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ENTREVISTA

Recolocar é mais sustentável que descartar

Esse é o lema da Gooxxy, uma das primeiras greentechs do Brasil. O modelo de negócio criado por Vinicius Alves se mostrou tão eficiente, que passou a ser encarado como benchmark internacional

Por Cristina De Luca 22/01/2021

Quando o advogado mineiro Vinicius Alves fundou a XPrajá, há três anos, ele tinha apenas uma certeza: a de que recolocar produtos no mercado é mais sustentável que descartá-los. Com isso na cabeça, montou uma plataforma usada hoje por mais de 25 indústrias no Brasil, com faturamento superior a R$ 200 milhões. Todas dos segmentos de alimentação, bens de consumo e bebidas.

Duas dessas grandes fabricantes, a Unilever e a Mondelez, provocaram o início de um processo de internacionalização do negócio. Motivo pelo qual, no último dia 15 de janeiro, a XPrajá foi rebatizada. Agora ela atende pelo nome de Gooxxy, mais fácil de ser pronunciado por clientes dos mercados americano e colombiano, onde se prepara para iniciar operações.

A estruturação desse grande passo foi todo financiado com recursos próprios. “Nossa operação gera muito caixa”, comenta o fundador. “Mas pretendemos ampliar a operação nesses mercados o mais rápido possível. E aí sim, estamos procurando parceiros para isso”.

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A Gooxxy se diz a primeira greentech brasileira, com atuação exclusivamente no mercado B2B. “Quando começamos não existia nenhuma empresa no mundo especializada em recolocar produto. Que é algo meio óbvio né? Mas ninguém fez”, comenta Vinícius. “Nossa função é ampliar e completar o ciclo de vida útil do produto”, completa.

Com a economia circular e o ESG entrando para agenda empresarial, a Gooxxy já pensa também em ter um processo estrutura para medir o seu impacto ambiental. O que pode dizer agora é que, em 2020, impulsionada pela pandemia, foi responsável por recolocar mais de R$ 250 milhões em produtos encalhados, com defeitos ou devolvidos, evitando que 95 mil toneladas deles – muitos, alimentos com suas datas de validade bem próximas do vencimento, mas ainda bons para o consumo – fossem parar no lixo.

É a história desse empreendedor e de seu modelo de negócio que a gente conta hoje. Boa leitura.

“Disrupção é…

Quebrar paradigmas. No nosso caso, foi conseguir ensinar para indústrias enormes a mudar seus processos. Eu digo que o nosso maior desafio foi convencer essas indústrias de que elas podiam fazer diferente. Podiam transformar o custo com a desindustrialização em resultado, acessando novos consumidores.

Já imaginou chegar para uma indústria que fatura RS$ 15 bilhões e dizer que ela pode deixar de perder aqueles 3% do faturamento anual só mudando o processo de descarte? E mostrar a ela como mudar? Foi o que a gente fez.

Além da questão financeira, há o impacto social. As pessoas perceberam que, ao contrário de descartar, faz muito mais sentido adotar uma solução que reduz o desperdício. No fundo, é muito mais a questão sustentável do que a comercial….

Venho do mercado de M&A. Sempre trabalhei com compra e venda de empresas. Então sempre me relacionei muito com tomadores de decisão. Certa vez, conversando com um diretor de uma empresa de varejo, ele comentou que iria descartar aproximadamente 15 toneladas de salsichas, porque estavam próximas do vencimento. Aquilo me indignou. Alimentos sendo jogados fora, no lixo?

Na época eu tinha um amigo que trabalhava com eventos no Nordeste. Então pensei em entrar em contato com ele perguntar se havia o interesse em comprar esse produto, em uma condição comercial diferente, por estar a 100 dias da data de vencimento. Ele topou. Comprou com 90% de descontou e usou nos eventos dele.

Mas a situação toda me incomodou. Fiquei com ela na cabeça e comecei a pesquisar o mercado. Percebi o tamanho do desperdício de alimentos no Brasil. A necessidade que as indústrias de alimentos e bens de consumo tinham de construir uma solução que não canibalizasse o mercado delas, mas que ao mesmo tempo reduzisse o desperdício. E comecei a fazer outras intermediações, me valendo dos meus relacionamentos.

