Marcos Mueller, CEO e founder da aceleradora Darwin Startups, é filho do fortíssimo ecossistema de inovação e empreendedorismo de Santa Catarina. Após anos trabalhando em diferentes incubadoras em Florianópolis, Marcos, em 2016, resolveu criar a aceleradora que suportaria startups e corporações na busca por inovação e prosperidade. “Para nós, quando falamos de empreendedorismo, taxa de sobrevivência não quer dizer muita coisa, é meio que andar de lado. A tese tem que ser sobre crescimento, capacidade adaptativa, e não-fragilidade”, afirma Mueller.
Na Darwin, o mantra é “adapt or die“, o fio condutor da Teoria das Espécies, de Charles Darwin. Entre 2018 e 2021, a Darwin foi eleita quatro vezes a melhor aceleradora do mercado brasileiro pela ABStartups, e acumulou um portfólio com mais de 100 startups, e parceiros corporativos como B3, Safra, Sinqia e RTM, com projetos desenvolvidos para o BID e Google for Startups.
Como a serendipidade é uma constante no universo empreendedor, não é de surpreender que Mueller e Darwin (o cientista) tenham mais em comum do que o nome. Alguns anos após criar a aceleradora, ele descobriu que, em 1864, em Nossa Senhora do Desterro, onde hoje é Florianópolis, o médico, naturalista e professor teuto-brasileiro, Franz Müller, fez história ao estudar minuciosamente os crustáceos da região, durante dois anos, para comprovar a teoria darwiniana da evolução das espécies por meio da seleção natural do mais apto. Müller, o cientista, tornou-se amigo de Darwin que, impressionado com o trabalho, bancou a publicação do livro do próprio bolso, batizado de “Para Darwin”.
No final de agosto, durante o Startup Summit, em Florianópolis, a Darwin anunciou a captação de um fundo de R$ 80 milhões e a entrada de um novo sócio-investidor, a XMS Investimentos, como parte da estratégia de ampliar a oferta de soluções e produtos para startups e corporações. Como a XMS é uma gestora de fundos e de patrimônio de investidores privados (family office), abre as portas para que a Darwin também possa ser gestora, iniciando nova fase da operação. Mueller diz que a XMS Investimentos traz, além de capital, conhecimento para a construção de novas fontes de receitas, serviços e produtos.
“A gente divide a nossa história em expedições, para explicar a analogia com o nome Darwin. A Darwin foi criada para ajudar na jornada de quem funda startups a encontrar mercado, funding, etc. A primeira expedição, para validar nosso sonho, foi sensacional. Achamos empresas muito legais, empreendedores muito legais. Mas vimos que, para ajudar de fato, era importante trazer clientes, trazer mercado… Foi aí que partimos para a segunda expedição: ajudar corporações a interagir com startups, gerando negócios para startups e inovação para a corporação, e levantar recursos com grandes players estratégicos,” diz, em entrevista exclusiva para a The Shift, sobre a terceira expedição da Darwin, que você lê abaixo.
Hoje nos colocamos como um player de construção de relacionamentos estratégicos entre corporação e startup. Porque essa relação precisa de um tradutor. São dois mundos muito diferentes. Os prêmios que ganhamos como melhor aceleradora foram por conseguir juntar bem esses dois mundos.
Quando a gente olha para a jornada de uma startup, vemos que chega um ponto em que ela precisa de mais recursos, de outros tipos de serviços, e isso acontece também em outros mercados. Portanto, é natural que a gente tenha decidido ampliar nosso escopo nessa terceira expedição, que chega com a entrada do fundo, para a gente conseguir dar mais pista para a startup – investir mais dinheiro para que ela possa ter mais horizonte, desenvolvimento de produto etc.
Não é só uma aceleração – aquele dinheiro pequeno (R$ 200 mil, R$ 500 mil), mas sim mais dinheiro e mais serviços. As fintechs, por exemplo, precisam de crédito para funcionar, e temos várias no nosso portfólio.
Em paralelo, tem o lado das corporações, e nesse caso a terceira fase nos coloca na posição de ser uma caixa de ferramentas para as empresas e para o corporate venture capital (CVC). Para ajudá-las a experimentar teses de produto e continuar investindo, criando laboratório de inovação e gerando valor a partir da própria inovação e também da startup.
Estamos nos colocando como uma autoridade no assunto para as corporações que querem inovar a partir de startups. Quantas das 500 maiores empresas do Brasil estão nesse estágio? Poucas. Mas para essas eu sou a bala de prata.
