Imagine estudar anatomia interagindo com as estruturas do corpo humano em 3D, podendo até ver o funcionamento interno de cada órgão. É uma experiência bem diferente daquela aula tradicional, em que o professor fica passando slides ou reúne os estudantes para ver peças anatômicas em uma bancada. A MedRoom trouxe essa nova forma de aprender para as faculdades, graças à aplicação de recursos de Realidade Virtual (VR) e à gamificação. Ao colocar o óculos de VR, o estudante é transportado para dentro de um dos dois pacientes — Max ou Lucy — do laboratório de anatomia da empresa.
Além de mudar a cara das aulas de graduação em saúde, a realidade virtual melhora o aprendizado. Uma pesquisa da Universidade de Maryland aponta que as pessoas se lembram mais de informações apresentadas por meio de VR. Outro estudo, de pesquisadores da Universidade de Pernambuco e da Universidade Católica do estado, afirma que essa tecnologia é um importante recurso para o treinamento e formação de profissionais da saúde.
A MedRoom quer fazer com que todo o mercado acorde para os potenciais da Realidade Virtual e de outras tecnologias. “Não tem como brigar contra a inovação. Os grupos podem até não querer trabalhar com a gente, mas alguma solução nesse sentido vai ter que ser desenvolvida. A gente sabe que não vai resolver o problema do Brasil de uma vez só, muito menos sozinho e com uma solução única. O que é preciso fazer é ter uma meta ideal e tirar as faculdades do status quo, puxá-las para cima”, afirma o cofundador e CEO da MedRoom, Vinícius Gusmão, em entrevista exclusiva à The Shift.
Especializada em desenvolver treinamentos para área da saúde com realidade virtual, como a simulação de casos, a startup expandiu a sua atuação e está testando um aplicativo para que os alunos possam acessar as aulas e um laboratório de anatomia no celular. O próximo passo é o lançamento de uma plataforma integrada em outubro, que vai agrupar as soluções de VR, do app e para a web. O foco do metaverso da MedRoom é viabilizar um ensino realmente híbrido, acionando diferentes momentos de aprendizado.
Comprada pelo Grupo Ânima em 2020, a startup está presente em mais de 30 instituições dentro e fora do Brasil, com conteúdos traduzidos para o inglês e o espanhol. Dentre os parceiros estão dois hospitais em São Paulo, o InCor e Hospital Alemão Oswaldo Cruz. No InCor, a MedRoom instalou um andar digital para que os profissionais de saúde possam usar as soluções da empresa.
Com uma atuação entre saúde e educação, Gusmão não sabe definir se a MedRoom é uma edtech ou uma healthtech. “A gente já ganhou prêmio por ser uma e por ser outra. Já fomos até premiados em eventos de jogos. É tudo misturado”, explica o CEO da startup. Para o futuro, a ideia é se aprofundar nas duas áreas, criando mais soluções para a rotina dos médicos e prototipando o uso de Realidade Virtual para outros cursos.
“Uma mudança de paradigma. A disrupção não é simplesmente um processo que se liga e desliga com uma chave, ela pode levar um tempo para acontecer. Inclusive, a gente passa por isso na educação nesse momento tecnológico atual.
A MedRoom está entre educação e saúde. Se tem uma galera que acha que a educação é conservadora é porque ainda não viu a saúde.
Existem médicos mais cabeçudos de faculdade tradicional, que ainda usam slides de projeção, com transparências. Aquela curva de user adaptability se reproduz no nosso mercado. Tem uma parte que é de inovators. São instituições, professores, diretores e mantenedores que estão nessa linha de querer inovar e comprar por ser inovação.
No começo da MedRoom, a compra do nosso produto não vinha porque nós tínhamos uma ferramenta de aprendizado super legal, mas porque tinha uma ferramenta de aprendizado inovadora. Agora, essa venda já precisa de uma justificativa melhor do que ser simplesmente inovação.