Foi aí que eu percebi que a recolocação de produtos que iriam para descarte, mesmo ainda estando bons para o consumo, podia ser um bom negócio, ainda inexplorado.

A gente desperdiça mais de R$ 100 milhões em alimentos, desde a fazenda até a nossa casa. Trabalhamos com quase 50% disso, correspondentes à produção industrial e à comercialização. Agora a Unilever está pedindo para a gente passar a trabalhar também recolocando insumos. A indústria sempre compra quantidades maiores do que ela precisa para começar a produzir. Então, já começamos a mapear esse mercado.

Se você for pesquisar vai ver que outros segmentos, como o de medicamentos, têm o mesmo problema. Defensivos agrícolas, idem. Em todas essas indústrias, recolocar é mais sustentável que descartar. Mas preferi trabalhar focado. Hoje atuamos só nos mercados de alimentos, bebidas e bens de consumo, que já são enormes no Brasil.

Todos os meses a indústria precisa lidar com o descarte daqueles produtos que são devolvidos por seus parceiros por uma questão de data crítica. Geralmente os contratos dão o direito ao cliente devolver os produtos faltando 60 dias para o vencimento. O descarte dos remanufaturados, que são aqueles que por um pequeno defeito não passam no padrão estabelecido pela própria indústria, embora estejam bons para consumo. E  dos descontinuados, que são tirados de linha ou não têm aceitação do público. O modelo tradicional de fazer isso era  descaracterizar esses produtos e descartá-los.

Oferecemos um destino muito melhor para aqueles produtos que seriam jogados lixo. E fazemos com que a indústria deixe de gastar com o descarte, sem competir com ela.

Já são três anos trabalhando junto às indústrias brasileiras. No ano passado, com a pandemia, com a nossa empresa mais conhecida e a tecnologia mais afinada, o negócio decolou. Com o fechamento de muitas lojas no varejo físico, a indústria passou a nos procurar mais para ajudar os clientes dela a recolocar os produtos no mercado. Recolocamos R$ 250 milhões em produtos. Mais de 50 milhões de skus [sigla em inglês para Unidade de Manutenção de Estoque]. E evitamos o descarte de mais de 95 mil toneladas.

Temos perto de 500 clientes entre varejistas, distribuidores e cozinhas industriais, com acesso a produtos de aproximadamente 30 fabricantes em 16 estados brasileiros, incluindo Nestlé, Mars, Haribo, Purina, Mondelez e Ambev.

Somos uma greentech com operação B2B. A nossa função é ampliar e completar o ciclo de vida útil do produto.

Nosso modelo de negócio se assemelha ao do Uber, que não tem o motorista, nem o carro, só o serviço, prestado através de uma plataforma digital que coloca o estoque da indústria disponível para quem tiver o interesse de comprá-lo.

Quando a indústria coloca o produto na nossa plataforma ela já informa as condições comerciais por tipo de varejo, região, quantidades, e inclui o frete no preço.

É a própria indústria que entrega. Em alguns poucos casos, ela autoriza o cliente a ir buscar. Mas isso é exceção. A gente fica com um percentual da transação, pago por quem compra, não por quem vende.  Cobramos uma espécie de comissão pelo serviço prestado: o de oferta de produtos de qualidade, na quantidade certa, com um bom desconto.

Eu costumo dizer que o nosso é um negócio de vários negócios. Para cada indústria a gente tem um processo, uma estratégia diferente.

A gente olha para o marketing, para a logística…  Até porque o processo que funciona para um produto não necessariamente funciona para outro. Então a gente vai ajustando caso a caso. Todos os clientes passam pelo crivo da nossa equipe. As indústria parceiras sabem que podem confiar naquele cliente.

Agora a própria indústria já tenta traçar suas estratégias de recolocação. Ela pode definir, por exemplo, que aquele lote grande que está em São Paulo não pode ser recolocado no mercado paulista. Nem pode ser vendido integralmente para um único cliente. Ela mesmo pulveriza.

Quem compra sabe que a nota é da indústria, que a entrega é da indústria, mas que toda a transação é feita por nós. Então trata essa compra como uma oportunidade. Se a indústria vendesse direto, canibalizaria o próprio mercado.