Essa visão é resultado de uma encruzilhada que a gente encontrou em 2018, 2019, quando estávamos com os dois pés, um em cada canoa: tínhamos um modelo vencedor de investimento em startups, mas 100% do nosso dinheiro vinha das corporações, que nos enxergavam como seus parceiros estratégicos de inovação. Naquele momento, nossa avaliação era “está tudo bem, as canoas estão coladinhas”.
O problema é que a canoa das corporações cresceu muito rápido e de repente apareceu um monte de empresas atuando como consultorias para criar corporate innovation. A gente não queria ser consultoria, nem competir com consultorias. Nossa tese é ser o parceiro que vai ajudar a corporação a investir em startups e, a partir desse investimento, gerar inovação.
O cliente ideal para Darwin é qualquer corporação que está fazendo Open Innovation, e que decidiu que parte dessa estratégia passa por investir em startups. É uma diferença sutil, mas é importante, porque nos obriga a sempre olhar para os melhores investimentos para cada corporação.
Foi assim com a B3, foi assim com o Safra, por exemplo. A gente protagonizou as primeiras iniciativas de investimento deles em startups, e hoje eles têm várias outras e continuam com a gente. Porque não faz sentido uma empresa montar um CVC com milhões para investir e não ter experimentado primeiro para entender todo o processo.
Nós somos um fast track para as empresas, uma aceleradora do processo de CVC da corporação. Dizemos “experimenta uma estratégia de CVC comigo, investindo menos dinheiro em menos startups. Vê se tu consegue engajar seus executivos, vê se faz sentido para a estratégia da empresa… “. Porque a empresa não precisa errar com R$ 10 milhões, erra com pouco e aprende a fazer CVC.
O retorno de um CVC não vai ser medido com retorno de capital. Será medido como retorno estratégico. Como você consegue isso, se o seu time executivo ignora o processo? Uma parte do nosso trabalho, por exemplo, é fazer workshop para ensinar as pessoas da empresa a fazer mentoring de startup.
O fundo de R$ 80 milhões vai nos permitir investir em startups que precisam de cheques maiores e querem fazer parte do nosso ecossistema, e investir nas empresas do portfólio que cresceram e precisam de funding. A entrada da XMS Investimentos como sócia-investidora é uma coisa inusitada para uma aceleradora, mas nos abre novos caminhos de atuação. É um passo importante para nossa história, trazer um sócio com alinhamento de valores que compartilha uma visão bastante sinérgica sobre o nosso mercado.
Ela é uma gestora de family office, e essa experiência nos ajuda a mudar a nossa natureza de acelerador para gestor. Nossa visão é que as empresas que fizerem a soma de várias caixinhas, que se tornarem um ecossistema, é que vão ser vencedoras.
Queremos fortalecer o apoio a fintech, com serviços de crédito, por exemplo, mas também queremos ter 50 corporações plugadas, que vão poder investir nas startups e gerar inovação, para si e para o mercado. Podemos ter duas ou mais corporações diluindo o risco de investir em uma startup, de forma complementar. E isso pode ser um jeito muito barato de testar. E se, de alguma forma, mover o ponteiro da corporação, estamos falando de “1% que muda tudo”.
A terceira expedição também é sobre novas geografias e novos mercados. Hoje temos investimento em todas as regiões do Brasil, com predominância do sudeste e sul – Santa Catarina e São Paulo muito forte. Queremos fazer o mesmo modelo que criamos para as fintechs, para outras verticais, como agronegócio, saúde, construção civil e bioeconomia. Em breve teremos o projeto Beagle [o nome do navio de Dawin], mas não posso dizer nada no momento.
Sou filho do ecossistema de empreendedorismo da Santa Catarina. Trabalhei em várias incubadoras e fomentadoras e elas usam um conceito, que eu acho que era equivocado, de taxa de sobrevivência.
Quando a gente fala de empreendedorismo, taxa de sobrevivência não quer dizer muita coisa, é meio que andar de lado. A tese tem que ser sobre crescimento, sobre capacidade adaptativa, sobre não-fragilidade.
Quando fizemos o brainstorming, para o nome da aceleradora, uma das discussões que apareceu foi que é melhor morrer do que ficar tentando um projeto que não vai para frente. Aí imediatamente veio o nome do Charles Darwin, e a aceleradora estava batizada. Eu não tinha a menor ideia, na época, de quão emblemático isso seria.
Hoje esses conceitos de adapt or die estão por trás de tudo o que a gente faz. Fazemos analogia com o mundo de Darwin o tempo todo. A gente tem um programa chamado Seleção Natural que é um mês de namoro com muita complicação para ver se a startup aguenta. Fazemos isso porque acreditamos que cria gatilhos cognitivos para o pessoal entender o que fazemos. Minha mãe até hoje não sabe direito o que eu faço, mas ela sabe quem foi Charles Darwin.
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