As startups oferecem soluções para gestão, previsão de chuvas, geolocalização, melhoramento de espécies, marketplaces e mais serviços para o agronegócio
Não dá para dizer que não há tecnologia no campo. Neste ano, a Embrapa publicou o estudo “Agricultura Digital no Brasil: tendências, desafios e oportunidades”, realizado com base nos resultados de uma pesquisa online. De todos os 586 agricultores que responderam ao questionário, 84,1% afirmaram utilizar pelo menos uma tecnologia digital no processo produtivo, mesmo que os investimentos nessas soluções sejam considerados caros para 67% dos respondentes. Pelo menos 40% dos produtores estão usando as novas tecnologias como canal para compra e venda de insumos e da produção. E cerca de um terço utiliza soluções digitais para mapear a lavoura e prever riscos climáticos.
Essa tecnologia é levada, em grande parte, por uma série de startups. Há soluções para gestão, previsão de chuvas, geolocalização, melhoramento de espécies. A chegada de marketplaces também vem mudando o perfil do agronegócio e torna o processo mais inclusivo para pequenos e médios produtores.
Há dois anos, a Agrofy chegou ao Brasil trazendo mais agilidade para os agricultores com a sua plataforma de tecnologia voltada para o agronegócio. A empresa possui um marketplace de produtos e serviços agrícolas, que comercializa até maquinário usado. No primeiro semestre de 2020, a Agrofy bateu a marca de R$ 20,5 bilhões em produtos disponíveis na plataforma de vendas, durante a primeira edição de sua feira online de agtechs.
O business manager da Agrofy Brasil, Rafael Sant’Anna, explica que o marketplace facilita a vida do produtor, que passa a fazer compras e pesquisar os produtos da sua própria casa. “A plataforma ajuda a tomada de decisão e alivia no tempo. Ainda tem a questão do comparativo técnico, de preço, a oferta e disponibilidade do produto. Ele pode pedir de casa e receber na fazenda”, pontua.
A empresa ainda atua como uma agfintech com a unidade pay, que oferece crédito rural. Para o ano que vem, a companhia planeja ofertar o Barter, uma moeda digital que permite a troca de grãos por insumos ou maquinários. A startup também possui um setor de tech para desenvolver projetos para a indústria do agro.
A Orbia é um espaço para a venda de commodities com a precificação da Bunge, compra e venda de insumos e contratação de serviços com pontos. A empresa oferece um programa de fidelidade com aproximadamente 170 mil usuários cadastrados. O trabalho da Orbia é um exemplo de como o acesso à tecnologia digital pode tornar a atuação do produtor mais efetiva. “O produtor pode acumular pontos para trocar por serviço na safra. No final da safra, ele vende o produto e pode usar o valor como crédito para compras na plataforma”, ressalta o CEO da empresa, Ivan Moreno.
Com o ERP360Agro, a startup Elevor auxilia os produtores na gestão das fazendas automatizando processos, reduzindo o retrabalho e aumentando a eficiência na lavoura. Muitas atividades ocorrem ao mesmo tempo no campo, o que gera muitos dados a serem analisados, com isso um grande desafio é interligar as soluções para trazer informação ao agricultor, afirma o diretor da Elevor, Rafael Dal Molin.
Apesar de ser uma das mais baratas dentre as tecnologias digitais utilizadas no campo, o software de gestão tem uma penetração baixa entre produtores. Dal Molin explica que o produtor ainda não consegue enxergar o valor da ferramenta da Elevor tão facilmente como vê o papel de uma máquina agrícola. “Nosso software usa os dados registrados na plataforma e consegue criar algumas automações para ajudar o cliente a tomar decisões”, comenta o diretor da Elevor.
Em alguns casos, a inovação não consegue trazer solução para a maioria das culturas. É o caso das fazendas verticais, que conseguem uma alta produtividade com hortaliças, mas não têm o mesmo desempenho em outros plantios. O cofundador e diretor de tecnologia da Pink Farms, Mateus Delalibera, acredita que este será um dos métodos usados no futuro, mas compreende que ele não é efetivo em todos os casos.
