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Ricardo Da Ros Country manager da Ripio
ENTREVISTA

O evangelizador do bitcoin

Ricardo Da Ros, country manager da Ripio, empresa financeira argentina, se juntou à Visa e lança no Brasil um cartão de débito com a criptomoeda

Por Cristina De Luca 14/02/2020

Uma tecnologia resiliente, que não pode ser subvertida e que devolve o poder aos indivíduos. Foram essas características do Bitcoin que encantaram esse cientista da computação e profissional de marketing, hoje encarregado de estruturar a presença da Rippio, uma das principais empresas de serviços financeiros baseados em blockchain da Argentina, aqui no Brasil.

“O Bitcoin não inventou nenhuma tecnologia nova. Usou tecnologias já existentes que, juntas, permitiram a criação da rede sem nenhum órgão centralizador, sem ter nenhum chefe, nenhum dono. A rede é como um organismo independente. Ninguém manda no Bitcoin. Ninguém consegue controlar. Ele tem suas regras estabelecidas. O poder das pessoas usando o Bitcoin garante que as regras sejam cumpridas naturalmente”, explica Ricardo Da Ros, country manager da Ripio.

Sua principal missão é a de educar o nosso mercado para o uso da tecnologia, e afastar dela o estigma de pouco confiável. Para isso, conta hoje com um time em expansão, hoje com 8 profissionais que têm trabalho muito com a VISA no lançamento de um cartão de débito para operações de pagamento em bitcoin.

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“Muita gente ouviu falar sobre Bitcoin mas tem receio, queremos trazer conhecimento e mostrar que isso não é um bicho de sete cabeças”, diz.

Para Da Ros, o potencial do mercado está na diversificação dos produtos oferecidos na indústria de criptomoedas, hoje muito voltado para traders e pouco direcionado para o grande público. Sobre isso, fala com uma certa paixão, como vocês poderão perceber na entrevista abaixo.

Disrupção é…

“Algo inédito, que muda o status quo, como a própria tecnologia com a qual a gente trabalha. O fato de nós estarmos trabalhando no mercado de bitcoin já é uma disrupção por si só. Já mostra o nosso DNA. Na nossa visão, o bitcoin e as criptomoedas vão revolucionar o mundo de finanças e da economia tradicional. Estamos apostando tudo nisso.

Agora, dentro desse mercado disruptivo, com relação à Ripio em si, disrupção será conseguir tornar o bitcoin – que é novo, que ainda está nos seus passos iniciais em termos de usabilidade, de acesso, de informação – mainstream. Poder educar as pessoas para que elas entendam o que é esse mundo e facilitar a entrada delas nele, de forma segura, tranquila, sem aquela maluquice de correr atrás de ficar milionário da noite para o dia.

O foco deste mercado hoje, no Brasil e no mundo, está só na compra e venda das criptomoedas em busca de algum ganho financeiro rápido. Em serviços voltados para traders, não para o público em geral. Mas o benefício do Bitcoin não é de curto prazo. Acreditamos que as pessoas têm que entrar nesse mundo o quanto antes, mas para poder colher os benefícios a médio e longo prazos. Não só pensar no curto prazo.

Trabalhamos no desenvolvimento de serviços de pagamento que permitam unir o mundo financeiro tradicional ao mundo das criptomoedas.

A parceria com a Visa, por exemplo, é um grande exemplo disso. A gente vai trazer um cartão de débito VISA para as pessoas poderem gastar seus bitcoins no mundo real, em qualquer lugar onde a bandeira VISA é aceita, de forma rápida e transparente.

O estabelecimento comercial não precisa trabalhar com Bitcoin para receber um pagamento feito a partir da carteira de Bitcoin dos nossos clientes. Por exemplo: você pode ir a um restaurante e pagar com o cartão. O restaurante recebe em reais, mas você pagou com os bitcoins que tem na nossa carteira. A conversão é feita no processo de pagamento com o cartão, sem passos adicionais.

Também será possível fazer retiradas e depósitos 24 horas, os 7 dias da semana. Hoje se alguém tenta comprar bitcoin no sábado não consegue. Tem que enviar um depósito bancário na segunda-feira, esperar cair e ser validado, para só depois poder comprar. E em um mercado no qual o preço se move rápido, essa situação não é muito prática.

