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Professor José Cláudio Securato, presidente da Saint Paul Escola de Negócios Foto: divulgação
ENTREVISTA

Ensinando pessoas a prosperar em um mundo caótico

Em um mundo diverso e "sem trilhos", diz o presidente da Saint Paul Escola de Negócios, José Cláudio Securato, é preciso saber tomar decisões genuínas em cenários imprevisíveis

Por Silvia Bassi 18/08/2022

Existem três coisas com que você e sua empresa deveriam estar se preocupando nesse momento – diversidade, ESG e transformação digital. Para o professor José Cláudio Securato, presidente da Saint Paul Escola de Negócios, essas três coisas são pilares para viver em novo mundo, o TERRADOIS (mundo pós-moderno), que ao invés de ser vertical, como o mundo do Século 20 (o TERRAUM, ou mundo moderno), é horizontal, caótico, diverso, imprevisível e cheio de oportunidades. Um mundo no qual é possível escolher ser qualquer coisa, mas é necessário assumir responsabilidades de editor ao invés de patrocinador.

“O mundo horizontal é diferente porque ele é um mundo diverso, com inúmeras possibilidades. E por ser plural e diverso, ele não é previsível, não é sequencial. Então dá muito mais aflição de viver, porque eu não sei o que vai acontecer”, diz Securato em uma entrevista à The Shift. “Ninguém vai dormir em um mundo e acordar no outro”, explica. Estamos nesse momento migrando de um para outro e aí é preciso não só mudar completamente o modelo mental como se dispor a ter conversas incômodas, sobre vieses e teatralidade corporativa, por exemplo.

A Saint Paul criou uma série de cursos chamados de High Impact Programs (Programas de Alto Impacto), que passam pelos três pilares. Um dos cursos é o SEER: Programa Avançado para CEOs, Conselheiros e Presidentes, cujo foco é exatamente preparar as pessoas para lidar com o TERRADOIS. “O SEER é um programa para te mostrar como você consegue lidar com o inconsciente, com o irracional do processo decisório, porque você trabalha com pessoas que têm os mesmos vieses que você”, explica.

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Como, por exemplo, pensar que comprar um NFT  “é coisa de maluco”. “A gente acha que só pode inovar na realidade que está dada. Mas quem disse que no TERRADOIS tem realidade”, questiona Securato. Confira a íntegra da conversa abaixo.

Diversidade é…

“Como escola, nosso papel é olhar o mundo e uma realidade que nem a gente, nem a escola controlam. Todo dia essa realidade tem uma “carinha diferente”, ela é móvel, e é nesse contexto que vamos viver e atuar. O nosso papel é encontrar formas de desenvolver as pessoas para isso.

A gente não fala mais de futuro do trabalho, futuro dos negócios, ou do futuro da economia… Esse futuro, na verdade, acontece gradativamente, com pequenas mudanças todos os dias, e vai se moldando. Não existem grandes barreiras. Ninguém vai dormir na Idade Média e acordar no mundo moderno. O que está acontecendo, que é muito forte, é ter a possibilidade de estar num processo de mudança muito profunda.

Esse mundo novo, independente do desenho dele daqui para frente, vai ser pautado por ESG. Vamos sair de um mundo de extração, de uma economia extrativista, para um mundo regenerativo. Não é um mundo de compensações. É um mundo de fazer para não precisar compensar. É uma mudança drástica.

A questão da inclusão e da diversidade esbarra no ESG quando a gente fala do social. Mas é maior que isso. Vai desde as discussões de quotas até uma profunda visão de integrar partes que estavam fora da sociedade para dentro da sociedade. A base tecnológica mudou, portanto não tem como não encarar a transformação digital, se a base tecnológica mudou.

O SEER é a base para definir os dois mundos e é a base pela qual, ao entender o novo mundo, a gente vai conseguir fazer ESG de verdade, transformação digital de verdade, integração de pessoas de verdade.

