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TENDÊNCIAS

Protagonismo na gestão do tráfego aéreo urbano

A brasileira Atech é uma das empresas que vem fomentando o debate internacional sobre regras para o transporte aéreo urbano e trabalhando na criação de sistemas de controle de tráfego

Dias atrás, a Embraer anunciou a formalização, junto à ANAC, da certificação de voo do seu eVTOL, despontando como uma das protagonistas na corrida entre as empresas que desenvolvem esse tipo de aeronave. O que poucos sabem é que uma empresa do grupo, a Atech, também vem buscando protagonismo em outro segmento de ponta relacionado a este mercado: o segmento de sistemas de gestão e controle de tráfego aéreo.

A empresa é responsável pelos sistemas de controle do tráfego aéreo brasileiro, reconhecido como um dos melhores do mundo, indicado pela ICAO como referência mundial. Uma das principais parceiras do DECEA (Departamento de Controle do Espaço Aéreo), ligado à FAB (Força Aérea Brasileira), a Atech é responsável por desenvolver e modernizar a tecnologia empregada no sistema de gerenciamento e controle do tráfego aéreo (ATM/ ATFM) presente em 100% do espaço aéreo brasileiro e também já exporta a tecnologia para países da América do Sul e para a Índia.

Também desenvolve projetos estratégicos na área de Defesa e Segurança, que envolvem sistemas C4iSR  para a tomada de decisão, simulação, sistemas embarcados de missão, treinamento, entre outros.

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Há alguns anos, desde que a Embraer começou a pensar na construção de um eVTOL, a empresa começou olhar também para as oportunidades que a complexidade da gestão do transporte aéreo urbano oferecia. A The Shift conversou com Marcos Resende, diretor de Negócios ATM da Atech (foto), sobre os desafios que a proliferação de drones e eVTOLs trará para reguladores, fabricantes e a população em geral. O que vai acontecer com os sistemas de gestão de tráfego quando essa indústria da mobilidade área urbana escalar, aumentar exponencialmente o número de operações, que é o propósito dela, e tornar os voos mais acessíveis? Veremos grandes mudanças?

Hoje, o espaço aéreo já é extremamente regulado. Mas a Atech enxerga a necessidade de uma série de adaptações para que o tráfego aéreo flua sem muitos problemas. Estamos falando da possibilidade de criação de novas classes de espaço aéreo, com regras específicas. Da maior automação da gestão do tráfego, a partir do uso de novas tecnologias de comunicação, de segurança e de IA. Da harmonização de tecnologias empregadas pelos próprios veículos. De sensoriamento para vigilância e por aí vai.

O contexto

“A gente já vem conversando sobre a gestão do espaço aéreo urbano desde 2018, 2019, quando a gente começou a perceber que o transporte aéreo urbano seria importante. E exigiria um ecossistema colaborativo para acontecer.

A Embraer logo se interessou por desenvolver uma aeronave de pouso e decolagem vertical, chamadas em inglês de eVTOL, e nós, com a nossa competência de gestão de tráfego aéreo aqui na Atech, começamos a estudar como seria a organização do espaço aéreo urbano quando esses veículos começassem a circular. E a desenvolver uma visão para este sistema.

No mundo existem mais de 500 empresas que estão investindo nessas aeronaves. Óbvio, 90% das empresas são pequenas. Não têm o know-how de uma Embraer para construir uma aeronave de passageiros. Construir um drone que vai transportar uma carga é uma coisa, mas construir uma aeronave para colocar pessoas dentro, muda totalmente a quantidade de requisitos de segurança.

Hoje vemos no nosso posicionamento estratégico que temos capacidade, dentro do grupo Embraer, para desenvolver uma aeronave segura. A gente sabe certificar uma aeronave. Já fez inúmeras. Então a gente consegue ter um posicionamento muito diferenciado do dos outros concorrentes atualmente.

Os órgãos reguladores, como a ANAC, no caso do Brasil, e a FAA, estão preocupados em como garantir a segurança de operações de transporte aéreo urbano.

Então, lá atrás, procuramos o DECEA, Departamento de Controle do Espaço Aéreo, para fomentar o debate sobre gestão do tráfego que o espaço aéreo urbano vai gerar. Fomos muito bem recebidos e temos uma cooperação intensa na concepção do que será o transporte aéreo urbano e como será a organização do espaço aéreo.

Fomos para fora também, buscar outras visões a respeito. Participamos de alguns seminários internacionais, promovemos alguns encontros também. Na época, a maior empresa de táxi por aplicativo estava muito interessada nessa questão, em fomentar a indústria no desenvolvimento de aeronave eVTOL, com vista a operar esta malha de transporte futuramente. E foi um dos drivers dessa mudança, não é? Quem puxou muito essa indústria.