Então, disrupção será levar o bitcoin que hoje ainda é nicho, para o público em geral. E não só as pessoas físicas. Empresas também.

Cada vez mais têm empresas grandes se envolvendo com Bitcoin. Ainda é muito pouco. Esse movimento está bem no início. Mas nós também estamos de olho nele, buscando parcerias para que mais empresas possam usar o bitcoin realmente como uma forma de transferência de valores e realização de pagamentos. O bitcoin tem a facilidade de ser mundial, permitindo transferências praticamente instantâneas, e de custo baixo.

Quanto mais as empresas usarem agora, nessa fase inicial, melhor elas vão estar se posicionadas para os usos futuros. Então esse é um braço nosso: levar o nosso know-how nessa área de criptomoedas para ajudar as empresas a criarem soluções inovadoras, caso a caso.

Vejo a rede Bitcoin como backbone para a construções de aplicações para coisas específicas. Para atender a diferentes necessidades. Isso já vem acontecendo É como no início da Internet, lá nos anos 90, quando ela ainda não tinha muita utilidade, a tecnologia era bem rudimentar e a velocidade de era conexão baixa. Não havia muito o que fazer online. E muitos consideravam a internet uma modinha, passageira.

A internet é um backbone distribuído de comunicação. Tudo o que a gente faz hoje na internet, no dia a dia, são aplicações construídas em cima desse backbone. Há um paralelo muito forte com o bitcoin aí.

O Bitcoin ainda está em seu estágio inicial de adoção, como todas as outras criptomoedas. A tecnologia que dá suporte a ele ainda está em evolução. Mas acredito na massificação do uso. Tudo vai depender da quantidade de aplicações úteis e fáceis que surgirem. A quantidade de pessoas interessadas em aprender a usar continua a crescer. E muita gente vem trabalhando para tornar o uso mais simples.

A evolução do mercado tem dois lados: o do preço e o de adoção. Em termos de preço, a pressão positiva para a subida do valor é constante. Esse ano, inclusive, nós vamos ter o ‘halving’ do bitcoin, que acontece a cada 4 anos, e vai diminuir produção da moeda pela metade. Com mais gente entrando no mercado e menos bitcoins disponíveis, o preço sobe. A volatilidade diária é grande: você pode ter subidas de 10% e descidas de 10%. Mas eu vejo o preço do biticoin subindo constantemente.

O lado de adoção é uma oportunidade. Pouco gente conhece esse mercado ainda. Mas mais empresas vão aceitar e mais empresas vão usá-lo para fazer transações. Vai chegar em um ponto de inflexão que o tornará algo de massa.

Ah, Bitcoin é lento. Tem muita latência. Você precisa esperar no mínimo 10 minutos para entrar em um bloco. Esse é um assunto para ir a fundo mesmo. Eu vejo o Bitcoin como o banco central das transações. Ele tem que ser o mais seguro. E para isso, precisa garantir que um número suficiente de computadores valide as transações. Para ter transações mais rápidas, você pode construir camadas de aplicações baseadas no Bitcoin que façam conversões mais rápidas. Têm algumas já em andamento. Como a Lightning Network, por exemplo. Ela foi construída para possibilitar transações rápidas, instantâneas, sem latência.

Talvez alguém crie uma solução para transações privadas, porque o Bitcoin não é privado. É possível fazer todo o tracking das transações. Mas é possível criar uma aplicação para transações privadas. Ou outras aplicações, nessa segunda camada, para atender necessidades diferentes. Devagarinho, essa tecnologia criada em cima do Bitcoin se tornará mainstream.

Nós somos uma carteira digital. As pessoas podem armazenar criptomoedas, comprar e vender Bbitcoin, Ethereum e Stablecoin. São só essas três moedas, e o Real também. É bem simples, como o modelo da Coinbase.

Gosto de fazer um paralelo com a Coinbase, que começou como uma carteira digital de compra e venda de Bitcoin e uma ou outra moeda, depois lançaram a XDEX, que é uma exchange com vários pares e tal. A Ripio funciona da mesma forma. Temos também uma plataforma para investidores, traders, usuários mais avançados, com várias moedas, livros de ofertas, cotações e tal. E ainda um serviço OTC para clientes institucionais e volumes maiores. E 2020 vai ser o ano de atacar firme o mercado brasileiro com algumas novidades

São muitas as possibilidades. Na Argentina temos um serviço de microcrédito, que não tem previsão de vir para o Brasil ainda. Micropagamento? Vai depender um pouco da tecnologia. Está no radar, mas também não é algo de curto prazo. A tecnologia ainda não está madura o suficiente. Quando as pessoas estiverem mais familiarizadas com o mundo das criptomoedas, aí sim, elas talvez se sintam mais confortáveis para usar micropagamentos em Bitcoin e faça sentido para nós.

