Brian Solis, antropólogo digital, futurista e head de Inovação Global da ServiceNow, é um provocador, que usa o método socrático para gerar centelhas de inovação nas empresas. Munido de um conjunto de “perguntas usuais” e de “perguntas nunca feitas”, Solis, com a força-tarefa de inovadores e futuristas do Innovation Office, ajuda as empresas a navegar pelas constantes rupturas trazidas pela IA e criar valor.
O executivo esteve no Brasil esta semana com Dave Wright, Chief Innovation Officer da ServiceNow, participando do ServiceNow Summit, no dia 21 de agosto. O título de sua palestra, que fechou o evento, dá o tom da conversa: “Goodbye Digital Transformation, Hello AI Business Transformation!”. Para Solis, há um equívoco na transformação digital como praticada até agora: “Em vez de ver o digital como um novo paradigma para nossos negócios, focamos demais na digitalização de modelos e processos legados e na modernização de nossa organização existente. Precisamos questionar nossas premissas fundamentais sobre como pensamos sobre nossos negócios, como trabalhamos e como medimos o sucesso”.
Solis argumenta que as lideranças devem adotar uma nova mentalidade, questionando mais e imaginando novas possibilidades com a chegada da IA. Em vez de simplesmente tentar encaixar a IA nas estruturas existentes de “negócios como sempre”, as empresas precisam inovar e perceber que a ruptura é o cotidiano. Muitas empresas usam a IA para tornar “o ontem melhor hoje”, com foco na otimização, eficiência e redução de custos. Embora isso seja um progresso, cria um novo “status quo da IA” e leva a um crescimento linear, em vez de exponencial.
O desafio: mudar a mentalidade para viver em um futuro nunca experimentado. A mudança, diz Solis, começa com a autoconsciência. Líderes devem reconhecer que não sabem o que não sabem e adotar uma “mentalidade de aprendiz”. Isso envolve explorar possibilidades, cercar-se de contadores de histórias (como escritores de ficção científica), colaborar com as equipes e usar a IA para fazer o que não foi feito ontem, criando assim um novo valor.
“No meu novo livro, MindShift, exploro a ideia de que precisamos de um novo tipo de líder. Líderes que questionem mais e imaginem mais, porque, em vez de inovar por meio de todas essas rupturas, estamos fazendo o que sempre fizemos, que é tentar encaixar tudo no modelo de negócios habitual. Tentamos voltar ao normal, em vez de inovar e perceber que essas não são as últimas rupturas. Há mais, sempre haverá mais, as mudanças disruptivas acontecem todos os dias”, diz Solis. Confira abaixo a entrevista exclusiva que ele concedeu à The Shift.
Brian Solis – Se me permite ser um pouco filosófico, não sabemos o que não sabemos. O comportamento natural humano é recorrer ao que sabemos. Então, o que sabemos é o que aconteceu ontem. Sabemos como tornar o ontem melhor hoje e amanhã com a IA, por exemplo. E isso é bom. Na verdade, é progresso e é o que sempre fizemos. Tornamos o ontem melhor no amanhã.
Mas quando você não sabe o que não sabe, você fica limitado a esse progresso. Vivemos em uma sociedade e os negócios são governados por regras — a cada trimestre são medidos pelo seu desempenho, e não damos tempo, graça, liberdade ou permissão para explorar, porque estamos presos a esses padrões e medidas.
Para mudar, você precisa começar reconhecendo que não está inovando. E isso é difícil porque usar IA parece inovação, porque é incrível, é maravilhoso. Eu, pessoalmente, estou fazendo coisas muito legais. Estou cozinhando como Gordon Ramsay agora na cozinha.
Mas se dermos um passo atrás, todo o início de mudança de mentalidade é a autoconsciência. Enquanto escrevia o livro [“Mindshift: Transform Leadership, Drive Innovation, and Reshape the Future”], descobri uma estatística muito interessante: quase todo mundo acredita que tem autoconsciência, mas apenas 10% de nós realmente temos. Portanto, para dar o primeiro passo em uma mudança de mentalidade temos que aceitar que não somos autoconscientes.
Lembrando do livro “Mindset: A Nova Psicologia do Sucesso”, de Carol Dweck, e também do Zen Budismo, que fala da Mente de Iniciante (shoshin), agora é a hora em que, reconhecendo que não sabemos o que precisamos saber, adotarmos uma postura de estudante. Porque com as possibilidades da Inteligência Artificial hoje, você pode tornar o ontem melhor.
Usar a IA para fazer o que não conseguíamos fazer no passado é inovação. É aí que você pode explorar a criação de novo valor.
Acredito que as empresas vão ter que fazer dois movimentos para avançar. De um lado, otimização, eficiência, redução de custos… Elas serão seduzidas por isso porque é um progresso maravilhoso, é novo, é empolgante, e rapidamente isso vai se tornar o status quo da IA. Ou seja, todo mundo vai reduzir custos, ser mais eficiente, ser mais otimizado. Essa é uma linha linear.