O professor Jorge Forbes, um grande psicanalista e distinguished professor da Saint Paul, fala que estamos vivendo a maior mudança dos laços sociais nos últimos 2800 anos. Por que isso é importante? Porque o mundo se organizava por uma estrutura vertical (TERRAUM) e a gente está indo para um mundo horizontal (TERRADOIS). Essa é a maior mudança de todas, e ajuda muito a gente entender por que que o mundo está tão diferente assim, tão complicado assim.

O mundo vertical é um mundo que tem alguém no topo explicando e moldando a forma pela qual a gente pensa, dizendo como a gente tem que viver. O mundo vertical é um trilho, previsível, esperado e sequencial. Não tem novidade. Sua principal característica é a disciplina. Não que a disciplina não seja uma coisa boa, é bom ser disciplinado com sua saúde, por exemplo. Mas não a disciplina de fazer sem questionar e seguir um trilho.

No início, 20 séculos antes de Cristo, a lógica inicial era a lógica da natureza, a grande fonte de inspiração e de explicação para poder viver. Era o mundo pagão, no qual as pessoas tinham a natureza como base das explicações para sua vida. “Se eu comi hoje é porque a natureza quis. A chuva levou a minha comida embora porque a natureza não quis. Então eu faço oferendas aos deuses”.

Depois, ainda em um mundo vertical, substituímos a natureza pela religião. Essa mudança é muito forte, principalmente na cultura ocidental. Na conversão de Constantino, imperador de Roma, como cristão, entra a religião no topo. Quando ele proíbe a perseguição de católicos e a igreja passa a ser a religião oficial (por isso se chama Igreja Católica Apostólica Romana).

No Iluminismo é a razão. É uma mudança profunda porque é o homem no centro. Não o homem no centro como superioridade religiosa, mas na ideia de que Deus é tão bom que fez o homem e a mulher e a natureza com tantos detalhes e a gente vai refletir todos esses detalhes. Continua sendo religioso, mas eu preciso explicar, eu preciso verificar e ter experiências para explicar tudo isso.

A mudança agora é para o mundo horizontal, onde não existe alguém dizendo como a gente tem que viver. E isso é um problema, porque se não tem a natureza explicando, se não tem Deus explicando, se não há lógica, razão ou racionalidade explicando, quem é que está me explicando? Ninguém!

O mundo novo é diferente porque ele é um mundo diverso, com inúmeras possibilidades. E por ser plural e diverso, ele não é previsível, não é sequencial. Então dá muito mais aflição de viver, porque eu não sei o que vai acontecer. Nesse mundo antigo eu sei o que vai acontecer, mas nesse mundo novo eu não sei. E esses dois mundos se chocam. De novo, ninguém dorme em um mundo e acorda em outro. Essas coisas vão começando a acontecer.

Por exemplo: “por que alguém compra 15 cm² do Austrálian Open, em NFT, uma arte criptografada em blockchain? Não consigo entender por que a pessoa tomou essa decisão”. Claro que não. Porque não tem ninguém explicando a decisão. O ser humano carece de explicações racionais, carece desse mundo protocolar, baseado em muitos frames, no qual eu vou fazer o que todas as pessoas estão fazendo.

Esses são os dois mundos que o Forbes identifica. Veja, a psicanálise é uma lente, tem várias outras lentes. Para a psicanálise é o consciente e o inconsciente. Mas você pode pegar as outras ciências sociais, ciências das Humanidades, todas vão explicar de forma muito parecida. Para a sociologia é o objetivo e o subjetivo. Para a filosofia é a ética e a estética. Esses grupos vão tangibilizando esses dois mundos sempre de forma ocupacional, racional. Sempre objetivo e subjetivo. A ciência explica pelo cognitivo e não cognitivo. A gente está acostumado com o cognitivo – o QI – mas aí aparece aquela conversa, há 30 anos, de que existem outros tipos de inteligências, existe a inteligência emocional e outras inteligências…

Aí entra a lógica de resolução de problemas. Teoria do caos, teoria da complexidade… Tem problemas complicados que eu resolvo. E tem problemas complexos e caóticos que eu não necessariamente resolvo. Eu aprendo a me movimentar com o problema caótico, eu aprendo a dançar com o problema. O problema caótico tem um número de variáveis muito maior e as variedades se movimentam, se correlacionam entre si, e surgem e deixam de existir variáveis a todo momento.

