Empresas que têm uma estratégia integral de desenvolvimento sustentável atraem mais investimentos. É uma tendência global. Fundos exclusivos para negócios comprometidos com governança social e ambiental estão em alta nos Estados Unidos. No Brasil, o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3 apresenta rentabilidade de 297% desde sua criação, em 2005, contra 245% do Ibovespa.
Estes são alguns indícios de que desenvolver uma estratégia ESG (Environmental, Social and Corporate Governance, ou Governança Corporativa, Ambiental e Social) é positivo aos olhos dos investidores. No entanto, a questão vai muito além do lado financeiro, de acordo com Marcus Nakagawa, coordenador do Centro de Desenvolvimento Socioambiental da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
“Minha visão é de que todos deveriam ser ensinados a escolher um trabalho não apenas pelo salário; a priorizar uma empresa não só pelo lucro que ela gera; a analisar um país não apenas pelo PIB. Vamos ensinar nossos filhos que o peso do capital não é maior que o social e o ambiental”, diz o professor.
Nakagawa é fundador da Associação Brasileira dos Profissionais pelo Desenvolvimento Sustentável (Abraps) e recebeu o Prêmio Jabuti, em 2019, pelo livro “101 Dias com Ações Mais Sustentáveis para Mudar o Mundo”. Em entrevista exclusiva à The Shift, ele destaca a importância de assumir a responsabilidade pelo impacto que seu negócio gera, assim como de toda a cadeia que o envolve.
“A empresa não é uma ilha isolada que fica somente produzindo e vendendo para bater a meta prometida aos acionistas”, afirma o professor. “Se na sua cadeia tem um fornecedor que usa mão-de-obra análoga à escravidão, você também é responsável”, afirma.
Sua visão de ESG é bastante pragmática. “Estamos falando aqui de gestão, governança, controles e avaliações, de inserir as questões ambientais e sociais no cerne da estratégia dos negócios e em todos os processos. Tudo isso precisa ser medido, avaliado, controlado e melhorado”, explica. “ESG deve estar atrelada à bonificação dos executivos”.
Já há casos de sucesso no mercado em que empresas ultrapassaram a linha “impacto zero” e estão gerando valor de volta às pessoas e ao planeta. É o que o professor chama de regeneração. “Regenerar é ir além, melhorar os processos até um ponto em que se passa a ajudar o planeta a recuperar aquilo que perdeu no passado”, diz.
Considerar as questões ambientais e sociais nos mesmos termos que as questões financeiras. A disrupção acontecerá quando os indicadores de riqueza estiverem atrelados aos indicadores ambientais e sociais.
Minha visão é que todos deveriam ser ensinados a escolher um trabalho não apenas pelo salário; a priorizar uma empresa não só pelo lucro que ela gera; a analisar um país não apenas pelo PIB. Vamos ensinar nossos filhos que o peso do capital não é maior que o social e o ambiental.
O tema da minha tese de doutorado é a inserção da governança de sustentabilidade nos cursos de gestão no Brasil. Quando o tema aparece nas universidades, o mercado passa a dar mais atenção a ele. Quando o mercado pede, a academia pesquisa mais. É uma via de mão dupla..
ESG nada mais é do que um termo técnico utilizado pela área financeira para falar sobre sustentabilidade empresarial.
O conceito está associado à gestão de indicadores ligados à governança ambiental, social e corporativa. Ele entrou na pauta em 2004 com o pacto global da ONU, mas ganhou mais relevância nos últimos anos, quando grandes fundos de investimento, como a BlackRock, decidiram investir apenas em organizações que tivessem a sustentabilidade como prioridade estratégica, e não paralela ao negócio.
O primeiro ponto relevante é que a diretoria executiva e o conselho realmente queiram inserir ESG no modelo de negócio, na estratégia e no DNA da empresa. Não adianta contratar uma consultoria que olhe de fora ou criar um departamento interno de sustentabilidade se o C-level não entender esta questão como fundamental.
Acredito que metas de sustentabilidade devem estar atreladas à bonificação dos executivos.
A partir daí, é preciso apontar profissionais responsáveis diretos pelas ações de ESG. Cachorro sem dono morre de fome. A pauta tem que ter um dono dentro da organização para garantir que seja efetiva. Pode ser um comitê de sustentabilidade, por exemplo, com pessoas de diversas áreas.
Não basta criar um produto ou uma linha de produtos mais verdes, sustentáveis ou somente apoiar um projeto social. Estamos falando aqui de gestão, governança, controles e avaliações, de inserir as questões ambientais e sociais no cerne da estratégia dos negócios e em todos os processos. Tudo isso precisa ser medido, avaliado, controlado e melhorado. Para tanto, existem as políticas, os procedimentos, as regras, os códigos de condutas, certificações e o compliance nas empresas.
Pesquisa e desenvolvimento tem tudo a ver com ESG. A parte de P&D das organizações deve investir cada vez mais em inovação para que impactos negativos sejam minimizados. Estamos falando de geração de resíduos, de gasto energético, de impactar a vida de pessoas dentro ou no entorno da empresa.
