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Orlando Souza, CEO da Iron Mountain Brasil Foto: Divulgação
ENTREVISTA

Da fazenda de cogumelos à transformação digital dos documentos

Orlando Souza, CEO da Iron Mountain, conta como a empresa, de 70 anos, está usando IA para extrair valor da informação escondida em mais de 50 tipos de formatos

Por Silvia Bassi 12/11/2021

Em 1951, o mundo estava mergulhado em um clima de medo e tensão política. De um lado, recuperava-se da Segunda Guerra Mundial, que tinha deixado uma herança de dor e perdas. De outro, administrava a desconfiança e a tensão da Guerra Fria entre Estados Unidos e a União Soviética (atual Rússia), que trazia o fantasma de uma potencial guerra nuclear. Na cidade de Livingston, a 200 km de Nova York, um empreendedor chamado Herman Knaust procurava novos usos para sua Iron Mountain (montanha de ferro), uma mina abandonada de extração de minério de ferro que ele tinha comprado em 1936 para fazer fortuna cultivando e vendendo cogumelos. O mercado de cogumelos estava em baixa e ele precisava “pivotar” seu negócio.

Desde o final da guerra, Knaust vinha patrocinando a vinda para os Estados Unidos de muitos imigrantes judeus que perderam suas identidades durante a Segunda Guerra porque os registros pessoais foram destruídos. Essa realidade de perdas, somada ao temor da época, apontaram o novo caminho para a Iron Mountain: guardar e proteger informações e coisas do caos da guerra ou de desastres menores. E aí o que era uma fazenda de cogumelos virou um grande cofre subterrâneo incrustrado na montanha, e a Iron Mountain Atomic Storage, Inc. abriu seu primeiro escritório de vendas no Empire State Building, em Nova Iorque.

Knaust tinha talento para marketing e publicidade e fez sua montanha de ferro crescer. A companhia abriu capital em 1996, transformou-se em uma espécie de Fort Knox de Hollywood, ao expandir suas atividades para a preservação de acervos de obras de arte, fotografias, arquivos originais de música e cinema, entre outras coisas, e entrou no mundo digital com serviços de gestão de informação e digitalizacão de documentos.

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Nos cofres da IMES (Iron Mountain Entertainment Services) estão guardados os originais de gravações de Frank Sinatra, os acervos da Universal Music Group recuperados no Projeto Fênix, os testamentos da princesa Diana e de Charles Darwin, a valiosa coleção de fotografias Corbis, que pertencia a Bill Gates, e, do Brasil, boa parte do acervo de gravações originais de MPB e rock nacional, entre outras coisas. A empresa teve receita global de US$ 4,1 bilhões em 2020 e divulgou os resultados financeiros do terceiro trimestre de 2021 na quinta-feira (04/11), projetando crescimento de 6% a 9%, devendo fechar o ano com US$ 4,4 bilhões de receita.

“Corta” para 2021

A visão de caixas físicas cheias de documentos confidenciais armazenadas em grandes depósitos subterrâneos não “casa” com um universo em que praticamente tudo é digital, certo? Como fazer a busca rápida de informações, por exemplo? Ou, mais complicado ainda, como associar isso tudo à LGPD e às regulações de proteção de privacidade de dados, que exigem que as empresas possam dizer, com precisão, onde está cada vírgula de informação armazenada sobre cada pessoa com a qual têm algum relacionamento?

O problema é que é fácil, em um mundo regido por apps, transações sem contato e conexão wireless, esquecer que muitas empresas lidam ainda com o legado físico de centenas de caixas de documentos, e microfilmes, e folhas de papel que precisam se encaixar na transformação digital, porque, pela regulação, não podem simplesmente ser ignorados. Acrescente ainda o desafio de preservar, proteger e gerar valor em um mundo phygital, para originais físicos de obras de arte, música, fotografia e cinema, por exemplo, e você vai ter uma ideia da equação em que está envolvida a Iron Mountain, a empresa de 70 anos que nasceu em plena Guerra Fria, e que hoje lidera o mercado de serviços de armazenamento e gerenciamento de informações para empresas de todos os tipos (mais de 94% das empresas da Fortune 1.000 guardam seus arquivos lá).

A Iron Mountain aposta na Inteligência Artificial (IA) e no Machine Learning (ML) para essa transformação digital. As tecnologias estão no core da InSight, a nova plataforma nativa em nuvem, criada por ela em parceria com a Google Cloud, para digitalizar, capturar e enriquecer dados extraídos de mais de 50 tipos de conteúdos físicos e digitais.

O CEO da Iron Mountain no Brasil, Orlando Souza, conversou com a The Shift sobre uma das grandes “dores” corporativas que espelha a realidade da transformação digital das empresas incumbentes: perder dinheiro por não saber, literalmente, o valor do legado guardado em caixas e caixas de papelão.  Confira a conversa.