Um problema simples é fácil de resolver, tipo “aumentar o lucro. Aumentar as vendas é fácil, eu sei quais são as variáveis. Eu aumento o preço. Se as pessoas não pagam, tenho que vender para mais gente. Não que seja fácil de implementar, mas é um problema que tem frames: planilha, consultoria de vendas etc. Tem receita para isso.

Mas, e quando eu quero resolver um problema complexo, um problema caótico? Como uma startup que nasceu ontem está quebrando meu mercado? Eu não sei nem quem é essa startup, nem sei qual será a próxima startup. Nem sei que essas duas startups estão fazendo uma fusão e vão virar uma empresa gigante que vai matar meu negócio.

As gerações, como a gente classifica com letras e nomes, elas capturam pedaços desses elementos, mas elas não são a definição desses elementos. Não é porque você nasceu depois da década de 90 que você é TERRADOIS, embora você possa carregar algumas dessas características.

Quando a gente compara, por exemplo, a disciplina e a responsabilidade, entre um mundo e outro, isso fica claro. A disciplina é um pai, uma mãe de algum jovem que vão dizer para o jovem que ele precisa passar de ano. E não tem nada mais TERRAUM do que passar de ano, um atrás do outro. Mas quando você troca por “faça o que você quiser e se responsabilize por isso”, aí é um grande problema, porque não quer dizer, por exemplo, que a geração Z queira se responsabilizar pelo que está fazendo. Ela vai pegar uma parte do TERRADOIS, mas não tem ainda a essência do TERRADOIS.

A base do TERRADOIS é a horizontalidade. Você não obedecer a padrões. É um mundo de autonomia e de conseguir se responsabilizar pelas escolhas. Ao escolher uma coisa, você sabe que deixou dez outras coisas para trás. Esse tipo de responsabilização aparece todo dia na nossa vida, por meio de pequenos movimentos. É uma vida mais difícil que a vertical, porque você pode ser o que você quiser. Quer casar? Pode casar. Não quer casar, quer casar com uma pessoa do mesmo sexo, quer ter três profissões… tudo pode.

A pessoa TERRAUM que se sente TERRADOIS fala o seguinte: “terei três carreiras na vida. Vou trabalhar dos 20 aos 40; dos 40 aos 60 etc.”. Quem é TERRADOIS de verdade já tem três profissões. Ele é chefe de cozinha, é executivo, é vendedor de alguma coisa, e toca harpa em um conservatório. Porque ele não precisa se encaixotar ou estabelecer algum padrão. Para o TERRAUM, quem dá certo é quem tem foco, uma só profissão. E quem escolhe ter mais do que uma parece desfocado por essa lente. .

Foco é característica de TERRAUM. No TERRADOIS é multiplicidade, diversidade. É você de fato poder conviver com várias opções no mundo horizontal. Os governos ainda são TERRAUM. Uma parte da linha educacional ainda é TERRAUM, uma parte das empresas também. Estamos vivendo um processo migratório, experimentando algumas coisas do TERRADOIS.

As formas de enxergar para onde vamos passam por alguns pilares – diversidade, ESG, transformação digital, tudo isso está em cada um dos cursos que a gente faz. A gente fala por exemplo em exponencialidade e linearidade. Imagine a transição de 1880 para 1930, deve ter sido uma loucura. Você tinha automóvel, você tinha energia elétrica, você tinha telefone. O homem de 1870 estava vivendo como o de 1850, que estava vivendo como o de 1750, que vivia igual à pessoa de 1650. Era tudo muito parecido e aí ficou tudo muito rápido.

De repente aparece o telefone. A pergunta certamente seria ‘por que que alguém passa a mão no telefone e liga para outra pessoa? É a coisa mais imbecil que eu já ouvi’. Veja, é a mesma coisa de alguém estar falando agora ‘porque que alguém vai entrar no metaverso?’

