“Quando você mora sozinho numa ilha deserta, você não precisa de regra para nada, certo? Você pode acordar a hora que quiser, comer na hora que quiser, caçar, nadar, fazer tudo que tiver vontade. Mas se você morar com mais um ser humano já tem que ter governança dentro da sua casa. Tem que ter regras de funcionamento, de convivência. Né? É assim que as pessoas deveriam enxergar a governança”.
Eduardo Carone, CEO da Atlas Governance, empresa que faz da governança o seu negócio para empresas de todos os tamanhos e tipos, está aqui para descomplicar. Ao tornar o conceito de governança acessível “para a padaria e para a empresa de capital aberto”, ele põe em prática os valores da companhia. De que governança tem que ser simples, acessível, para todo mundo.
“Eu participei da assembleia de uma empresa de capital aberto, que tem na bolsa aproximadamente 200 mil investidores. Sabe quantos estiveram na assembleia? Sete. Por que ninguém exerce o seu direito de voto? Porque é complicado”, diz ele nesta conversa exclusiva com The Shift. “Tem gente que ganha muito dinheiro com curso de governança e para vender, o negócio precisa ser complicado, certo? Por conta da complexidade que se criou em volta do conceito de governança, é que surgiu a Atlas. Nosso propósito é tornar a governança acessível e para ser acessível, um dos preceitos é que tem de ser simples”.
Com certificação de membro de conselho pela Fundação Dom Cabral e pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, cursos na Harvard Business School, MIT e Northwestern University, Eduardo Carone tem uma experiência grande na atuação de conselhos. Essa experiência fez ver onde estavam as lacunas para alguém que ocupava sua posição e como o fato de contar com um software de governança poderia fazer a diferença.
A empresa fundada em 2015 – hoje o maior portal de governança da América Latina – recebeu aporte de R$ 28 milhões no final do ano passado em uma rodada de Série A liderada pela Volpe Capital. Parte desse dinheiro será usado para investir no crescimento da Atlas nos cinco países em que tem presença fora do Brasil: Argentina, Chile, Colômbia, México e Peru. A companhia trabalha para aumentar em três vezes sua base de clientes para chegar a uma carteira com 1.200 clientes até o final deste ano. Fazem parte dos planos também saltar dos 12 mil conselheiros e membros de comitês para quase 40 mil em 2022.
Essa expansão, aliás, como o próprio estalo que deu início ao negócio, veio porque um membro de conselho que já era cliente no Brasil questionou se não haveria um jeito de levar o software da Atlas para uma empresa latino-americana. Acabou funcionando e o produto tem versões em português, espanhol e inglês.
Na entrevista a seguir, que começou a partir da pergunta “Governança para quê e para quem?”, Carone detalha sua visão sobre governança, o surgimento da Atlas Governance e os planos de expansão.
A disrupção no meu segmento é tornar a governança simples e acessível. Eu não diria nem tanto pelo aspecto digital, mas simples e acessível porque hoje é o oposto disso: a governança é complicada e para poucas pessoas e poucas empresas. A gente precisa trazer isso para a base porque isso muda todo o rumo de um país. Da governança do seu prédio até a governança do Governo Federal. A boa governança aplicada a todas essas esferas leva a um posicionamento de país completamente diferente.
O propósito da Atlas é tornar a governança simples, acessível e digital. São basicamente três coisas que a gente tem que fazer e já é um trabalho gigantesco. E observe que a gente começa usando só o termo governança e não governança corporativa, como todo mundo gosta de usar. Porque governança existe em todos os lugares.
A governança está presente na sua vida, no seu dia a dia. No seu prédio acontece uma vez por ano aquela assembleia para eleger o síndico, em que todos os condôminos são convidados a votar, não é? Essa é das melhores governanças que existe no mundo.
Um dos preceitos da governança é que você precisa separar a propriedade da administração. Os proprietários votam para eleger um síndico, que é quem administra. Mas o síndico não fica o dia todo disponível para cuidar das coisas do prédio. Então tem um zelador para isso. Quando você vai para uma empresa, os acionistas elegem o conselho – que é igual aos moradores elegerem o síndico –, mas como não estão todo dia na empresa, eles elegem um CEO, um presidente do mesmo jeito que o síndico escolhe o zelador.
Sempre que começo a falar de governança, eu começo dizendo ‘Muito prazer, eu sou o zelador da Atlas Governance’.
As pessoas complicaram muito esse conceito de governança. Para as grandes organizações, é um conceito que está relativamente claro. Mas não é acessível para pequenas empresas e seria muito benéfico que fosse.
Se você procurar no Google o que que é governança, vai encontrar umas definições de sete, oito linhas, sistemas de não sei o quê, de incentivo, tal. Ninguém vai entender isso, né? E enquanto for complicado desse jeito, ninguém vai usar.