No modelo que construímos o cliente é responsável por vender os produtos dentro da data de validade. E a descartar corretamente o que não conseguir vender. Como ele está comprando em condições especiais, ele não pode devolver a mercadoria para o fabricante. A maioria consegue vender tudo o que compra. Até por que já compra de acordo com os seus fluxos de venda. O fabricante acompanha todo o processo. É a marca dele, afinal.

Através da nossa plataforma o fabricante pode fracionar as toneladas que iria descartar em lotes menores. O varejista pode comprar uma quantidade mínima e até levar outro tipo de produto junto com o pedido, como se fosse um combo.

O que a gente tem percebido é que geralmente o varejo começa vendendo os produtos pelo preço de mercado, aumentando bastante a sua margem. A medida que a data de vencimento se aproxima, passa a fazer promoções de queima de estoque. Dificilmente fica com algum produto depois da data de vencimento. Alguns varejistas chegam a vender até por um preço abaixo do custo, porque já lucraram com as vendas iniciais.

A gente teve outro grande desafio, que foi a concepção e a construção da nossa plataforma.

Eu tinha certeza que o negócio envolvia tecnologia, muito por causa do volume que seria transacionado. Mas ainda não estava claro para mim que eu teria que criar a plataforma do zero. No início fui olhar várias. Queria comprar algo pronto e adaptar. Mas nenhuma delas atendia nossas necessidades. E olha que eu passei quase um ano entendendo qual era a necessidade desse mercado.

A vantagem é que quando contratei a equipe de TI eu já sabia exatamente o que eu queria. Estava tudo definido. Eu já sabia como seria o lado do cliente, e o que ele pode enxergar na plataforma. E como seria o lado da indústria. Enfim, exatamente como a plataforma deveria ser para poder viabilizar o negócio.

Empreender não é fácil. A gente acha que o negócio é de um jeito e ele é de outro. O segredo é lidar bem com a velocidade com a qual você é forçado a mudar de ideia.

Piora quando você cria um negócio do nada, sem nenhuma referência. Tivemos que mudar a direção muitas vezes, e muito rápido. Mas eu sempre estive muito próximo do negócio. Sempre ali, sentindo o pulso.

Também sempre procurei buscar conhecimento, informações sobre os mercados, relacionamentos. Digo sempre para o pessoal aqui que eu tenho obrigação de me relacionar sempre com pessoas melhores que eu.

Fomos procurados pela Endeavor e passamos pelo processo seletivo deles. Sigo lá, buscando conhecimento, treinamento para o meu time, referências profissionais em marketing, tecnologia, e por aí vai. Não tem nada melhor do que você escutar de quem já fez, já empreendeu, o que deu certo e o que deu errado.

Por exemplo, um aprendizado importante foi não ter contratado o melhor time de tecnologia que eu poderia contratar desde o início. Porque na hora que você entra no jogo você precisa entrar para ganhar. Não pode entrar só para treinar.

Se você pensa em começar um negócio de tecnologia, você precisa se cercar dos melhores em tecnologia.

Hoje a nossa sede é em São Paulo, mas nós abrimos uma filial no interior de Minas Gerais, em Lavras, por questões de custo. Toda a parte administrativa fica lá.

Esse ano a gente decidiu medir o nosso impacto ambiental. Decidimos também olhar com mais carinho para a redução das emissões de carbono. Também já começamos a fornecer para a indústria insights retirados da plataforma. A gente consegue gerar informações valiosas para que a indústria consiga adequar o ritmo de produção. Especialmente para quem trabalha no mercado de proteína animal.

Também estamos iniciando operações nos EUA, com a Mondelez e na Colômbia, com a Unilever. Elas nos provocaram a atuar fora do Brasil. Por conta disso tivemos que mudar a marca, de XPrajá para Gooxxy.

Tivemos também que contratar uma consultoria para mapear clientes e prováveis concorrentes lá fora. Em especial nos EUA. Ela está responsável por montar um plano de negócios e fazer toda a parte burocrática que inclui também a análise da tributação. Vamos nos estabelecer em Illinois, pelo fato de a sede da Mondelez ficar lá.

Todo esse processo de internacionalização está sendo financiado com recursos próprios. Nossa operação gera muito caixa.

Entrar nesses mercados já com dois clientes grandes dá alguma segurança. Mas pretendemos ampliar a operação nesses mercados o mais rápido possível. E aí sim, estamos procurando parceiros para isso.

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