The Shift

“A Amazon é uma empresa feita para a pandemia”

Scott Galloway é professor de Marketing da Universidade de Nova York

Às vésperas da Black Friday, evento do e-commerce em que brilha com suas ofertas e sua capacidade de entregar produtos até em horas, a Amazon estava com a orelha quente de tanto ter seu nome mencionado. E não necessariamente por causa dos protestos de trabalhadores aos quais prometeu US$ 300 milhões em bônus neste final de ano. “Se você pertence ao segmento do e-commerce, nunca houve um tempo melhor do que este”, afirma Scott Galloway, professor da Universidade de Nova York. E quando ele diz e-commerce, ele está falando da Amazon.

Quando anunciou sua entrada no segmento de farmácias há duas semanas em uma manobra que o The Washington Post definiu como “abrir caminho a cotoveladas”, a gigante do e-commerce estaria fazendo mais um movimento no seu plano maior de reinventar uma indústria de trilhões de dólares, que inclui não apenas a entrega de medicamentos, mas também a forma como as pessoas lidam com seguro-saúde nos Estados Unidos.

A Amazon comprou a PillPack por US$ 753 milhões em 2018. Os clientes de farmácia normalmente possuem um perfil seguro no qual podem adicionar informações de seu seguro-saúde, gerenciar suas prescrições médicas e escolher as opções de pagamento –  no caso, agora na Amazon Pharmacy. A companhia também está entrando no mercado mais amplo de serviços de saúde, oferecendo ferramentas de “self-service help” em seu portal, além da opção de um serviço para falar com farmacêuticos por telefone para pedir conselho durante 24 horas, sete dias por semana.

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“A Amazon sabe muito sobre seus melhores clientes: o que comem, se compram equipamentos de ginástica ou videogames, têm filhos e estão em um relacionamento”, escreve Galloway no livro Post Corona: From Crisis do Opportunity, que acaba de ser lançado. “Entre as compras da Amazon e da Whole Foods, o cartão da Amazon e todos os comerciantes que usam ‘pague com a Amazon’, a empresa tem muito mais dados individualizados do que qualquer atuário de seguros.”

A chegada da pandemia do coronavírus acelerou o avanço da digitalização em todos os segmentos e chamou por novas soluções, algumas das quais ainda estamos acompanhando. Para Galloway, depois de passar por “anos de mudanças em questão de meses”, o resultado será um cenário muito diferente. O livro olha para o dia em que a pandemia ficará para trás e todos descobriremos que algumas das empresas mais poderosas do mundo ficaram ainda mais poderosas.

“A Amazon foi inventada para uma pandemia”, disse o professor da NYU em entrevista à Geek Wire. “O comércio eletrônico passou de 18% do varejo em março para 28% em oito semanas. Isso é literalmente uma década de aceleração em oito semanas”. Galloway reforça que numa situação como a da quarentena, em que boa parte das pessoas ficou em esquema remoto, para que as coisas continuem acontecendo é preciso poder de processamento para manter salas de videoconferência, por exemplo, o que tornaria essa capacidade “o novo petróleo”. “E quem está aí? Quem é o maior provedor de computação em nuvem? Existe a Amazon. Oh, espere, o que estamos fazendo em casa? Estamos assistindo a muitos vídeos. Vamos dar uma olhada no Amazon Prime Video. É literalmente como se Jeff Bezos tivesse uma bola de cristal e dissesse: ‘Vou projetar uma empresa em torno de uma pandemia’”.

As vendas de medicamentos e itens de farmácia devem chegar perto de US$ 360 bilhões este ano nos Estados Unidos, de acordo com uma previsão Centers for Medicare & Medicaid Services, uma agência dentro do Departamento de Saúde e Serviços Humanos. Com a pandemia ainda a todo vapor, a Amazon Pharmacy espera tirar vantagem desse momento em que uma grande parte prefere o e-commerce.

