Quem acompanha as notícias sobre negócios frequentemente se depara com manchetes que destacam investimentos milionários em empresas com menos de uma década desde a fundação. Só no mês de janeiro de 2021, houve 25 aportes, de ao menos R$ 1 milhão, em startups brasileiras, além de oito aquisições. Vale o destaque para os unicórnios MadeiraMadeira e Nubank, que levantaram respectivamente US$ 190 milhões (R$ 1,02 bilhão) e US$ 400 milhões (R$ 2,14 bilhões) no início do ano.
Esta nova dinâmica confirma o que Clayton Christensen, ex-professor de business da Universidade de Harvard, já destacava no livro “O Dilema da Inovação“, publicado em 1997: inovação e tecnologia são as grandes forças que transformam mercados e acabam com grandes empresas no século XXI. Afinal, acabamos de testemunhar o Nubank, fintech com sete anos de estrada, ultrapassar o Banco do Brasil, fundado em 1808, em valor de mercado.
Por trás destas transformações no setor corporativo – que alteram profundamente outras partes da sociedade, como academia, governo e o próprio comportamento da população – estão investidores dispostos a apostar nas inovações. São eles que possibilitam a cultura de tomada de risco, de testes, de escala e de erro que possibilitam o desenvolvimento de soluções inovadoras (processo que costuma “queimar caixa”). E, nesse caso, a palavra “aposta” tem seu sentido completo condizente com o tipo de investimento. O dinheiro aplicado em startups é chamado de Venture Capital (VC), ou Capital de Risco, exatamente pela baixa chance de retorno ao investidor. Por outro lado, caso este retorno se concretize, ele será muitas vezes maior do que o valor aplicado.
Como estes investidores definem quais startups têm maior chance de escalarem e gerarem retorno? Quais métricas de negócio são avaliadas? Que características do empreendedor mais importam? Estas são algumas das perguntas que todo fundador de startup gostaria de desvendar, mas as respostas são variadas e complexas. Dependem da tese de investimento de cada fundo, o que envolve fatores como modelo de negócio, setor de atuação e estágio de evolução da empresa.
Neste Especial 360, a The Shift explora em quatro reportagens as principais tendências em investimentos em startups no Brasil e traz insights de investidores e empreendedores com experiência em captação de aportes. Confira:
De acordo com levantamento do Sling Hub, o Brasil tem hoje mais de 15 mil startups. Conforme mostra o infográfico a seguir, essas empresas movimentaram mais de R$ 19 bilhões em investimentos em 2020. O valor está no mesmo patamar de 2019, muito por conta da desaceleração dos aportes no primeiro semestre devido à pandemia da Covid-19. Mas a expectativa é que 2021 seja melhor: apenas em janeiro, o valor investido em startups representou 18% do total do ano passado, segundo o Distrito.
Os dados acima apontam para a grande concentração do capital de risco no eixo Sul-Sudeste, especialmente no Estado de São Paulo. Além disso, fica clara a predileção dos investidores por startups do setor financeiro. Vale ressaltar ainda que a maior parte dos negócios se concentra nos primeiros estágios de evolução de uma startup (até o seed), mas os aportes maiores são, claro, para as startups mais avançadas.
Há um consenso entre investidores e empreendedores experientes no mercado de que o valor de um aporte representa apenas uma parcela do real benefício que ele traz ao negócio. Em entrevista exclusiva, Arthur Garutti, sócio da aceleradora ACE, explica como escolher entre duas propostas de investimento cujo aporte financeiro é o mesmo.
“O que fará o investidor decidir entre um lado ou o outro? É o aspecto do smart money: você entender se aquele investidor é alguém que abrirá portas no seu segmento para você tracionar mais rápido a sua startup; se você venderá mais através do networking desse investidor; ou se ele conseguirá colocar uma camada mínima de governança na sua startup. Tem que conhecer o background do investidor, o quanto ele já fez investimento, qual é o portfólio, conversar com as startups do portfólio dele. Tudo isso faz a diferença”, afirma o sócio da aceleradora, que realiza investimentos em startups brasileiras no early stage.
