Há um novo tipo de corrida global. Desta vez, o prêmio não é o petróleo, nem os dados, mas 17 elementos discretos da tabela periódica — neodímio, praseodímio, térbio, disprósio. São as terras raras, metais estratégicos que sustentam motores elétricos, turbinas eólicas, semicondutores, lasers, sensores e sistemas de defesa. Quem controla sua extração, refino e aplicação industrial controla cadeias produtivas inteiras da economia do século XXI.
De acordo com Bruno Milanez, professor do programa dePós-Graduação em Geografia e do Departamento de Engenharia de Produção e Mecânica da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), terras raras são 17 substâncias minerais normalmente encontradas juntas no meio ambiente e que têm propriedades químicas muito próximas.
Hoje já se sabe que existem em várias partes do planeta, mas o desafio está em extraí-los e separá-los com eficiência. “O problema básico dessas substâncias é que quando encontramos as reservas de maior concentração, ainda assim é uma quantidade muito baixa, isto é, o teor de terras raras utilizável é pequeno. Isso explica serem chamadas de raras”, explica Milanez.
O Brasil, detentor de uma das maiores reservas mundiais de terras raras, está no centro de um tabuleiro em que Estados Unidos e China disputam poder, tecnologia e influência. E, pela primeira vez, parece disposto a jogar como protagonista — e não como fornecedor passivo.
Depois de meses de silêncio diplomático, uma ligação entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva na semana passada sinalizou um degelo político e comercial. Poucos dias depois, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, confirmou ter sido convidado pelo governo norte-americano para uma reunião sobre minerais críticos — o primeiro gesto formal de reaproximação nessa agenda.
“Depois desse restabelecimento de diálogo com o governo Trump, fui convidado para discutir com o secretário de Minas e Energia dos Estados Unidos. Tenho certeza de que essa relação se dará de forma altiva, respeitando os interesses do povo brasileiro”, afirmou o ministro.
O contexto é claro: os Estados Unidos aceleram sua política de friendshoring — redes de suprimento entre países aliados — para reduzir a dependência da China, que domina cerca de 60% da extração e mais de 85% do refino global de terras raras. A iniciativa se insere na Minerals Security Partnership, que articula acordos internacionais sobre minerais críticos.
A fala de Silveira, porém, veio acompanhada de um aviso: “O Brasil tem papel fundamental nesse tabuleiro global e não abrirá mão de agregar valor à sua produção.” Uma forma diplomática de dizer que o país não pretende repetir o velho modelo de neoestrativismo verde — exportar minério bruto e importar tecnologia.
Os números confirmam o potencial, mas também o tamanho do desafio. Segundo dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) e da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX), as exportações brasileiras de terras raras atingiram US$ 7,5 milhões no primeiro semestre de 2025 — o maior valor desde 1997. Quase 90% desse volume foi destinado à China, segundo levantamento do Conselho Empresarial Brasil–China (CEBC).
O salto resulta da entrada em operação da mina Serra Verde, em Minaçu (GO), a primeira do tipo fora da Ásia a explorar argilas iônicas — depósitos de baixo impacto ambiental e alto teor de terras raras.
O governo de Goiás confirmou ter recebido representantes da Embaixada dos EUA interessados em discutir cooperação para terras raras pesadas. Até agora, não há operação direta de empresas norte-americanas no setor — apenas diálogo diplomático e oferta de cooperação tecnológica.
É nesse ponto que a ciência brasileira ganha protagonismo.
Em Lagoa Santa (MG), o CIT Senai ITR abriga o primeiro laboratório-fábrica de ímãs permanentes de terras raras do hemisfério sul, inaugurado em 2024. Ali, engenheiros e químicos dominam cerca de 60% a 70% do ciclo industrial dos superímãs de neodímio, ferro e boro — liga magnética essencial para motores elétricos e turbinas eólicas.
O instituto integra o projeto MagBras – “Da mina ao ímã”, uma rede de 38 instituições e empresas financiada pelo programa Mobilidade Verde e Inovação, com orçamento de R$ 73 milhões — R$ 60 milhões de recursos públicos. A meta é clara: dominar, até 2030, o ciclo completo de produção de ímãs permanentes, do minério ao produto final.
Pesquisadores do IPT, da USP, do CETEM e da UFSC vêm desenvolvendo há mais de uma década técnicas de separação química de praseodímio e neodímio, redução eletroquímica de óxidos e produção de ligas metálicas — um esforço coordenado pelo INCT Terras Raras/Pátria.
Em Minas Gerais, o avanço da mineração em áreas sensíveis reacende o debate ambiental:
nesta semana, o governo mineiro autorizou a exploração de terras raras no entorno de uma Área de Proteção Ambiental em Caldas, no Sul do estado — decisão vista por ambientalistas como um precedente arriscado. Há pressões ambientais e fundiárias, sobretudo na Amazônia e no Cerrado.