Mas com empresas como a OpenAI, Anthropic, ou ServiceNow, que estão avançando na direção de AI Native, veremos uma linha exponencial de crescimento da inovação, porque vamos desbloquear novos valores com a IA em contínua evolução.
Podemos mudar o modo de pensar para nos tornarmos parte dessa curva exponencial. Temos duas opções aqui: explorar o que não sabemos com a IA e criar novos valores de forma exponencial, ou fazer com a IA o que já sabemos, e seguir a linha linear.
É preciso provocar a mudança. Por exemplo, executivos fazem sempre as mesmas perguntas sobre IA, e eu mostro essas perguntas nas minhas apresentações. Não importa o quanto a IA se torne exponencial; são sempre as mesmas perguntas. E tudo bem, porque é o que eles conhecem. Quando trabalho com empresas, apresento as duas linhas. Quais são algumas das coisas nas quais podemos usar a IA para obter ganhos mais imediatos e demonstrar ROI? Mas também apresento um set de novas perguntas que podemos fazer sobre o que não sabemos. Como resultado, podemos continuar explorando do ponto onde elas estão e construir um negócio do futuro, fazendo iteração e inovação.
Sim. É por isso que escrevi “MindShift”, porque precisamos de um novo tipo de líder. Portanto, seja inspirando os líderes de hoje a serem mais imaginativos, criativos e inovadores, seja recrutando um novo tipo de líder, a única maneira de desbloquear o crescimento exponencial é fazer essas perguntas e criar um ambiente ou uma cultura em que você possa explorar as respostas, porque, do contrário, você fica estagnado.
E é por isso que a cultura, na minha opinião, se torna uma base realmente importante para a transformação. Tudo é possível se olharmos para alguns dos maiores momentos de transformação na história das empresas, seja a Netflix e as evoluções que eles trouxeram para o entretenimento, ou a Ford, quando decidiu enfrentar a Tesla, pegando a infraestrutura tradicional e construindo uma empresa de energia elétrica separadamente. Sim, é possível, mas é preciso um líder que diga: “Não sei o que não sei, mas vamos descobrir juntos.”
Há um relatório do MIT que saiu esta semana que é muito controverso, sobre 95% dos pilotos de IA Generativa falhando em entregar um impacto comercial mensurável. E isso essencialmente quantifica o que meu artigo está dizendo: você não pode alcançar um ROI exponencial se estiver focado no processo linear.
Se você pensar na forma como os negócios são construídos hoje — RH, Finanças, Marketing, Vendas —, todos operam em seus próprios silos e todos têm um sistema de registro. Todos têm seu próprio conjunto de medidas, governança. E isso é normal. É assim que os negócios funcionam desde os anos 1950 e 1960.
Mas os dados também estão bloqueados em cada um desses silos. E a IA precisa de todos esses dados para poder criar modelos que melhorem a organização de qualquer maneira, forma ou tipo. O que o relatório do MIT descobriu foi que os projetos-piloto estão acontecendo em pequenos bolsões e, portanto, nunca poderão ser excelentes, pois estão bloqueados em silos. Mas nenhum trabalho em uma empresa funciona se não abranger todos esses silos. Essa é a proposta de valor da ServiceNow.
Portanto, o ponto principal do meu artigo e da pesquisa do MIT é que, se você não tem uma visão mais ampla do que sua empresa pode se tornar, qualquer projeto-piloto terá resultados limitados.
Em outras palavras: se tirarmos a IA da conversa e pensarmos apenas em liderança, um dos pilares mais importantes da liderança é a visão. O segundo é que os funcionários entendam essa visão e sintam que podem fazer parte da concretização dessa visão. Agora, trazendo a IA de volta à conversa, se os dados mostram que não há visão e se os funcionários não têm uma visão na qual acreditar, eles não conseguem se ver em nenhum tipo de futuro. Isso cria ansiedade, incerteza, baixa moral e, como digo no artigo, uma lacuna. E falta de confiança.
Eu gostaria de poder simplesmente abrir meu bolso e dizer: “Ah, aqui está a resposta”. Se você pensar em 2008, 2009, tivemos o início da revolução das mídias sociais e, em seguida, a revolução móvel com o iPhone, as mídias móveis e toda essa transformação. E então, alguns anos depois, a transformação digital se tornou um grande movimento por causa de todas essas novidades.
Mas, se você olhar historicamente — e eu publiquei muitas pesquisas sobre isso — as empresas não estavam se transformando de forma alguma. Elas estavam apenas digitalizando os processos de ontem. E assim, elas apenas fortaleceram esses silos. Agora, eles estão ainda mais profundos e arraigados.
Onde está o ROI? Onde está a transformação? E isso nos leva de volta à liderança. Não estamos pensando grande o suficiente. Então, vamos ver como um CEO encara a tecnologia. Há um artigo fascinante publicado recentemente pelo New York Times sobre isso. O artigo diz que os CEOs não querem inovação com a IA. Eles querem ROI com a IA.