“Hoje em dia, folhosas, no geral, são viáveis economicamente em fazendas verticais. Outros tipos de produtos podem ser produzidos, como tomate À medida que a tecnologia se desenvolve, outros produtos devem se tornar ser viáveis, mas em uma linha de alimentos mais perecíveis, especialmente, frutas, legumes e verduras. Dificilmente, vai chegar um dia que as fazendas verticais vão produzir grãos porque eles já são muito eficientes no campo e possuem um valor agregado muito baixo”, explica.
A Pink Farms opera em um galpão na área urbana de São Paulo. Em quatro anos de existência, a startup recebeu R$ 4 milhões em investimentos.
A tendência é que, cada vez mais, as soluções surjam dos empreendedores. O CEO e presidente da Cyklo Agritech, investidor em startup e consultor de inovação, Pompeo Scola, explica o que permite que as agtechs tenham mais efeito no campo: “Para fazer inovação uma empresa tradicional tem um grande ciclo de pesquisa e desenvolvimento. As startups, por outro lado, têm um caminho que passa pelo aprendizado e erro. Esses empreendedores têm ganhos de produtividade que a indústria verticalizada não tem. Essas empresas tradicionais têm uma linha de produtos e não conseguem abandonar o legado para ofertar um novo produto”.
As startups do agro podem, inclusive, resolver gargalos do setor para viabilizar a utilização de tecnologia proveniente de grandes empresas. Se uma empresa traz uma colheitadeira que precisa de conexão com a internet para ser mais eficaz, uma agtech pode trazer a solução para a rede de comunicação no campo.
A Embrapa é uma das grandes apoiadoras da inovação voltada para o campo no Brasil. A empresa pública trabalha com linhas mais tradicionais e também novas frentes de atuação, tendo uma unidade de Informática Agropecuária. A inovação aberta é forte na companhia estatal. “A Embrapa não precisa gerar soluções sozinha. Além das nossas parcerias com parceiros tradicionais que pesquisam conosco, analisamos cada vez mais como se conectar com esses empreendedores, essas empresas de base tecnológica que estão inovando”, afirma Cleidson Dias, analista da Embrapa. “Às vezes, a tecnologia nasceu do parceiros e nós entramos para codesenvolver e eles exploram comercialmente”.
Um desses convites para a parceria é o InovaPork, um desafio de ideias na suinocultura, cuja proposta é fomentar a inovação de impacto na cadeia e atrair pessoas inovadoras com ideias em qualquer estágio de maturidade, colaborando para que as propostas se tornem negócios e soluções para a cadeia produtiva de suínos. Segundo Dias, as empresas tradicionais se sentem pressionadas pelo trabalho das agtechs, o que acelera o processo de fomento da inovação, especialmente com parcerias.
A união permite desfrutar dos dois mundos: a agilidade das startups e o capital e a segurança de mercado das grandes empresas tradicionais. O diretor executivo da Abstartups, José Muritiba, acredita que as parcerias são a melhor equação para promover a inovação. “As grandes empresas enfrentam barreiras de inovação, então o melhor é a união de um lado eficiente com investimento e atratividade diante de um volume de mercado atrelados à grande capacidade de inovar dos empreendedores no país”, pontua.
A John Deere já entendeu o papel da colaboração para gerar inovação. O gerente de marketing de produto Tech de Agricultura de Precisão da empresa, Felipe Santos, explica que a empresa alcança a inovação majoritariamente de duas formas: com um trabalho interno e com inovação aberta. Ambas são centradas na parceria. O foco em inovação se intensificou nos últimos 5 anos, quando a companhia mudou a forma de ver e resolver os problemas do agricultor. “Antes, nós tínhamos a mentalidade proprietária e fechada. Mudamos e entendemos o papel da rede de colaboração. Daí surgiu o John Deere Operations Center, que foi desenhado e desenvolvido para se conectar com qualquer plataforma”, explica Santos.
A grande mudança na John Deere foi entender que o agricultor tem que tomar “mais de 140 decisões críticas” durante uma safra e é impossível pensar que apenas uma empresa consegue apoiar todas as soluções e resolver os problemas.