A empresa precisa enxergar que existem muitas oportunidades. E ela zerou o cronômetro. Ela precisa tirar o efeito do medo para conseguir perceber isso. E o principal para conseguir fazer isso é ela entender que o que ela faz está certo, gera sucesso, gera lucro líquido no final do ano etc. Mas esse modelo não vai perenizar o negócio.

A gente fala de transformação digital porque o ferramental mudou. Ou seja, se você está na sua empresa e não está pensando em tokenização, otimização de processos com IA, você está pensando numa empresa em 1900. Que não vai usar energia elétrica. “Nós estamos bem, aqui no lampião, está tudo sobre controle, vamos continuar aqui entregando de cavalo”.

A matriz tecnológica mudou, a tecnologia está à sua disposição e um monte de gente vai começar a implementar. Com uma grande diferença: o mundo de 1900 era linear. Então a implementação e a qualidade aumentavam linearmente. No mundo exponencial, a tecnologia dobra sua potência, sua capacidade de entrega a cada 18 meses.

O mundo exponencial tem só um problema: se você não for, ele passou. É muito rápido, fica difícil de alcançar. Mas é difícil as pessoas enxergarem isso. No mundo linear, você dá 30 passos e chega na esquina. No mundo exponencial, 30 passos te levam para a Lua.

O segundo ponto é a questão do ESG. A governança é um ponto mais fácil para as empresas. Porque uma empresa está regulamentada, tem bastante governança. Uma empresa listada em Bolsa tem bastante governança. Uma empresa que era familiar e passou por um processo de profissionalização, ela melhorou a sua governança. A governança não é o maior desafio para o Brasil.

O social, existe uma parte que é feita. Mas com uma característica meio de doação. Uma empresa, por exemplo, pega 1% do lucro, coloca em uma fundação e diz que está fazendo o papel social, portanto seu lucro não pode ser criticado. O social genuíno passa por inclusões. Não é ruim produzir carbono e neutralizar, mas isso não é suficiente. É preciso reformular o social no sentido do que é feito. Se eu faço da forma correta não preciso compensar. A economia regenerativa é inclusiva, ela é ambientalmente sustentável.

Resolver as coisas com dinheiro é a forma mais cara de resolver e não vai se sustentar, porque ela carrega o caráter de TERRAUM, que é não ser genuíno. O mundo corporativo é repleto de representações, de teatro. Uma empresa paga para fazer offset do carbono, para se livrar de uma queixa social ela patrocina a cultura. Uma empresa TERRADOIS ela é editora de cultura, ela entende que é preciso ter mente regenerativa.

O SEER tem esse nome porque basicamente é um programa de tomada de decisão de forma genuína – ser autêntico. A gente foi treinado na escola e no trabalho a tomar decisão pelo lado racional. Se o business plan parar em pé, quem vai contestar. Mas essa lógica é complicada, porque não é assim que a gente toma decisão. O mundo corporativo é cheio de vieses cognitivos fortes, até mesmo na contratação de pessoas, de liderança. O SEER é um programa para te mostrar como você consegue lidar com o inconsciente, com o irracional do processo decisório, porque você vai lidar com pessoas que têm os mesmos vieses que você.

A gente acha que só pode inovar na realidade que está dada. Mas quem disse que no TERRADOIS tem realidade? Por que eu não posso impor um pouquinho e fazer a minha realidade? Vai ter muita gente querendo fazer ESG pelas razões erradas. Para patrocinar cultura ao invés de editar a cultura. Não queremos que nossos alunos façam o programa de ESG para compensar carbono. Eu quero que eles façam para pensar como mudar o modelo de negócios, para que o resultado desse negócio não necessite neutralizar o carbono.

Isso tem um efeito super estratégico para o país. A gente vai ter que aprender a liderar, empreender no mundo corporativo, gerar PIB, gerar emprego, gerar riqueza e distribuir essa riqueza. E aí os três pilares – ESG, Diversidade e Transformação Digital – se complementam, abraçados pelo SEER, que via ajudar as pessoas no processo de tomar decisões. E a base para a gente é a educação, porque não somos obrigados a saber tanta coisa.

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