O professor de Marketing da Stern School of Business sustenta que a Amazon seria a empresa de saúde de crescimento mais rápido nos últimos dois anos. E garante: “Para mim é uma previsão muito fácil”. “Todo CEO deve ser capaz de convencer os investidores de que o preço de suas ações tem uma boa chance de dobrar em cinco anos. Caso contrário, as pessoas vão comprar Zoom ou Peloton ou outra coisa”, explica Galloway. “Para que a Amazon faça isso, mesmo que obtenha alavancagem operacional, está enfrentando a lei dos grandes números, o que significa que provavelmente terá que adicionar algo entre US$ 150 bilhões ou um quarto de trilhão de dólares em receita de primeira linha nos próximos cinco anos. Isso nos ajuda a prever em quais negócios a Amazon está entrando”.

“O que a Amazon faz? Eles entram em uma indústria e aumentam a confiança e a satisfação. E se você olhar para a indústria aonde todos os caminhos levam – margem alta, grande indústria, falta de satisfação do consumidor – a direção é uma só. Saúde. A Amazon provavelmente será a primeira empresa a cuidar da saúde sem ficar na defensiva, ‘vamos reagir aos seus problemas e vamos começar a trabalhar’”, afirma.

O modelo de negócios e as vantagens da Amazon já estão provadas para os consumidores, inclusive durante a pandemia, quando a companhia passou a entregar muito mais e praticamente “engoliu” a competição. Essa aceleração teve seus custos, claro, com mais acidentes nos depósitos de distribuição por conta da automação.

O especialista em marketing argumenta que quando a Amazon entra em um setor, os consumidores saem ganhando no curto prazo. “Eles vêm com capital barato, são grandes inovadores, excelentes no que fazem”, diz. Mas quem fica com a fatia do leão são os acionistas porque o mercado valoriza a inovação.

No longo prazo, porém, pode ser ruim para os consumidores. “Normalmente o que acontece quando uma empresa desenvolve o tipo de poder de monopólio que a Amazon tem é que descobrimos que há muita inovação sendo sufocada”, explica Galloway. E aí entra sua opinião, já dividida com analistas da equipe do presidente eleito Joe Biden, de que as grandes empresas de tecnologia deveriam ser “partidas” em vários negócios. E que, dessa forma, essas empresas seriam forçadas a inovar por conta própria e competir, em vez de cooperar. “Para oxigenar a economia, temos que partir as big techs”, disse em entrevista à CNN.

Em seu novo livro, Scott Galloway escreve que estamos enfrentando uma “catástrofe econômica”. “Já desperdiçamos a maior parte de US$ 3 trilhões sem consertar”, afirma. Ele defende que nessa crise é preciso defender as pessoas e não as empresas. “Em vez de dar US$ 750 bilhões para o grupo mais rico do mundo, ajude os proprietários de pequenos negócios”, é sua resposta.

“Você quer criar velocidade de capital, quer obter esse multiplicador? Então dê US$ 10 mil para uma família que não tem segurança alimentar. Eles perderam o emprego, vão gastar US$ 10 mil e injetar o dinheiro imediatamente na economia. Você dá US$ 10 mil para um pequeno empresário, sabe o que ele faz? Talvez ele coloque o dinheiro no negócio, mas no final das contas, provavelmente vai acabar em uma conta de negociação onde ele compra ações da Amazon. O que isso me diz é que o estímulo, como tudo o que o governo faz, não fez nada além de achatar a curva para os ricos. Devemos proteger as pessoas, não as empresas”.

“Devemos formar uma rede, ser mais empáticos com nossos irmãos e irmãs. Não devemos colocar as pessoas em perigo. Mas essa idolatria absoluta de empresas, inovadores e bilionários atingiu o ponto máximo. Vamos nos dar as mãos. Vamos começar a decidir que quem devemos amar não são empresas e bilionários, devemos amar uns aos outros. O capitalismo não pode sobreviver a menos que seja construído sobre uma onda, uma base absoluta de empatia e respeito mútuo”.