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Para 2021 a privacidade se torna um imperativo

Empresas baseadas em valores éticos elevarão a privacidade, dos clientes e funcionários, a um ativo estratégico para os negócios e um imperativo social

Por Cristina De Luca 09/11/2020

A utilização dos dados pessoais é um dos novos recursos do nosso tempo. São muitas as áreas que, diretamente ou indiretamente, recorrem ao tratamento de dados pessoais para obter aumento de eficiência e lucro.  Mas, cada vez mais, é imperativo que esse tratamento seja equilibrado, para proteger as pessoas e evitar que sejam submetidas à devassa de sua privacidade e, até, ao controle de sua vontade.

Privacidade não é sinônimo de proteção de dados. O direito à proteção dos dados pessoais vai muito além do conceito de privacidade. O direito à proteção de dados transcende a discussão entre o que é público e privado e diz respeito à capacidade do cidadão de autodeterminar seus dados pessoais e poder livremente desenvolver a sua liberdade. No campo jurídico, discute-se se a proteção de dados é uma evolução do direito à privacidade ou um novo direito da personalidade.

O fato de os dados pessoais serem a expressão direta da nossa própria personalidade é um dos motivos que levou vários países a incluírem sua proteção entre os direitos fundamentais do cidadão, explicitados na Constituição. E a considerarem a proteção de dados pessoais um instrumento essencial para a proteção da pessoa humana.

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O Brasil caminha agora nessa direção. Uma emenda constitucional já aprovada no Senado e em tramitação na Câmara, propõe inserir a proteção de dados entre os direitos fundamentais dos brasileiros. Será um reforço importante para a LGPD. Por quê? Porque tornará o Estado garantidor desse direito. O Estado brasileiro passará a ter um compromisso maior com a proteção dos dados pessoais de seus cidadãos.

“O setor público precisa considerar a proteção de dados pessoais no tratamento dos dados do cidadão. A lei vale para todos. Embora tenham conseguido uma brecha para evitar multas, os órgãos públicos não estão livres de outras sanções”, explica Fabrício da Mota Alves, sócio do Garcia de Souza Advogados e representante do Senado no Conselho Nacional de Proteção de Dados, órgão assessor da ANPD.

Além disso, há outras vantagens na PEC, na sua opinião. Entre elas, dar à proteção de dados pessoais tratamento diferenciado, tornando-a praticamente imutável, por depender de um processo mais complicado para mudanças (por meio de emenda à Constituição) do que uma lei ordinária, como a LGPD. E ainda de separar totalmente a proteção de dados da tradicional discussão sobre privacidade. Hoje, muitos críticos à PEC 17/2019 argumentam que a Constituição Federal já garante o direito à privacidade. O inciso X do artigo 5º, por exemplo, diz que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

“Tratamos a privacidade a partir do princípio da inviolabilidade, em especial da comunicação de dados. O que acontece é que a proteção de dados pessoais vai além. É muito mais do que mero desdobramento da tutela do direito à privacidade”, afirma Fabrício.

Na opinião dele, outras questões devem ser consideradas, abrangendo aí as diversas formas de controle possíveis a partir da manipulação de dados pessoais. O exemplo da atuação da Cambridge Analítica, e suas consequências para ingleses e americanos, ilustra bem essa questão. O tratamento das pegadas de interação que deixamos por aí, on e off-line, precisa estar coberto por este direito.

Em cada curtida feita nas redes sociais, cada clique nos sites que visitamos, conversa com o gerente do banco, pagamento na farmácia ou no supermercado em que damos o nosso CPF em troca de um desconto, ou mesmo no uso dos vários aplicativos instalados nos nossos smartphones, deixamos para trás dados pessoais que vão muito além do nosso nome, RG, endereço…

Todos esses rastros vinculados a nós são pedaços de informações que, uma vez agrupados, são capazes de compor um retrato bastante preciso sobre nossos gostos, predileções, e características de nossa personalidade. A partir desse retrato, uma série de decisões serão tomadas a nosso respeito. Se não estivermos no controle dos nossos próprios dados, pouco poderemos fazer a respeito de como seremos vistos e, até mesmo, julgados.