O modelo de extração praticado na China, por exemplo, é altamente poluente. A baixa concentração dos minerais exige o uso intensivo de produtos químicos fortes, capazes de gerar contaminações tóxicas. Além disso, a grande quantidade de rejeitos resulta na necessidade de barragens para armazenar resíduos perigosos, o que aumenta os riscos ambientais. Por isso, a China passou a restringir a exportação do mineral bruto e a focar apenas na venda de produtos já beneficiados, em uma tentativa de reduzir os impactos internos.
Apesar dos avanços, o Brasil ainda não domina o processo industrial mais crítico: a separação dos elementos. É uma etapa cara, lenta e tecnologicamente sensível. O CETEM, vinculado ao MCTI, desenvolveu um método patenteado para separar praseodímio e neodímio, mas ainda em escala laboratorial. Sem essa competência consolidada, o país continuará exportando concentrado barato e importando componentes caros.
Com os Estados Unidos, o caminho tende a ser o da cooperação tecnológica e do cofinanciamento de plantas de processamento, impulsionado pela convergência política e pelo tema climático. Com a China, a relação segue forte no comércio — o país asiático é o principal destino dos concentrados brasileiros —, mas há risco de dependência produtiva se o Brasil não acelerar o domínio da etapa de refino.
Ao tentar equilibrar esses dois polos, o governo aposta na ideia de “soberania mineral”: vender para todos, mas depender de ninguém. Se bem executada, a estratégia pode reposicionar o Brasil como fornecedor estável e sustentável de minerais críticos — um papel raro num mundo dividido entre Washington e Pequim.
Projeções de mercado indicam que, se o Brasil integrar extração, refino e manufatura de ímãs, o setor pode movimentar entre US$ 2,5 e 9 bilhões por ano até 2030, dependendo da escala e do valor agregado dos produtos.
Os valores representam cenários de referência, não previsões oficiais — mas ilustram o potencial de uma cadeia que une energia limpa, defesa e inovação industrial.
Mais importante que o número é o posicionamento. Entre cadeias dominadas pela China e alianças lideradas pelos EUA, o Brasil pode ocupar um papel estratégico como ponte industrial confiável. Silveira parece entender isso. Seu discurso de “altivez” é um recado direto a investidores e diplomatas: o país busca parcerias com tecnologia e empregos, não apenas royalties de exportação.
O Brasil já viveu esse dilema antes. Exportou café, borracha, ferro e petróleo — sempre dependente de quem transformava matéria-prima em produto. As terras raras oferecem uma nova chance: usar recursos naturais como trampolim tecnológico, e não como destino inevitável.
O mundo precisa desses minerais para a transição energética. O Brasil tem a geologia, a ciência e a oportunidade. Falta transformar potencial em política de Estado — e política de Estado em poder real. Se conseguir, deixará de ser espectador da corrida energética para tornar-se árbitro de um jogo que apenas começou.
O país tem uma janela estratégica curta — de três a cinco anos — para se posicionar como fornecedor confiável e sustentável de terras raras. Se agir rápido, pode transformar reservas geológicas em ativos geopolíticos e industriais — com ganhos econômicos, tecnológicos e diplomáticos.
Aviso metodológico: Estes valores representam cenários de referência, não projeções oficiais de governo.Servem para dimensionar o potencial econômico de diferentes estágios de integração da cadeia de terras raras — da exportação de concentrados à produção de ímãs e componentes finais.
Em uma linha: terras raras deixaram de ser um tema técnico — são hoje o novo termômetro de poder industrial e soberania tecnológica.
Reservas estratégicas e capacidade científica colocam o Brasil no radar das cadeias globais de energia limpa e tecnologia.
O Nobel 2025 consagra um mundo onde a inovação da academia migra cada vez mais rápido para a economia real. Agora, ela é física, química e biológica — e cada molécula é um mercado em potencial.
O funil do Corporate Venture Capital segue frágil no Brasil e as empresas precisam escolher onde gerar valor.
Pesquisas recentes mostram que chatbots e copilots podem capturar atenção como redes sociais e máquinas caça-níqueis. E já há um preço alto sendo pago nas empresas.
Em 2025, a discussão sobre o futuro do trabalho muda de lugar: sai do “onde” e entra no “quando”, abrindo espaço para mais IA, microshifting e monitoramento digital.
Tratando segurança como arquitetura e não como filtro no fim do funil. Aplicações que nascem com detecção, supervisão e resposta em camadas independentes escalam com menos sustos.
Aproveite nossas promoções de renovação
Clique aquiPara continuar navegando como visitante, vá por aqui.
Cadastre-se grátis, leia até 5 conteúdos por mês,
e receba nossa newsletter diária.
Já recebe a newsletter? Ative seu acesso