O que precisa ser feito é uma mudança de cultura, que tem que ser trabalhada desde o começo. Eu preciso identificar quais são esses pontos passíveis de inovar e quem são os atores que vão permitir que a gente crie essa mudança de cultura para trabalhar em cima deles.
Como a gente pode fazer isso? Primeiro, oferecendo soluções de nível competitivo mundial. É a questão de colocar o nosso mercado exposto a esse tipo de coisa. Mesmo que as faculdades não comprem, elas sabem que existe e acompanham o que está acontecendo em outras instituições. Isso causa um movimento que impacta esse ambiente.
Meu sócio, o Sandro [Nhaia], trabalhou no Projeto Homem Virtual da Faculdade de Medicina da USP por 4 anos. Lá, eles faziam animações e modelos 3D para educação e saúde.
No final de 2014, ele testou um óculos de Realidade Virtual e, na mesma hora, fez o link com o que era desenvolvido no Projeto Homem Virtual. Sandro pensou que essa tecnologia casava 100% com aquelas simulações. Em 2015, ele começou a desenhar como seria isso. A ideia era fazer um simulador de cirurgia para colocar os alunos para estudar.
A ideia foi apresentada no Startup Weekend da USP. Eu fazia parte do núcleo de empreendedores da USP, por isso organizei e participei do evento. Achei o projeto doido o suficiente para entrar nele. Nós fizemos muito protótipo. Em 2017, aconteceu muita conversa com potenciais investidores, tanto que foi fechada a primeira rodada de investimento. [A startup já recebeu cerca de R$ 3 milhões de investidores, dentre eles o Hospital Albert Einstein, por meio de seu centro de inovações, Eretz.Bio, onde a MedRoom foi incubada entre 2017 a 2019].
A gente recriou um laboratório de anatomia dentro do equipamento de realidade virtual. Quando um estudante põe os óculos, ele vê lá dentro a paciente ou o paciente, o Max ou a Lucy, que são 100% modelados em 3D. A MedRoom oferece uma solução realista para o aluno porque isso vai influenciar uma série de questões de aprendizagem, que otimizam o aprendizado e aumentam a retenção do aluno.
Se a pessoa acredita no que está vendo no VR, existe uma chance maior de aprender mais rápido e lembrar daquilo por mais tempo.
O VR te traz para um aspecto quase de storytelling. Uma coisa que é pouco discutida na gamificação são os aspectos não óbvios de um jogo. Um score, um sistema de recompensa e de moeda em aplicações de educação são super válidos, mas a gamificação não se limita a isso. Ela também tem a ver com interação, com experiência, com o próprio realismo, com o quanto as pessoas se sentem dentro daquela experiência.
Na MedRoom, temos uma gamificação séria, com menos cara de joguinho, menos lúdico. A ideia de premiação tem muito mais a ver com engajamento ao longo do tempo, do que a experiência propriamente dita. Isso é algo para um segundo momento.
Ainda é possível colocar uma série de ferramentas no VR para o aluno explorar as peças dentro desse ambiente, com opções de como fazer uma dissecação no corpo, isolar a peça e deixá-la transparente. Dentro da realidade virtual, é possível ter acesso a roteiros de aulas preparadas pelo professor e ainda colocar imagem, vídeo e quiz para completar essa jornada de aprendizado. Em uma aula de ultrassom, por exemplo, o estudante pode ver as peças do exame alvo.
Para oferecer a experiência, a gente vai na faculdade e monta o laboratório. As formas de uso variam um pouco, mas nunca é um óculos por aluno. Posso ter estações de realidade virtual, por exemplo, em laboratórios específicos ou na biblioteca. Também é possível ter essa tecnologia em salas de monitoria para os alunos e monitores interagirem e tirarem dúvidas.
A realidade virtual ainda pode ser parte de um laboratório de fato. Nas aulas de anatomia, os estudantes se juntam ao redor de uma bancada para explorar os materiais disponíveis, como lâminas e peças de cadáver. A realidade virtual pode ser um desses materiais. E, em último caso, montamos uma sala de realidade virtual mesmo, com várias estações de VR. Todos esses exemplos já aconteceram no Brasil, com a nossa solução.