Vejo micropagamentos em Bitcoin como um grande potencial. Algo que pode vir a ser um canal de disrupção muito forte. Mas ainda está um pouco cedo.

A gente precisa educar o mercado também para aumentar a reputação do Bitcoin. Ainda estamos meio como no Velho Oeste. Gente que cria empresas e some…. Têm histórias inspiradoras e têm histórias de terror, né? No Brasil existem muitas empresas que prestam serviços similares ao nosso. Muitas não são muito sérias. Muitas não são confiáveis. Algumas são pirâmides. Algumas oferecem rendimentos extraordinários. Esse é um desafio nosso também. Credibilidade. Aculturar o mercado.

De uma certa forma, aquele boom de 2017, com muita especulação em cima da moeda, acabou atrapalhando um pouco. As pessoas começam a entrar nesse mundo por razões erradas sem entender e aí se frustram com o preço caindo…

Entre hoje e dois anos para frente a gente vai ver um preço muito maior que aquele. Só que eu espero que não seja tão rápido assim. Vá subindo gradativamente. Porque senão vai acontecer o mesmo problema. As pessoas vão entrar porque querem ficar ricas. A bolha se forma e estoura.

É importante diferenciar ser uma bolha e estar em uma bolha. O preço passa por bolhas. É natural. Mas a tecnologia em si, não.

Vejo as outras criptomoedas de modo diferente. Para mim Bitcoin é a única criptomoeda que tem valor monetário de longo prazo, que pode ser usada na economia, que pode ser usada de forma mais estruturada. As outras vão ter casos de uso específicos. São experimentos interessantes, mas não vejo nenhuma delas subindo ao nível de ser uma moeda forte capaz de participar da economia. Elas vão continuar sendo de nicho.

Veja, o Bitcoin tem emissão finita. E a gente está acostumado com moedas de emissão infinita, né? Mas a emissão finita é um dos pontos mais positivos sobre Bitcoin. É a possibilidade de a gente voltar a um padrão de moeda forte. Principalmente se tiver alguma grande crise econômica como a de 2008. Ou até pior.

Acho que alguns países vão buscar alternativas ao ouro. Hoje o ouro é usado como reserva de valor. Mas ele é difícil de movimentar, de usar para a realização de pagamentos, transferências. Então, talvez o bitcoin comece a ganhar marketshare entre nações depois de uma crise financeira. E esse venha a ser o ponto de inflexão para uma adoção mais massiva da moeda.

Vários bancos centrais estão pensando em criar as suas próprias criptomoedas. Se todas foram digitais é muito fácil a conversão.

A filosofia do Bitcoin é descentralizar. É que o usuário seja soberano e tenha controle das suas próprias finanças. Que, no futuro, ele seja capaz de guardar e proteger a sua própria carteira, a sua chave privada, em um dispositivo físico. Mas tecnologia financeira é algo que a gente precisa caminhar com calma. Muitas aplicações a regulação já permite, outras não. No caso do cartão de débito, por exemplo, a Visa precisa validar tudo. A Enert Young edita nossos processos internos.

A regulamentação das transações de compra e venda está sendo criada agora. Nós somos obrigados a declarar toda a movimentação que acontece na nossa plataforma para a receita. Também estamos criando um informe para o Imposto de Rende, no fim do ano, nos moldes do dos bancos. Está no nosso pipeline o desenvolvimento.

No fundo nós pretendemos lançar uma conta digital, que vai permitir fazer TEDs, docs, pagar contas… Vamos virar um banco digital com Bitcoin. Em vez de ter conta corrente e conta poupança, vamos ter conta corrente e conta Bitcoin, e o cliente vai poder trocar dinheiro entre elas.

Cashback em Bitcoin é uma coisa que já está começando a aparecer e que já está no nosso radar. Tem tanta coisa que a gente pode fazer para tornar o Bitcoin mais palpável para o público em geral. O cliente Ripio, quando tiver o nosso cartão, vai poder ter cashback em Bitcoin. Isso pode ser um atrativo para as pessoas. E uma forma de começar a ter Bitcoin sem ter que comprar Bitcoin.