A própria NASA, provocada pela FAA (Federal Aviation Administration), já estava estudando isso. De modo que acabamos encontrando muita interlocução para discutir soluções sobre as quais, até então, pouca gente estava falando.

Agora esse assunto começou a repercutir mais. Mas a gente já vinha trabalhando e estamos evoluindo a passos largos, hoje.

A combinação do desenvolvimento do eVTOL e nossa proposta gestão de tráfego aéreo cria uma posição única para liderarmos com responsabilidade o crescimento do novo ecossistema de mobilidade aérea urbana, capacitando pessoas e comunidades ao longo do caminho.”

O piloto 

“O piloto lá do Rio usou um helicóptero. O objetivo era capturar a percepção do usuário na utilização de um serviço como esse. Quais os requisitos que o usuário vai ter? Qual será a dinâmica? Se o usuário estiver com malas enormes, como vai ser?

A ideia do piloto foi capturar detalhes da experiência dos clientes que poderiam influenciar a decisão final do produto. E nos trouxe muitos aprendizados.

Tem muito investimento sendo colocado no transporte aéreo urbano. Certamente os investidores vão cobrar o retorno. Então vejo que, no curto ou médio prazo, será uma realidade. É um caminho que não tem volta.

A gente está falando aqui dessas aeronaves maiores, dos eVTOLs, mas existem os drones também, né? Nosso conceito de Gerenciamento de Tráfego Aéreo Urbano (UATM) prevê acesso equitativo e seguro ao espaço aéreo urbano para um amplo espectro de aeronaves, incluindo helicópteros convencionais, aeronaves de asa fixa e eVTOLs.

O conceito UATM é projetado para examinar as maneiras pelas quais uma solução de controle de tráfego aéreo dedicada para o setor de mobilidade aérea urbana pode interagir e coordenar com agências convencionais de Controle de Tráfego Aéreo (ATC) e Gerenciamento de Tráfego Não Tripulado (UTM) para drones. Ele propõe uma nova abordagem para gerenciar grandes volumes de aeronaves em um sistema que pode operar com segurança e eficiência em espaço aéreo urbano denso e de baixa altitude.

Hoje existem alguns experimentos controlados, em áreas reservadas…. Mas o que vai acontecer quando começarem a voar em conjunto? Quando essa indústria escalar, aumentar exponencialmente o número de operações, que é o propósito dela, e tornar esses voos mais acessíveis?

É aí que começa a surgir a necessidade de uma gestão específica, para que operem em segurança. Que entram em cena o que chamamos de regras do ar, para a gestão do espaço aéreo.”

O futuro da gestão do espaço aéreo urbano

“Hoje, o espaço aéreo já é extremamente regulado. Existe um conjunto de classes  de espaço aéreo  – de A até G. Para cada classe dessas há uma regra específica. A mais tranquila, é a chamada classe G, que é um espaço aéreo não controlado. Quando vamos chegando próximo a áreas urbanas que possuem movimento aéreo, essa classificação vai mudando, não só pelos eixos XY, mas pelo Z também, que é a altitude. Então tem classes de acordo com o nível de voo que você está trabalhando. Isso já é assim hoje. Já existe toda essa divisão do espaço aéreo.

O que a gente enxerga que vai acontecer com o tráfego aéreo urbano? A definição de regras para um conjunto de classes dentro da área urbana. Certamente sobre o rio Tietê, talvez exista uma classe que permita um certo tipo de voo. Sobre os Jardins, outro.  Haverá um desenho para esse espaço aéreo, específico.

No caso da Atech, esse desenho é um serviço que a gente pode prestar também. Cada cidade vai querer ter o seu desenho, uma vez que são geograficamente diferentes.

Esse novo desenho para o espaço aéreo urbano vai ter que ser harmonizado com as regras existentes hoje. Será preciso acomodar as coisas, porque esse espaço aéreo já é utilizado hoje. Os sistemas não poderão ser sistemas isolados. Precisarão estar integrados, possibilitando a troca de informações de uma forma muito segura e muito rápida para definir quem vai poder circular.

A gente acredita que o espaço aéreo urbano será muito dinâmico. Estamos falando de milissegundos para coordenar alterações, definir prioridades.  O que acontecerá se em determinado raio uma aeronave declarar emergência e tiver que pousar rápido? Pode ser que ela esteja em uma área densamente povoada. Quais serão as regras para a descida?

Hoje a gestão dessas regras é feita por operadores de voo, lá das torres de comando, falando com os pilotos. Só que isso, na dinâmica de um espaço urbano, talvez seja inviável. A gestão do tráfego terá que ser muito mais automatizada, menos dependente do ser humano.

Provavelmente teremos um período de transição, com gestão humana e automatizada. Talvez o controlador passe a operar como um gestor da automação. Mas isso não acontecerá de forma abrupta. A gente acredita que esta transição se dará em uma crescente.