Na pandemia, a gente descobriu que estar com os óculos não é a única aplicação possível para Realidade Virtual. Como não estava ocorrendo aula presencial, um professor de medicina levou os óculos de VR para casa para dar uma aula à distância.
Quando você está com os óculos, tudo que você vê aparece na tela do computador. Então, é possível transmitir a tela do computador no zoom ou gravar um vídeo e construir objetos de aprendizagem a partir disso.
O que a gente ganha com isso? Interatividade. Ao invés de ficar aquela coisa de passar slide, passamos a ter uma aula mais dinâmica com o professor interagindo com as peças, os alunos vendo e discutindo junto com ele.
Foram feitos testes desse modelo em duas turmas. Em ambas, recebemos mais de 85% de feedbacks positivos. Essa função não era a prevista quando o produto foi construído, a nossa ideia inicial era o aluno vestir os óculos e fazer a experiência.
Mas o professor usando o VR para dar aula por vídeo gerou um resultado bom o suficiente a ponto do estudante preferir isso ao presencial que vinha acontecendo antes.
Isso significa que existem aspectos da jornada de aprendizado da área da saúde que podem acontecer à distância. Mas a gente precisa do meio para fazer isso com qualidade: simplesmente colocar uma aula no ambiente de aprendizagem da faculdade com um monte de vídeo e de imagem, sem explorar o formato da melhor forma possível realmente não agrega muito.
Vamos tentar tornar essa tecnologia mais acessível possível, mas existem fatores complexos, como ter o óculos de realidade virtual e um computador em casa. Qual é a acessibilidade disso para um aluno no Brasil? Esse é um desafio que é difícil de resolver, mas estamos tentando. Ao colocar a solução à disposição, os custos vão caindo ao longo do tempo.
Até o primeiro momento, a MedRoom tinha um produto virtual, mas que funcionava de forma presencial. Na pandemia, a gente vai descobrindo o que mais funciona, já que as aulas não ocorrem mais dentro das faculdades. Aí, a gente vem com a proposta de visualizar os laboratórios num ambiente só, então agora eu trabalho não só com VR, mas também com aplicativo de celular e com a web. Isso culminou na venda da MedRoom para a Ânima.
O app surgiu porque nós pensamos como fazer a solução chegar na mão do aluno, que estava apenas vendo a experiência na tela em casa. Como os óculos ainda não chegam nas residências dos estudantes, a gente pode aproveitar os devices que eles já têm.
A solução foi construir um aplicativo com o nosso laboratório de anatomia. Não é realidade virtual, são experiências diferentes porque são estimuladas vias e momentos diferentes do aprendizado. Um é assíncrono e o outro é síncrono. Um é à distância e o outro é presencial. A sensação de aprendizado é diferente, mas elas se complementam.
Com o aplicativo, o mesmo roteiro de aula que o professor está usando dentro do VR vai estar no celular do aluno. Aqueles mesmos exames de imagem, os mesmos vídeos, quizzes e as peças 3D. É o mesmo objeto disponível em duas frentes diferentes.
Essas conexões dos nossos três ambientes de aprendizagem permitiram que a MedRoom trabalhasse com mais tecnologias. Como todas são interligadas e funcionam para momentos diferentes do aprendizado, eu consigo colaborar para esse sistema híbrido de ensino.
Para o sistema híbrido do ensino, é necessário ter uma plataforma com uma qualidade minimamente igual à que se tem no presencial.
Em uma visão de 5 anos, a gente quer conseguir transformar o que for possível em virtual, mas manter o que for preciso no presencial. O foco é realmente usar a tecnologia para sustentar experiências híbridas de ensino e aprendizagem.
Queremos fazer as validações o quanto antes para propor e transformar as faculdades em ensino híbrido, começando pela Ânima. Mas também queremos estar em outras instituições. Tem uma galera que está participando desse movimento e nosso desejo é jogar isso para o mundo mesmo.