Muitas vezes “essa imagem virtual construída a nosso respeito nos leva a lugares desconhecidos, sem que saibamos, impactando as nossas vidas em uma sociedade cada vez mais orientada por dados”, costuma dizer o professor Bruno Bioni, fundador do Data Privacy Brasil.

Sobre isso, vale ouvir o episódio abaixo, do The Shift podcast.

Privacidade em alta

Enquanto a cultura de proteção de dados vai sendo promovida por governos mundo afora (mais de 120 países já têm legislação específica), o conceito de privacidade de dados vai se consolidando como uma parte da área de proteção de dados que trata do tratamento adequado dos dados. Isso inclui como os dados devem ser coletados, armazenados e compartilhados com terceiros, bem como a conformidade com as leis de privacidade aplicáveis.

Privacidade de dados não é bloquear dados e descartá-los sem uso, é mais sobre como utilizar os dados de forma adequada, protegendo as preferências de privacidade dos indivíduos.

Da Forrester ao Gartner, a maioria das consultorias aposta que, após uma desaceleração devido à pandemia, as interdependências cada vez mais evidentes entre privacidade, ética, justiça e transparência levarão a um maior escrutínio não apenas dos reguladores de privacidade, mas também das autoridades de concorrência e órgãos de proteção dos direitos dos consumidores em 2021.

Apesar da economia em recessão, os consumidores preferirão cada vez mais se envolver e confiar seus dados a negócios éticos. A ética dos dados também impactará os relacionamentos B2B e os próximos 12 meses testemunharão o fortalecimento ou o rompimento de parcerias com base nas práticas de tratamento de dados.

A privacidade será cada vez mais percebida como um impulsionador de receita, vinculada à resiliência do negócio, e um risco sistêmico se não for tratada adequadamente.

A pandemia colocou questões de privacidade do funcionário e risco do fornecedor em primeiro plano, exigindo suporte adicional para RH e partes interessadas em risco.

A ascensão de clientes baseados em valores, com a privacidade como o valor corporativo número um que mais importa, incentivará as empresas a incorporar a privacidade à experiência do cliente.

Na era da economia de dados, o verdadeiro valor da empresa reside nos ativos de dados coletados que merecem ser protegidos e mantidos. No entanto, as pessoas esperam que empresas públicas e privadas tenham em mente que os dados não são deles. Estão apenas emprestados pelos verdadeiros donos: cada um de nós.

Qual o valor dos dados para os consumidores?

Os organismos europeus de defesa do consumidor identificam quatro principais tendências da Economia Data Driven: (1) o desequilíbrio cada vez maior do ecossistema de dados; (2) a dificuldade em regulamentar as plataformas, onde a coleta de dados se tornou massiva, e os data brokers se tornaram especializados na negociação desses dados; (3) os riscos crescentes da disseminação desenfreada de algoritmos preditivos e do Machine Learning para a liberdade de escolha; e, por fim, (4) a repartição injusta da monetização e do valor criado através do tratamento dos dados dos consumidores.

Ultimamente, governos e ativistas têm se preocupado mais em solucionar as três primeiras tendências, esquecendo que a consciência da última é o que pode dar aos consumidores poder de restabelecer a confiança necessária ao desenvolvimento da Economia Digital.

A nova cadeia de valor digital deve tornar os consumidores sujeitos ativos do emergente mercado de dados. Em outras palavras, o valor gerado não deve beneficiar somente um dos lados da equação (só os anunciantes,  ou só os consumidores). Deve beneficiar ambos (anunciantes e consumidores). O que significa ir muito além da venda ou da troca do dado por conveniência na prestação de um serviço ou fornecimento de um produto.

É preciso transformar a força dos consumidores na “enzima” positiva na nova economia, de modo a promover a existência de um ecossistema digital mais equilibrado, caracterizado não apenas pelo respeito aos direitos, mas também pela capacidade do compartilhamento dos benefícios econômicos.

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