Depois de minimizar ou neutralizar os impactos vem a regeneração. Este é um novo termo que se usa na questão da sustentabilidade. Regenerar é ir além, melhorar os processos até um ponto em que se passa a ajudar o planeta a recuperar aquilo que ele já perdeu no passado.
Vou dar um exemplo: a questão da água. Empresas de bebidas dependem mais que outras da água para sobreviver. Há alguns anos, algumas delas começaram a se preocupar com os recursos hídricos, compensando os próprios danos até chegar ao nível de impacto zero. Hoje, elas têm impacto positivo, regenerando matas ciliares para proteger os rios, levando água para pessoas em regiões áridas. Elas olham para os lados social e ambiental do negócio.
As organizações são responsáveis sim pelos seus fornecedores e pelos seus distribuidores. Pela cadeia como um todo.
A empresa não é uma ilha isolada que fica somente produzindo e vendendo para bater a meta prometida aos acionistas. Neste processo haverá muitos outros movimentos que impactarão negativamente ou positivamente o entorno e as pessoas que estão em contato. Estamos falando dos stakeholders, que podem estar sujeitos a riscos de acidente no trabalho, de poluição no ar ou rio, de um fornecedor que tem práticas não aderentes aos Direitos Humanos, ou um funcionário que dá comissão para um político.
Não adianta discutir ESG e olhar para o desenvolvimento sustentável só do seu lado. Se na sua cadeia tem um fornecedor que usa mão-de-obra análoga à escravidão, você é responsável. Todo mundo é responsável. Isso é algo concreto que aconteceu no varejo de roupas. Normalmente, se isso vira público, a ‘bomba’ só cai para a empresa mais conhecida.
Negócios digitais, em modelos de marketplace, funcionam da mesma forma. Há toda uma cadeia física de logística, de nuvem, por trás. Empresas pequenas e médias também precisam mensurar seus impactos ambientais e sociais. No fim das contas, elas podem acabar prestando serviços às grandes organizações. Quem quiser ser uma fornecedora relevante no mercado precisa elevar seu padrão de ESG.
Digo sempre aos meus alunos: dá para terceirizar quase tudo, mas não dá para terceirizar a responsabilidade.
Estamos na sociedade do cancelamento. O risco de perder a reputação, de pararem de comprar o seu produto, é real. É melhor estar certo que seus fornecedores e parceiros também estejam alinhados às práticas de ESG. Essa integridade hoje importa muito para o setor financeiro.
Há valor nas empresas que ‘dão a cara para bater’. Elas divulgam para o mercado que estão fazendo uma ação social ou ambiental e ficam sujeitas às repercussões. Se não tiverem uma visão completa do ESG correm o risco de ter o nome queimado.
Hoje se fala em greenwashing, que é falar que está fazendo ações ambientalmente corretas, mas que é apenas algo isolado. Em socialwashing, para a questão social. Em diversitywashing, cada vez mais comum… A empresa fala que é diversa, mas não tem representatividade real, não tem políticas afirmativas dentro da organização. São os perigos de querer entrar em ESG apenas como um projeto.
Empresas brasileiras que tiveram problemas ambientais e de corrupção nos últimos anos acabaram saindo da carteira do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3 por ser um risco aos investidores. Nesses últimos anos, índices de ESG estão sendo utilizados para mensurar o risco financeiro das empresas. E, caso sejam positivos, agregam valor – literalmente – às organizações.
Isso não é só a opinião de um professor apaixonado pelo tema, de um ativista da causa. Basta comparar o desempenho do ISE com o restante da bolsa de valores ao longo dos anos.
A Nielsen mostra em uma pesquisa de 2019 que 42% dos consumidores brasileiros estão mudando seus hábitos para reduzir o impacto no meio-ambiente; 58% não compram produtos que são testados em animais; e 65% não compram de empresas associadas ao trabalho análogo à escravidão.
Quando você vê um dado que diz que há mais de 20 milhões de pessoas vegetarianas no Brasil percebe que há de fato uma mudança no comportamento de consumo. Estamos vendo sanduíches veganos sendo servidos nas maiores redes de fast-food do mundo. A chegada da preocupação ambiental e social a esses produtos de massa é a confirmação desta tendência.
Quando o mercado financeiro tornar ESG mainstream, ou seja, um padrão para todas as empresas e negócios, e não somente algumas carteiras e fundos, o desenvolvimento sustentável ganhará ainda mais força.
ESG está ligado ao mundo corporativo, mas na gestão das cidades também é necessário pensar nas questões sociais e ambientais.
Gosto do termo CHICS para falar de smart cities: Cidades Humanas, Inteligentes, Criativas e Sustentáveis. Não adianta usar tecnologia para fazer uma cidade ultraconectada e produtiva financeiramente. Cidades inteligentes precisam estar associadas às questões sociais e ambientais.
Como a smart city pode ajudar uma pessoa que mora na periferia a ter acesso a serviços básicos? Uma cidade inteligente, na minha visão, terá um dashboard em que o gestor visualiza os indicadores sociais por região da cidade, a mensuração da poluição, a efetividade da mobilidade e a preservação de áreas verdes”.
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