Eles estão pressionando suas equipes para entregar resultados, mas não conhecem a IA. Eles não estão usando IA, seus conselhos não estão usando IA. Portanto, eles não podem realmente ser líderes.
Há um dado interessante no artigo, que remete a uma pesquisa do Gartner sobre confiança do CEO nas equipes. Se você observar o gráfico que mostra confiança e desconfiança do CEO no nível de conhecimento do C-Level e olhar as diferentes funções na organização — CHRO, CIO, CFO — a perspectiva do CEO é que ninguém tem experiência em IA.
Portanto, se o CEO não tem experiência em IA e não acredita que seus líderes tenham experiência em IA, como vamos nos transformar?
Isso nos leva de volta à pergunta: o que não estamos pensando? O que poderíamos fazer com IA que não podemos fazer hoje? As empresas que se concentram na experiência do cliente forçam realmente a acelerar mais rápido. Você precisa ter esta visão.
Se pensarmos na missão dos CIOs hoje, eles devem automatizar, aumentar a eficiência e reduzir os custos da empresa. Assim, o papel da tecnologia dentro de uma empresa é visto como um centro de custos. Se o CEO vê isso como um centro de custos, então não pode ser estratégico. E se não pode ser estratégico, não pode gerar retorno sobre o investimento.
Então, quero apresentar dois cenários para você. Se não for estratégico, tudo o que faremos é automatizar isso. Agora, o que fazemos com o tempo que estamos economizando das pessoas? Se você não é uma empresa estratégica, não há um bom resultado — possíveis demissões. Se você é uma empresa estratégica, vai se perguntar como pode amplificar o potencial das pessoas com IA para entregar exponencialmente, em vez de linearmente, e isso é incrível.
Vou dar um exemplo usando os óculos da Meta com IA. Um uso que ninguém imaginava é ajudar pessoas cegas a interagir com as coisas. Para mim, esse é um exemplo do que é a Realidade Aumentada. Porque acho que, quando pensamos em iteração e inovação, o equivalente é automação e amplificação, certo? A amplificação é o lado da inovação.
Tenho certeza de que a equipe da Meta não pensou nas pessoas com deficiência visual como um caso de uso. É aqui que fica realmente interessante. Como usuário, se eu não sei o que não sei, posso perguntar: o que outras empresas estão fazendo com IA? Isso me dá algum tipo de caminho a seguir. Eu me sinto seguro porque meus colegas estão fazendo esses casos de uso. Mas se eu não estiver perguntando o que os outros não estão perguntando, então ficaremos todos no mesmo patamar.
Se você estiver disposto a explorar o desconhecido, se estiver disposto a experimentar, então criará novos casos de uso em que a IA ganhará vida de maneiras mágicas. O que as pessoas estão começando a fazer agora é, como indivíduos, compartilhar os casos na Internet e inspirar outras pessoas a usar de outras formas. Isso pode elevar o nível das possibilidades.
Trabalhamos com nossos clientes. Chamamos isso de “a arte do possível” e “a centelha do possível.” Fazemos perguntas. Quais são os seus desafios? Quais são as suas oportunidades? E ouvimos coisas como “preciso demonstrar o ROI, meu CEO exige retorno em 12 a 18 meses”. Quais são alguns dos casos de uso que você está vendo que aceleram isso? Essa é a arte do possível. Agora que sabemos o que você quer fazer, vamos explorar com você maneiras pelas quais a ServiceNow pode tornar isso realidade.
Mas também perguntamos onde CEOs veem o futuro da sua organização. O que eles disseram ao mercado? Quais são as promessas deles? Quais são as visões deles? Se pudermos ouvir possibilidades nessas respostas, bem, essa é a centelha do possível. Aí vem a pergunta: imagine como você chegaria até aqui. Dela decorrem novas conversas. Temos até uma equipe que pode fazer uma prova de conceito para essas ideias. Aí as pessoas dizem: “Eu não tinha ideia. Eu não sabia que isso era possível. Eu não sabia que podia fazer isso”. E então, de repente, isso parece básico, parece incrível e eles querem ir daqui para lá. É assim que funciona minha equipe.
Queremos dar a eles um caminho a seguir. Queremos que percebam rapidamente o valor para que possamos construir confiança e uma parceria ao longo do caminho, mas também queremos que vejam o que é possível e se esforcem para alcançar essa arte do possível e, então, a centelha do possível, porque é aí que a competitividade se torna uma proposta de valor.
OK, se pudermos ajudá-los a usar a IA não apenas para serem mais eficientes, mas para serem mais competitivos, para criar novo valor, para criar melhores experiências para os clientes e melhores experiências para os funcionários, então começaremos a trazer essa promessa de transformação digital para uma era moderna e realmente criar uma cultura que será ágil e pronta para o que vem a seguir.
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