Uma pergunta recorrente (e pertinente) espalha-se por portais de notícias, pelo meio acadêmico, por canais de estudo do comportamento social: a inteligência artificial está nos deixando menos inteligentes? De forma análoga e mais ampla, cabe a nós, que habitamos o universo corporativo, perguntar: a dependência de ferramentas auxiliares de gestão está comprometendo nossa habilidade enquanto gestores?
A tomada de decisão em nível executivo depende de uma combinação refinada de inteligência, conhecimento técnico, experiência e sensibilidade para ler cenários, entre outras coisas. Ferramentas como BI e IA, que deveriam auxiliar nesse processo, parecem criar vieses cada vez mais viciantes (e viciados) e, assim como estão impactando o trabalho de escalões menores, podem comprometer também a alta liderança.
A origem do problema, porém, não está nas ferramentas em si, mas em sua forma de utilização, prejudicada pela insuficiência de informações. A coleta inapropriada de dados que alimentam esses recursos tecnológicos e dashboards soma-se à inabilidade de estabelecer correlações. Pois tão importante quanto obter dados de qualidade é fazer uma interpretação consistente deles. E é aqui onde o uso de tais ferramentas pode ser perigoso, por dar a (falsa) impressão de que a leitura fornecida sobre os dados é suficiente.
No início da minha carreira de consultor, participei de um projeto em uma grande empresa da área de alimentos e bebidas. Em certo momento, fui convidado a tomar parte de uma reunião de diretoria, onde o projeto que eu propunha seria discutido, juntamente de outros itens da pauta. A certa altura da reunião, o presidente da empresa se voltou aos diretores e pediu que cada um contasse “o que tem feito de bom pela empresa”.
O diretor responsável pelo engarrafamento disse que havia reduzido a quebra de recipientes de vidro em determinada porcentagem, outro executivo relatou que estava conseguindo uma redução importante de custos logísticos, e assim por diante – todos citando economias de 1% a 5% nos custos, ou aumento de eficiência em proporção semelhante.
Quando chegou a hora do responsável pela controladoria, ele lançou: “Eu não melhorei em nada, eu não consegui nenhum resultado, mas eu queria dizer que todos meus colegas aqui são mentirosos, porque eu tenho os olhos na contabilidade e nenhuma dessas economias e reduções apareceu por aqui ainda.”
Obviamente, esse comentários gerou comoção. Mas a verdade é que os números são absolutos: faltava à organização desenhar adequadamente os indicadores que refletem a performance real da empresa, e também atualizá-los, interpretá-los corretamente e realizar as devidas correlações entre eles A lição de um episódio como esse é que qualquer desenho de sistemas precisa ser feito de modo a entregar algum valor para o negócio, independentemente das ferramentas das quais esse sistema faça uso.
É claro que, quanto maior o negócio, mais complexo fica desenhar uma arquitetura que dê conta de todos os dados relevantes do negócio. Mas alta complexidade não pode ser desculpa para negligência.
Um ponto importante a se destacar é que essa arquitetura de qualidade deve propiciar um fluxo de informações que ocorra de baixo para cima (bottom up) – ou seja, os operadores devem estar cientes dos impactos de sua atividade, não importa em qual etapa da operação eles atuem. Se os sistemas não são alimentados com dados de qualidade desde a base, eles certamente chegarão enviesados no topo. Ou incorretos mesmo.
Quando se constrói esse tipo de fluxo, a liderança tem condições de apurar melhor as informações, e com isso, criar dados mais consolidados, que finalmente vão orientar boas decisões. É como se essas informações fossem uma árvore de dados, que se capilariza e se ramifica em sistemas, programas e planilhas, todos apoiados sobre uma mesma lógica.
Se a arquitetura de dados ainda está em débito, esse fluxo fica corrompido. É quando um determinado sistema que deveria estar funcionando acaba substituído por uma planilha, por exemplo. Claro que ter “alguma coisa” é sempre melhor que não ter nada, mas o ideal é sempre ter soluções que possam funcionar de forma mais automatizada e consistente.
A intuição se baseia em boas informações. Caso contrário, ela vira uma decisão puramente emocional. Aliás, ter bons dados e saber interpretá-los é base para outras ações indispensáveis à liderança, como a capacidade de se antecipar a possíveis cenários adversos, e traçar os planos para enfrentá-los, caso eles venham a acontecer.
Que fique claro: é impossível tomar decisões acertadas o tempo todo. Todos vamos errar, independentemente da posição que ocupemos e do quanto estejamos preparados para a função. Mas a subjetividade que permite perceber nuances na análise e na correlação de dados talvez seja o principal diferencial da inteligência humana sobre a artificial.
Também é importante lembrar que é impossível eliminar totalmente os vieses. A política corporativa, a cultura, até mesmo a conjuntura do mercado – todos esses elementos vão “enviesar”, de algum modo, a escolha das atitudes a serem tomadas. Como bem sabe quem produz conteúdo, a isenção completa é impossível.
Mas sim, é possível valer-se de experiência pessoal, da análise subjetiva e das ferramentas de inteligência de negócios para tomar decisões coerentes e, possivelmente, acertadas. Basta lembrar que a base para orientar esses elementos são os dados, e eles têm que ser cuidados desde a origem até a ponta final – a liderança.
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