Os bancos maiores têm receio ainda desse movimento. Estão de olho. A VISA nos aproximou deles. Nos levou para fazer uma apresentação para o comitê de inovação de uma associação de empresa de pagamentos… Alguns players estão bem informados. Outros continuam mais reativos. Mas esse é um momento para construir parcerias também.

O Brasil é um dos países mais importantes da América Latina, sobretudo no que diz respeito à indústria financeira, que nos últimos anos construiu um ecossistema de fintechs e startups com produtos financeiros sólidos que buscam oferecer soluções melhores que as tradicionais.

Também estamos empenhados em mostrar que mesmo com alta volatilidade o investimento em bicoin pode ser uma ótima forma de diferenciar um portfólio de investimentos. Não oferece altos riscos se for feito com responsabilidade e conhecimento.

Do ponto de vista de uma estratégia de investimento, para quem é mais conservador, e tem um portfólio diversificado, colocar 5% desse portfólio em bitcoin é interessante. Porque o bitcoin ou cai muito, ou sobe muito. Porque é bem assimétrico. Ou ele sobe muito ou ele cai muito. Então, supondo que ele caia muito. Algo como 50%. Você ter uma queda de 2,5% do seu portfólio é aceitável. Você deixa lá…. uma hora pode ser que ele volte. Agora, se esse 5% triplicar de preço, passa a ser 15% do seu portfólio.

O investimento em bitcoin pode ter um impacto positivo alto. E um impacto negativo baixo. Se as ações estão caindo e ele subindo, ele compensa a perda do seu porfólio. E vice-versa.

Outra confusão comum é entre bitcoin e blockchain. O blockchain tem vida própria. Hoje eu vejo as soluções corporativas de blockchain como experimentos válidos para testar o que é possível fazer, mas são pouquíssimos os casos válidos. Muitas vezes usar bancos de dados distribuídos normais poderiam fazer o mesmo.

Tem casos interessantes, sim. Alguns até open source. Já ouviu falar no OpenTimestamps e Chainpoint, para criação de uma prova de carimbo de data/hora de qualquer dado, arquivo ou série de eventos? São abertos e qualquer pessoa pode usar para fazer registro de qualquer transação interna no blockchain. Ou de qualquer documento. O hash garante que o documento existia na data em que ele foi criado e que o conteúdo dele não foi alterado. Isso é legal, tem utilidade. Pode ser integrado a qualquer sistema da empresa.

Mas tenho expectativas muito boas para o futuro do Bitcoin e da Ripio, no longo prazo. O modelo de negócio é o fee da transação. Qualquer transação terá uma taxa. Hoje essa taxa é zero, porque queremos educar o mercado e conquistar mais usuários. A ideia é ter vários serviços, facilitar a vida do usuário, dar opções e dar utilidade e em cada serviço ganhar um pouquinho. A gente não quer ganhar muito de uma vez. A gente quer ter um volume alta de clientes, transações, de utilização da plataforma, e ganhar na quantidade. Não estamos preocupados com a monetização por enquanto.

Captamos mais de US$ 40 milhões em rodadas de investimento, e estamos em fase final de aceleração pela Visa aqui no Brasil e pelo Google no México.

Também temos uma parceria com o Mercado Livre (Mercado Pago) na América do Sul. E estamos nos preparando para, caso a Libra, do Facebook, vingue, ser o node dela na América do Sul. A empresa hoje tem mais de 100 funcionários. No Brasil temos 8 agora. O foco de 2020 também é de expansão do escritório no Brasil, com mais contratações em vista.

O core da operação está na Argentina. A nossa equipe de tecnologia é global. Dentro do time de tecnologia que fica na Argentina têm equipes para atender o Brasil. Para integrações e outras atividades. E a gente tem contato constante.

Estamos com iniciativas para uma expansão geográfica mais agressiva, contemplando Paraguai, Uruguai, Chile, Peru e Colômbia. E estamos indo para a Espanha também. Vai ser o nosso pé na Europa. Em todos esses locais estamos em fase de estruturação da operação.

Acreditamos que o potencial do mercado está na diversificação dos produtos oferecidos na indústria de criptomoedas.

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