Disruptando o passado, caixa por caixa

“Deixa eu começar definindo a Iron Mountain, até para fazer um pouco de sentido essa história de transformação digital que a gente tá enfrentando. A Iron Mountain é uma empresa de 70 anos que nasceu para proteger e guardar a informação. A empresa foi evoluindo sua jornada na direção da guarda de outros formatos, como obras de arte, fotos, acervos de museu e arquivos importantes da indústria da música.

Com o surgimento do acesso remoto do que chamamos de imagens sobre demanda, o arquivo físico passou a ser substituído por uma foto ou uma imagem digital através de um sistema fornecido pela Iron Mountain.

Portanto, se você olhar toda a jornada, vai entender que a evolução, no final, nos levou a ser uma empresa de gestão de diferentes plataformas de conteúdo, sem importar o tipo de mídia – física ou digital.

Hoje em dia, com a evolução dos serviços de digitalização, a gente começou a olhar também a simplificação dos processos, para acelerar etapas para os clientes. Uma parte disso tem a ver com a digitalização. Aí você pergunta: o papel vai acabar, tem que acabar? Com o tempo, sim.

Aqui no Brasil, por exemplo, 70% do mercado de guarda de documentos ainda é interno, as empresas ainda acumulam documentos dentro de casa. E o que aconteceu com a pandemia? A digitalização virou palavra de ordem.

A McKinsey estima que a pandemia acelerou a transformação digital quatro anos em apenas alguns meses. Essas empresas, que guardavam documentos dentro de casa, viram a necessidade de terceirizar isso de forma profissional, e buscaram a Iron Mountain. Primeiro, porque precisavam de um processo que respeitasse a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), porque a lei cobra muito quem tem acesso ao documento. Segundo, porque precisavam saber com precisão o que tinham em cada caixa. Muitas vezes tem coisas valiosíssimas do legado, em várias empresas e vários formatos.

Olhando esse movimento, e isso começou antes da pandemia, começamos a desenvolver um sistema proprietário, chamado Iron Mountain Insight. O Google entra com a parte da tecnologia da Google Cloud, com motores de busca e indexações que eles fazem maravilhosamente bem. Mas todo o processo por trás, toda a experiência de como construir esse Machine Learning específico tem a experiência da Iron Mountain, porque a gente faz isso para 220.000 clientes ao redor do mundo.

O que o Iron Mountain Insight faz de diferente é organizar na nuvem tudo o que as empresas têm, em qualquer tipo de mídia. São mais de 50 os tipos de mídia disponíveis para digitalizar e as aplicações são muito estratégicas, algumas muitas sigilosas.

Vou dar alguns exemplos, começando pelo Grammy. O Grammy é nosso cliente, e o Museu do Grammy também. Então eles possuem uma série de ativos, documentários, fotos, shows, apresentações. Ao passar todas essas mídias para o Insight – algumas você digitaliza a imagem, outras você pega a mídia de som e coloca em formato de streaming, por exemplo – e lá usa o motor do Google para indexar tudo isso de forma inteligente. Daí, é possível encontrar alguma com diversos tipos de busca – por data, por nome, por objeto, por foto – e encontrar informações que estavam lá mas que não estavam disponíveis. Dessa forma, esse acervo pode também ser rentabilizado, porque a informação fica disponível pra todo mundo.

O InSight, além de conseguir catalogar, permite criar um workflow para essas empresas que, com ajuda do Machine Learning, podem tomar decisões de concessão de crédito a partir de um processo melhor de gestão de contratos e de risco, por exemplo. Contratos de milhares de clientes de planos de saúde e assim por diante. A evolução tende a ir cada vez mais por analytics, com o qual a gente vai gerar informações estratégicas, como esse exemplo que eu dei da loja.

Mas imagine que a empresa pode ser um call center, e o mesmo recurso que eu uso para streaming de música eu posso usar para digitalizar e analisar as gravações de voz dos clientes e dizer, com ajuda de análise de sentimento de voz, descobrir clientes que estavam frustrados, ou bravos, e agir para reverter a experiência e melhorar a jornada dele.

Pensa em uma loja como outro exemplo. Uma loja tem uma série de gravações de vídeo das pessoas que entraram e circularam e viram as prateleiras. Os clientes também têm outro relacionamento com a loja, via CRM, ou via um programa de fidelização. Tem os dados da compra das pessoas no caixa. Isso tudo é muito fragmentado. Eu subo todas essas informações para a plataforma e em um determinado dia eu quero saber, de um determinado cliente, o que ele fez, o que consumiu, e posso fazer diferentes perfis de cada um e identificar um grupou de clientes com tem o mesmo perfil de consumo daquele. Quando a transformação dessa empresa está mais avançada, eu posso fazer um sistema que avisa “o cliente entrou na loja”. Hoje a aplicação está lidando mais com o legado, mas eu posso fazer isso em tempo real.