Do ponto de vista do aluno, a tecnologia é algo necessário e que ele quer. Nessa ideia de conservadorismo na educação e na saúde, a maior parte das ferramentas que são adotadas são de gestão de conteúdo, como optar por responder um quiz no computador ao invés de fazer no papel. Mas isso trabalha a mesma via fisiológica. O aluno está lendo de qualquer forma.
A realidade virtual traz uma coisa além da leitura, traz uma experiência fisiológica de aprendizado diferente que coloca o estudante em situações que não são comuns para ele.
O próprio aplicativo, da forma como estamos construindo, vai fazer conexões entre conteúdos que o Learning Management System da faculdade não tem como fazer porque não foi feito pensando em saúde.
Esses grupos mais tradicionais de educação não têm como fugir desse movimento. Se eles não querem usar as ferramentas que estão por aí, alguma ferramenta vai ter que ser proposta. E vai ter que ter qualidade para competir com as que estão no mercado.
A medicina está mudando bastante. Não tem como simplesmente formar uma pessoa para trabalhar em algo que não foi proposto quando ela entrou na faculdade há seis anos.
Nós queremos melhorar a performance dos alunos em identificar, aprender, lembrar desse conteúdo de anatomia, mas ao mesmo tempo buscamos prepará-los para esse mundo de tecnologia que vem surgindo.
A MedRoom tem testes de aplicações que estão sendo construídas para o médico. Antes de fazer uma cirurgia, ele pode colocar os óculos de Realidade Virtual, ver o caso do paciente e treinar.
O profissional de saúde que vem de uma faculdade que usava Realidade Virtual está familiarizado com a tecnologia e vai saber usar quando encontrar a ferramenta em um hospital.
Vamos colocar algumas aplicações para os médicos. O que já existe de soluções mais evidentes é usar VR para fazer exame de imagem. Isso permite que os médicos tenham a oportunidade de ver algo que normalmente é 2D em 3D. Isso é muito voltado para o treinamento pré-cirúrgico. Esse é um passo.
O que pode ser feito à distância a partir disso, vai ser descoberto na sequência. Existem algumas possibilidades, mas é preciso saber quais problemas merecem ser resolvidos. Então, é uma discussão que ainda tem que acontecer e a gente não tem resposta.
A anatomia é um pedaço da área da saúde. Mais do que uma disciplina, a anatomia é a forma das coisas, tudo que é relativo à forma, posição, geometria e geografia. A fisiologia tem a ver com a função de cada parte do corpo.
Já o raciocínio clínico é juntar os conhecimentos de anatomia e fisiologia para entender o que fazer quando há algum problema no corpo. É a parte da tomada de decisão, de simulação.
O nosso foco na área da saúde hoje é construir uma simulação que consiga trabalhar e navegar entre esses 3 pilares, que é o que vai trazer diferença para o aprendizado do aluno.
Essa parte de raciocínio clínico é colocar o aluno no consultório, com o procedimento de anamnese, exame físico e semiologia. Então, existe um movimento de aprofundamento na área da saúde para trazer esse produto.
Dando certo, podemos trabalhar com outras áreas. Podemos fazer um produto para anatomia veterinária. Além disso, se eu consigo fazer a simulação de um caso clínico, talvez eu possa fazer a simulação de um júri para os cursos de Direito. A gente quer descobrir até onde isso vai.
Dentro da Ânima, que é um grupo grande com um braço de saúde fortíssimo, mas também com outras especialidades, estamos tentando identificar novas oportunidades do uso de VR. Seguimos com saúde, mas se der certo tem um potencial muito grande para aplicar esse tipo de tecnologia para outras áreas também.
Com a Ânima, a gente também pode começar a acelerar o processo de individualizar as soluções para saúde das que são voltadas para educação. Tendo sucesso no lançamento da nossa plataforma integrada, é possível pensar em compartimentalizar e especializar o desenvolvimento, melhorar o nosso foco para educação e separar isso do foco de saúde. Então, a gente começa a conversar com essas duas frentes em paralelo e entregar mais soluções em menos tempo.
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