A aviação, em geral, é muito conservadora. A adoção de novas tecnologias no mundo da aviação, de uma forma geral, é parcimoniosa. É preciso testar, validar os testes. Aos poucos, a partir das comprovações que vão surgindo, vai se adquirindo confiança. Então, a gente enxerga uma evolução nessa curva da automação.

Pode ser que a gente tenha rotas diferentes para cada momento do dia, dependendo do volume de tráfego. Então, pela manhã essa rota vai ser nesse sentido. À tarde, vai ser naquele sentido. Essa estratégia provavelmente será definida pelos gestores do espaço aéreo, mesmo com o crescimento da automação.

Essa automação exigirá frequências de comunicação de dados, não tanto de voz como é hoje. Há estudos aí falando sobre 5G, mas como ainda não foram feitos muitos testes, não dá para cravar nada em relação à confiabilidade. O que a gente pode dizer é que haverá a necessidade de links de comunicação de dados muito eficientes, que sejam redundantes e estratégicos para fazer a coordenação desse espaço aéreo.

A Inteligência Artificial também poderá ser usada. Ao nível da aviação, mais concretamente à Gestão do Tráfego Aéreo, existem vários aspetos da IA ​​que podem trazer benefícios a este ecossistema, como apoio à tomada de decisão, reconhecimento de voz, etc.

A inovação disruptiva está na utilização, de forma absolutamente segura, de tecnologias que ainda estão em desenvolvimento.

Também será preciso harmonizar tecnologias. Por exemplo, o sistema de proteção dos drones, para evitar colisões entre eles, é um. O dos aviões, é outro. Eles vão conversar?

No início, esses dois tipos de aeronave não ocuparão o mesmo espaço. Um não vai operar próximo ao outro. Como é que a gente garante isso? Então, vem aquela outra componente, que é a vigilância. Será preciso monitorar esse espaço aéreo. Colocar radares e sensores para saber o que que está acontecendo lá. Saber se tem alguém ocupando o espaço e que não seja cooperativo. Alguém que não está cooperando para a coordenação do espaço aéreo. Que está voando em um local que não pode voar.

Então teremos sistemas de navegação, comunicação e vigilância. E eles terão que operar com total segurança. Se estamos dizendo que cada vez mais vamos apoiar a comunicação em links de dados, esses links terão que ser protegidos, para que não exista aí nenhum nível de interrupção. Esse é um outro baita desafio a ser vencido: garantir que esses links não sejam atacados.

As mesmas vantagens de integração proporcionadas pela interoperabilidade através do uso de um ambiente tecnológico mais conectado, sistemas de rede, soluções em nuvem e compartilhamento de informações entre diferentes sistemas, também trazem novas preocupações e questões de segurança que resultam em mais investimentos em tecnologia de cibersegurança.

Na comunicação provavelmente haverá a necessidade de uma frequência de dados dedicada para esta aviação, e de um padrão de comunicação para certificar que a comunicação partiu de determinado centro de controle. Isso certamente virá pela definição de um padrão internacional  de segurança para essa comunicação. E aí entra a importância dos reguladores mundiais. Eles também terão que se posicionar.

Como pode ver, o conjunto de travas para a evolução do transporte aéreo urbano é muito alto. Mas estamos evoluindo bem.

“O que me deixa feliz é que nós, brasileiros, estamos trabalhando para fazer isso acontecer. Gerando tecnologia que pode ter impacto mundial. Em 2019 publicamos o primeiro paper sobre o assunto, o FlightPlan2030. Publicamos também um paper  junto com a Airservices Australia. E estamos terminando um agora sobre Londres, em parceria com o órgão regulador de tráfego aéreo inglês. Enfim, estamos ajudando a fomentar a discussão para começar a destravar o mercado”, completa.

Hoje a Atech tem cerca de 500 funcionários. Vendemos conhecimento, tecnologia, em nichos muito específicos como defesa e gestão do espaço aéreo.

O imaginário popular enxerga aquela cena do Jetsons, né? Você pegando o seu veículo aéreo, saindo por aí. No início não vai ser assim. A pessoa vai usar primeiro um veículo compartilhado. A visão inicial é essa.

A economia compartilhada é que vai sustentar uma operação de transporte aéreo urbano.

E a necessidade de criar regras vai surgir em breve. Assim como a necessidade de monitorar para saber se as regras estão sendo cumpridas, para não colocar as operações em risco. Um drone pode não carregar pessoas, mas haverá gente no chão. E se esse drone cair em cima da uma casa, em cima de uma criança, em cima de uma área populosa?

A tecnologia vai ficar pronta antes das regras.

As bases para este serviço disruptivo já estão disponíveis em muitos dos modernos sistemas de espaço aéreo que estão sendo implementados em todo o mundo. No entanto, todas as soluções devem ser adaptadas às necessidades da comunidade local.

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