A participação das grandes empresas nos ecossistemas de inovação do agronegócio barateia o custo de pesquisa e desenvolvimento, além de trazer mais dinâmica para o processo. “As grandes organizações têm uma área de pesquisa e desenvolvimento bem organizada, mas é muito caro manter a estrutura. Muitas dessas empresas estão começando a financiar startups. A inovação no campo é proporcionada pela união desses dois agentes”, afirma Marques. “A startup não consegue gerar escala e as grandes organizações, muitas vezes, não têm essa dinamicidade de projetar solução. Quando você consegue combinar esses dois elementos tem um produto muito mais escalável e, talvez, barato devido à escala, trazendo tecnologia para o setor”, explica o consultor.
Nessa busca por mais inovação, as grandes companhias também apostam em spin-offs, criando empresas menores focadas apenas na tecnologia. O analista da Embrapa, Cleidson Dias, explica que esse desmembramento permite até aportes de capital para a empresa menor que não estariam disponíveis para a companhia original. A assimilação de startups inovadoras também é uma forma de acelerar o processo de produção de tecnologia. “Os grandes trabalham de maneira conjunta. Grandes players criam programas e lançam seis gargalos no ecossistema, fazendo programas onde startups podem desenvolver soluções e compram a tecnologia ou assimilam”, relata Dias.
A empresa de foodtech Liv Up trabalha em parceria com 25 famílias de agricultores para conseguir produzir seus pratos. A companhia oferece a entrega de alimentos preparados congelados em várias cidades do país e vende produtos frescos vindos diretamente do agricultor. O head de suprimentos e sustentabilidade da Liv Up, Pedro Martins, afirma que os agricultores familiares têm um papel fundamental na produção de alimentos no Brasil e no mundo. Para o futuro, a adesão à tecnologia, que ainda é mais baixa entre os pequenos produtores, deve ser o caminho natural para aumentar a produtividade e eficiência.
“Os grandes produtores produzem muito milho, soja, cana, laranja e café. Esses produtos não são o grosso da dieta dos brasileiros. Então, o agricultor familiar tem papel importante no desafio de alimentar mais pessoas”, afirma Martins. “As tecnologias não só aumentam a produtividade das famílias, mas também integram a cadeia de fornecimento de alimentos. No futuro, cerca de 80% da população vai viver em zonas urbanas e é importante criar tecnologia de distribuição e conexão entre esses dois elos”. É esse trabalho de conexão que a Liv Up traz para o mercado.
Segundo o Censo Agropecuário de 2017, do IBGE, foram classificados como agricultura familiar 77% do total dos estabelecimentos agropecuários do Brasil. Esses produtores são responsáveis por 23% do valor da produção e ocupam uma área de 80,89 milhões de hectares (23% da área total). Em 2017, a agricultura familiar ocupava 10,1 milhões de pessoas, 67% do total de trabalhadores nos estabelecimentos agropecuários. Ainda segundo o Censo, as propriedades pequenas, com até 10 hectares, são 2.543.681, em 7,993 milhões de hectares.
O levantamento do IBGE aponta ainda que, em 2017, a agricultura familiar foi responsável por 80% do valor de produção de mandioca, 48% de café e banana e 42% de feijão.
O pequeno produtor não tem meios para cultivar os alimentos demandados por pessoas em uma escala global, mas é fundamental para garantir a segurança alimentar de sua localidade, região, estado e país. “É compreensível que o pequeno produtor galgue o mercado internacional com a venda de fruta, por exemplo, mas ele não tem como exportar e, normalmente, tem que fazer isso por meio de um atravessador ou uma cooperativa para juntar a produção”, afirma Fábio Silva, gestor de parceria do Agrihub.
“As cooperativas conseguem adquirir as tecnologias, fomentar essas tecnologias e fazer um rateio entre os cooperados. A tecnologia tem que evoluir para ficar acessível a todos e a união dos produtores facilita esse processo reduzindo as distâncias entre os grandes e os pequenos produtores”, afirma o consultor associado na Markestrat Group, Vitor Nardini Marques.
O agronegócio representa um terço do PIB e com tecnologia e soluções trazidas pelas agtechs poderia representar ainda mais nas exportações
As startups ainda são muito concentradas nas regiões com os maiores ecossistemas de inovação na área do agronegócio
Cerca de 40% dos produtores disseram que vêm usando novas tecnologias como canal para a compra e venda de insumos e da produção, mas ainda falta avançar
O sócio-fundador da SP Ventures Francisco Jardim explica por que o Brasil se destaca no cenário agro e como o pequeno produtor pode competir nesse jogo
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