A cada 10 reuniões que eu faço com os clientes, depois de março do ano passado, 10 são sobre transformação digital. Todo mundo quer fazer a transformação digital. A grande questão é que as pessoas querem fazer com que todos os processos nasçam digitais, mas e o legado, o que eu faço com o legado?

Boa parte do nosso histórico até hoje é físico, então como você consegue pegar essa mina de ouro e colocar ela em um outro patamar, voltado para novos voos de futuro?

Em alguns casos, como empresas de entretenimento, a maior parte das músicas guardadas (70%) ainda não estão no formato de streaming. Nós podemos ajudar essas empresas a converter esses álbuns, essas mídias originais, em streaming. Temos até um estúdio para fazer isso.

E aí, quando você pega o legado de uma empresa financeira, como um banco, por exemplo, tem situações em que os documentos necessários para o processo estão em “modo manual”. Pense por exemplo nos processos de ressarcimento de contas por causa dos planos econômicos antigos. Hoje é tudo manual, quase artesanal. Mas se você digitaliza isso, incluindo os microfilmes de cheques, por exemplo, gera um novo repositório de informações.

As empresas muitas vezes não sabem o que está guardado nas caixas das prateleiras. A gente tem especialistas, bibliotecários, arquivistas, e estamos fazendo muito um trabalho de inventário no qual a gente consegue fazer indexações dos conteúdos, fazer toda a consultoria para as empresas e dizer qual parte do acervo valeria a pena digitalizar, qual parte poderia passar por uma destruição segura (que a gente faz também), qual parte não poderia ser destruída porque a legislação vigente ainda exige a guarda. Aí nesse caso pode ser guardado em caixa, em arquivo ou, dependendo do teor do material, em um baita cofre, que a gente também tem.

Vou dar um exemplo para você: a gente guarda, em parafina, a coleção de exames médicos de várias importantes empresas de saúde do Brasil é isso vai ficar por lá por muito tempo ainda. Nós temos um grande órgão público da justiça, como cliente, cujo arquivo histórico tem processos que vão ter que ficar armazenados conosco pelo menos 80 anos.

Por causa da legislação, grande parte de certos arquivos ainda vão ter que existir fisicamente guardados, mas uma nota fiscal, um arquivo de prontuário médico, com prazo de validade menor, se existir um processo de digitalização e fluxo do conhecimento dessa informação. Hoje, para ser sincero, o grande problema das empresas com o volume de informação disponível é não saber o que está dentro dessas caixas. E estão perdendo dinheiro com isso.

O RH sempre teve muita coisa nos armários suspensos de cada empresa. Quando você fala de uma empresa de 100 funcionários é uma coisa. Mas e quando é uma empresa de varejo, com grande rotatividade e contratações sazonais?

Ter uma caixa mal armazenada, primeiro coloca a empresa hoje em um baita risco por causa da LGPD, que exige acesso correto e pessoa responsável. As empresas hoje não têm a noção dos riscos e das oportunidades. Quando você fala de recuperação de impostos, por exemplo, o Brasil tem uma complexidade muito grande nessa área. Tem muita gente que consegue argumentar com o governo e recuperar algum tipo de imposto pago em excesso. Mas para fazer isso, ao montar a causa, a empresa precisa provar que gastou e uma pista importante está nas notas emitidas, certo? Um produto nosso chamado Tax Recovery, por exemplo, digitaliza tudo isso e ainda permite fazer o cálculo para a recuperação dos impostos.

Dentro das caixas tem milhares, ou milhões de informações, que a gente consegue rentabilizar, transformar em valor. Essa despesa aparente de catalogar ou fazer inventário vira na verdade oportunidade de ganho. Essa é uma dor das empresas, perder oportunidades em função do legado que não está bem catalogado ou com um bom inventário.

Eu costumo dizer que a Iron Mountain é uma startup de 70 anos, porque tudo está mudando e a gente está se reinventando o tempo todo. Além da guarda de documentos, como falamos, o Bio Safe, para arquivos de saúde; o armazenamento de antigas fitas de data center, temos uma empresas especializada em guarda de obra de arte que tem contrato com os maiores museus do mundo.

Nos Estados Unidos estamos desenvolvendo também a guarda para o consumidor final, resultado de uma parceria com uma startup chamada Make Space. Outra é uma empresa de data center que temos nos Estados Unidos Europa e Ásia que deve chegar mais cedo ou mais tarde aqui no Brasil. 

Simplificando, a gente está ajudando as empresas na guarda e dando a consultoria para o inventário e ajudando as empresas a destruir seguramente o que não precisa ficar guardado. Com isso, o nosso chamado mercado endereçável saiu de US$ 10 bilhões tá foi para US$ 80 bilhões.

Eu acho que disrupção, no nosso caso, vem de como a gente consegue aproveitar o legado para transformar. Não se trata apenas de tecnologia, mas de como ser criativo e simples para reinventar algo. Temos feito esse convite aos nossos colaboradores, no programa de inovação interna, porque eles estão em contato direto com os dados todos os dias. 

 

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