Na mesma linha, Nathan Yoles, sócio da fintech Weel, afirma que preços e valores são temas discutidos e negociados na mesa. “O que não é negociável é o alinhamento desse propósito do investimento, aonde queremos chegar com isso, e quais são as ferramentas e capacidades que o fundo pode contribuir naquele segmento em específico ou naquele momento em específico para a startup”, revela à The Shift. A Weel já levantou quatro rodadas de investimentos desde o Series A, com um total de US$ 63 milhões em aportes, além dos fundos iniciais obtidos no modelo Family & Friends.
Por mais que investimentos milionários sejam essenciais para a tração e escala de um negócio inovador, há uma dinâmica hoje no mercado que superestima a importância do valor dos aportes em detrimento a outras métricas relevantes sobre uma startup. “Se divulga muito pouco faturamento, se divulga muito pouco tração e se divulga demais o valor de investimento, como se fosse o maior troféu da vida de uma startup. Isso é prejudicial para o ecossistema porque você gera uma pressão para aquele empreendedor que fica lendo notícias sobre aportes milionários”, opina Arthur Garutti. Vale lembrar que 73% das startups nunca receberam investimento externo.
Nesse sentido, é importante ressaltar também que todo investimento traz uma série de responsabilidades que nem sempre deveriam ser “comemoradas” pelo empreendedor. O livro “Viva The Entrepreneur”, de Brian Requarth, fundador da imobiliária digital Viva Real, destaca que “em análise final, levantar um aporte não é, em si mesmo, motivo para celebrações. Apenas significa que agora você tem uma tonelada de novas responsabilidades e mais stakeholders envolvidos no seu negócio”.
“O empreendedor esquece que, ao ganhar um investidor, ele ganhou uma trava na vida. Porque ele terá que reportar, terá que dar retorno para esse investidor”, complementa Arthur Garutti.
Nem todo novo negócio deve ir atrás de investidores externos. Em muitos casos, fundos pessoais, de family & friends ou mesmo stock options para os primeiros colaboradores já são suficientes para construir uma base estável à empresa. Há, também, a alternativa de obter crédito para PMEs, um mercado cada vez mais competitivo por conta das startups.
“Venture capital, por exemplo, exige empresas que vão ficar muito grandes. Se o empreendedor quer um lifestyle business, quer ter um negócio legal, ser seu próprio chefe, mas não quer construir uma empresa gigante, não vai funcionar um VC. Não que a escolha dele seja certa ou errada, é diferente do caminho que nós conseguimos ajudar e que é necessário para termos retorno”, explica o sócio da ACE.
Sobre esse ponto, o livro “Viva The Entrepreneur” desenvolveu um guia com cinco aspectos que os investidores avaliam antes de realizar um aporte.
1. TAM de respeito
TAM (Total Adressable Market, ou mercado total endereçável) é uma métrica que define a oportunidade de mercado possível para determinado produto ou solução. Os fundos de VC estão atrás dos grandes mercados, especialmente os que têm mais ineficiência e, portanto, maior oportunidade de escala para a startup.
2. Tecnologias subutilizadas
Startups não precisam, necessariamente, inventar uma tecnologia nova. Elas podem – e devem – criar soluções com tecnologias já existentes em mercados nos quais não são adotadas pela indústria. O capital financeiro está sempre de olho em inovações que transformam um setor, não necessariamente em novas tecnologias disruptivas.
3. Receita hoje
Redes sociais são exemplos de startups que precisam ter milhões de usuários antes de começar a gerar receita. Claro que Facebook e Twitter não foram mau negócio para os investidores. Mas, de forma geral, o capital de risco prefere startups em que o modelo de negócio já está comprovado pelo faturamento, ainda que em pequena escala.
4. Benchmark com o exterior
É mais fácil para um investidor acreditar no potencial de um negócio se existe um par de sucesso no exterior. Cópias são bem-vindas, desde que se adaptem às características locais. Na maioria das vezes, os grandes pólos de inovação do mundo são a inspiração que todo empreendedor precisa na hora de fundar uma startup.
5. A dor é clara
Não adianta criar a solução para um problema que não existe. Os fundos de VC estão interessados em dores reais do mercado, que são facilmente identificáveis. Mesmo que a solução não seja perfeita, o fato de ela endereçar um problema real já atrai o capital de risco.
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