A boa governança tem capacidade de mover o país numa velocidade enorme. Ela é aplicável desde o seu prédio de apartamento, passando pela padaria até chegar numa empresa de capital aberto.
Se a gente for levar ao pé da letra, o que é governança? São regras de funcionamento. E você não precisa de definições de sete, oito linhas, de complexidade, tal, para falar como as coisas funcionam. Se as coisas funcionarem e tiver regra para isso, todo mundo vive bem e todas as coisas terão um resultado muito melhor.
Na convenção do prédio não diz que não se pode fazer barulho após as dez da noite? Isso é uma regra de funcionamento que faz com que as pessoas possam conviver e não matar umas às outras como vizinhas. Só que ao invés de falar de um estatuto social de companhia de capital aberto, estou falando da convenção do condomínio.
A gente pode falar de clube, de igreja, nem precisa falar de Petrobras. No Brasil, as cooperativas tem uma governança maravilhosa.
Quando as coisas funcionam, tudo é melhor e mais fácil. Quando uma organização é consistente com seus números, com o que ela faz e com sua forma de funcionamento, ela provavelmente será capaz de conseguir crédito, esse crédito poderia ser mais barato.
A economia funciona melhor quando existem regras de funcionamento. A sua casa é uma casa melhor, o seu prédio, o clube, tudo funciona melhor quando há regras de funcionamento. No dia a dia, as pessoas precisam entender que elas já têm governança na vida delas em tudo que fazem.
Tem gente que ganha muito dinheiro com curso de governança e, para vender, o negócio precisa ser complicado, certo?
Por conta da complexidade que se criou em volta do conceito de governança, é que surgiu a Atlas. Nosso propósito é tornar a governança acessível e para ser acessível, um dos preceitos é que tem de ser simples.
A gente quer levar a boa governança para todo tipo de organização. Isso tem um impacto direto na empregabilidade, em crédito, em tudo o que faz as organizações funcionarem. Uma ONG, por exemplo, vai arrecadar dinheiro com mais facilidade. E quando dá transparência a tudo o que faz, você vai se sentir muito mais à vontade para doar dinheiro.
Esse é o nosso calvário aqui na Atlas Governance. Esse nome foi inspirado pelo Atlas da mitologia grega, condenado por Zeus a carregar o peso do firmamento nas costas pela eternidade. A gente entende que tem que carregar esse peso de fazer com que a padaria entenda o que é governança, que é bom pra ela e adote.
Eu participei da assembleia de uma empresa de capital aberto, que tem na bolsa aproximadamente 200 mil investidores. Sabe quantos estiveram na assembleia? Sete. Por que ninguém exerce o seu direito de voto? Porque é complicado. Como acionista, você tem que baixar um boletim de voto a distância, que é um documento em PDF, preencher, tirar cópia dos seus documentos, cópia da posição acionária, anexar tudo e mandar – tem empresa que nem aceita o digital, tem que ser por correio.
Agora, imagine que você está trabalhando em casa e recebe uma notificação no celular convocando para a assembleia dos acionistas, entra na plataforma e vota. São dois, três botões para clicar e você já registrou o voto. É isso que estamos construindo no momento.
A Atlas hoje é uma empresa de software com cinco anos de vida. Temos um único produto, que é o GOV, que cuida de governança, conselhos e comitês. Trabalhamos com governança nos níveis de acionistas, conselho e diretoria. E agora estamos desenvolvendo um produto novo, que vai digitalizar a experiência de assembleias. E que vai funcionar tanto para condomínios, quanto empresas de capital aberto. Assim, quem não vai à assembleia porque não gosta do vizinho poderá registrar o voto através de um aplicativo, sem ter que fazer muita coisa. As decisões colegiadas são decisões melhores, mas muita gente não quer lidar com a burocracia. A gente quer que as pessoas exerçam o seu direito de voto.
A gente quer trazer a boa governança do prédio, da empresa e acho que dá para chegar em algum momento até o governo.
Eu comecei a Atlas em 2015 depois de uma coisa que aconteceu comigo. Eu era conselheiro de uma empresa e tive meus bens bloqueados. Quando você é administrador, você responde pela empresa. Aqui no Brasil, é um pouco mais complicado. Se houver uma ação cujo valor é de 500 mil reais, por exemplo, a justiça bloqueia 500 mil de cada pessoa que faz parte do conselho e da direção. Então, às vezes se bloqueia 25 vezes o valor da ação.
