso da maioria dos brasileiros. Eu participo como como voluntária de um projeto em Lagoa Santa [MG] criado para estimular as meninas e meninos a trabalhar a linguagem digital através do uso do celular. O grande problema é que só tem um celular na família para cinco, seis pessoas. E um celular pré-pago que tem uma capacidade baixa para dados. E isso acontece em milhares de municípios. Não fosse essa barreira, acho que estaríamos caminhando firme para uma educação mais digital.

E não sei quando que a gente vai conseguir resolver isso no Brasil. Temos uma população que não tem acesso e ainda não domina o digital. As grandes instituições privadas, como a que eu trabalho em Belo Horizonte, pagaram para colocar seu conteúdo em plataformas digitais. Mas as escolas públicas não estavam preparadas. E mesmo algumas escolas privadas não tinham recursos suficientes para fazer isso e estão fechando. Esta semana, por exemplo, fecharam duas em Belo Horizonte.

A tecnologia até que barateou bastante, mas a parte de software é cara. Montar conteúdos online exige qualidade. Por isso, acho que no Brasil vamos continuar nesse sistema híbrido, com algumas aulas online e a maioria presencial.

Vou ser muito sincera com você. Eu tenho visto um retrocesso muito grande no Brasil. Por causa das diferenças sociais, que estão absolutamente graves neste momento, cada vez mais gente dormindo nas ruas, sem ter direito o que comer. Infelizmente, os políticos pensam em si mesmos e não olham para a população e o que se vê é que temos um fundo eleitoral de R$ 4,9 bilhões para o ano e uma população passando fome. Isso não faz o menor sentido, pelo menos para mim.

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