Um dia eu acordo de manhã e não consigo sacar dinheiro, fazer nada, tudo bloqueado. Liguei para o advogado, entendi que o bloqueio era referente a tal empresa e pedi para acionar o seguro, que é feito nesses casos para pagar o advogado e, conforme o caso, até um valor mensal para cada pessoa. Só que não foi possível porque o seguro não tinha sido feito. O conselho do qual eu fazia parte aprovou seis meses antes a contratação, constava na ata, mas não foi feito. Essa foi a minha primeira dor.
E aí eu pensei: quantas coisas são decididas em conselho e não são feitas? Deve ter uns outros 100 problemas desse tipo. Aí pensei, ‘eu preciso digitalizar isso, senão vou continuar tendo problema para o resto da minha vida e não poderei mais ser conselheiro’.
Eu já passei por 25 conselhos de administração, que é bastante coisa. Eu lembro que em 2017, eu tive 17 bloqueios judiciais na minha conta. Aí eu decidi investir mais e criar esse produto que nós temos hoje, pensando que se tudo desse errado, pelo menos eu poderia usar esse software nos conselhos dos quais fazia parte. No final deu tudo certo e se você somar o segundo e o terceiro colocados no Brasil dentro do nosso segmento, os dois juntos devem ter um terço do tamanho da Atlas.
Mais de 15% das empresas listadas na bolsa já usam o nosso produto.
Temos aproximadamente 400 organizações e mais ou menos 12 mil conselheiros utilizando a plataforma em oito países. Estamos crescendo 10% a 12% ao mês, o que é muito bacana.
Agora estamos indo atrás de empresas que estão no início da jornada e precisam de apoio para dar esses primeiros passos. Temos entre nossos clientes empresas com 80 funcionários, mas que querem ter desde o início a plataforma para funcionar bem.
Hoje, além de Brasil, operamos no México, Colômbia, Peru, Chile e Argentina. No Chile estamos evoluindo bem, mas especialmente México e Colômbia, nosso produto tem tido uma aceitação bem forte.
Uma dificuldade com a qual a gente lida desde o início é a questão da confiança. Porque não é que a empresa me entrega a governança dela. Mas ela armazena os dados mais delicados dela com a gente. Então, tem que ter um processo de confiança muito forte e é por isso que mais de metade do nosso desenvolvimento está relacionado com cibersegurança.
Vários clientes nossos tiveram problemas com ataques, mas a parte dos arquivos que estavam conosco, foi tudo bloqueado 100%. Tivemos até depoimentos de clientes que tiveram sistemas em pane e nos contaram que a única coisa que continuou funcionando foi o Atlas. Isso traz confiança.
Todo ano, a gente passa por uns dez testes de penetração. Contratamos hackers profissionais, legalizados, para tentar invadir nosso sistema. E muitos clientes nossos também contratam empresas de segurança para tentar invadir o Atlas. Felizmente, ninguém nunca pegou nada até hoje.
Nossa área de Sucesso do Cliente vem recebendo cada vez mais demandas para prover um pouco de educação sobre governança para os colaboradores das empresas. Por conta disso, estamos estudando até com o nosso conselho de fazer investimentos maiores em educação. Mais uma educação de governança que seja acessível e se resolvermos fazer isso, não vai ser para vender curso, para monetizar, e sim para espalhar esse conhecimento.
Não pode ser complicado porque senão vai contra nosso propósito. Na hora de olhar para roteiro e processo, a gente tem que pensar assim ‘o cara da padaria vai conseguir entender?’.
Tudo que a gente faz segue o nosso propósito de ser simples. Você entra no Atlas e tem só um botão na tela. Você pensa, ‘nossa, deve ter sido a coisa mais fácil de desenvolver esse software’, né? Só que quando você olha para o processo, tem 20 coisas que deveriam estar naquela tela. A coisa mais fácil a fazer é colocar as 20 opções para o cliente. Só que aí vai se tornar complicado, ele vai ter um painel enorme e não vai saber o que fazer. Por isso, a gente arbitra a maior parte das decisões em nome do cliente e deixa para ele uma ou duas decisões por tela, não mais do que isso. Senão, ele não vai usar.
A governança tem a capacidade de ser o meio para os aspectos ambientais e sociais. É em mesa de conselho e comitês que se discute o que que vai ser feito em aspectos ambientais e sociais. Também nos últimos cinco anos, as pessoas formaram uma visão crítica sobre como as organizações funcionam e começaram a rejeitar produtos e serviços de empresas que não são sustentáveis e que não tratam pessoas da forma como deveriam.
O público hoje utiliza as redes sociais para amplificar sua voz. Chegamos ao ponto de empresas que não são capazes de existir sem causar danos ao meio ambiente ou sem promover diversidade e inclusão, correm o risco de não existir mais.
Eu concordo que as empresas deveriam nascer com uma boa governança, inclusivas, diversas, mas não é isso que acontece. Então, tem muito trabalho a ser feito com o E, o S e o G.
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