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Chirs Perry, Chief Innovation Officer e Presidente do Weber Shandwick Futures Foto - Divulgação. Montagem - The Shift com imagem do Canva
ENTREVISTA

“Na era da GenAI, a presença humana no circuito é essencial”

Para cada dólar investido em um modelo de linguagem cada vez mais poderoso, é preciso investir uma quantia igualmente grande para treinar os seres humanos, diz Chris Perry, especialista em IA e autor do livro "Perspective Agents"

Por Silvia Bassi 21/10/2024

No meio desse burburinho todo sobre IA Generativa e agentes autônomos de IA, a principal pergunta que deveríamos fazer é “o que nos torna únicos, como humanos, para tirar proveito disso tudo?”. Para Chris Perry, Chief Innovation Officer e Presidente do Weber Shandwick Futures, um laboratório de mídia que integra desenvolvimento de tecnologia, pesquisa cultural e design de comunicações para empresas na era da IA, embora esteja evidente que a tecnologia pode acelerar as pesquisas e auxiliar nas tarefas, ela carece de julgamento e criatividade humanos, e esse é o grande nó da questão com que se depara a humanidade hoje.

Perry, que tem mais de 30 anos na vanguarda da mudança tecnológica, é também consultor estratégico de IA para muitas empresas da lista Fortune 500. Em janeiro, publicou o livro “Perspective Agents: A Human Guide to the Autonomous Age“. Ele afirma que a IA precisa ser vista como uma ferramenta para aprimorar as capacidades humanas em vez de substituí-las, e destaca a importância de mudar o olhar da liderança para lidar com as oportunidades e os riscos da IA.

“Sabemos que a GenAI escreve muita bobagem, sabemos que ela cria conhecimento falso ainda. Portanto, a presença humana no circuito é essencial”, diz Chris Perry, em uma entrevista exclusiva para a The Shift. Ele critica “as hipérboles” dos CEOs das Big Techs e empresas de IA, sobre a tecnologia ser a “bala de prata” e a solução para todos os problemas, e cobra das lideranças corporativas clareza na intenção da adoção da IA em suas empresas. Uma clareza que está faltando e colocando em risco a força de trabalho, que está sem diretrizes claras, e que pode a rejeitar a IA por acreditar que ela simplesmente vai tomar seu lugar.

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“Estamos usando perspectivas e modelos mentais antigos para novos fenômenos. Isso faz com que os líderes interpretem mal muitas crises e oportunidades sobre cenários inovadores que enfrentam”, diz ele.

No próximo dia 30 de outubro, Chris Perry estará pessoalmente no Brasil, como keynote speaker do ABES SUMMIT 2024, um evento que tem a The Shift como parceira na curadoria da agenda e dos painéis. Se você tem interesse em participar do evento, ainda pode reservar seu ingresso. Utilize o cupom THESHIFT45 para obter 45% de desconto no ingresso. Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista.

Perspectiva humana na era da IA autônoma

“A pergunta que muitas pessoas estão fazendo é ‘o que significa ser humano na era da IA?‘ O que estamos querendo saber, na verdade, é ‘o que é exclusivamente humano na era da IA?‘. E esse é um dos motivos pelos quais escrevi o livro. Porque, se você acreditar na noção que vem lá do Vale do Silício, de que o software e a IA estão engolindo o mundo, é preciso perguntar ‘o que vai sair do outro lado disso‘, certo? E essa discussão não está na mídia nesse momento.

Para cada dólar investido em um modelo de linguagem cada vez mais poderoso, é preciso colocar uma quantia de dinheiro igualmente grande para treinar os seres humanos que vão utilizar essa tecnologia. Porque ainda não vemos muita autonomia nessa equação. Embora a IA Generativa possa imitar a fala humana em todas as suas formas, e possa fornecer recursos extraordinários para acelerar a pesquisa, ela não tem discernimento nem capacidade humana de julgamento para fazer as perguntas certas. E suas respostas, para serem boas, precisam de muitas idas e vindas de prompts. O que é aceitável dizer é que a GenAI está em uma camada intermediária da solução de problemas, que necessita do julgamento humano.

Sabemos que a GenAI escreve muita bobagem, sabemos que ela cria conhecimento falso ainda. Portanto, a presença humana no circuito é essencial, pelo menos neste momento.

Quem sabe, quando chegarmos à AGI, ou se isso acontecer, essa visão mude. Eu ainda não trabalhei em nenhum projeto que demanda uma quantidade extraordinária de criatividade e engenhosidade humana que, ao incluir a tecnologia, realmente tivesse um resultado muito melhor.

Se presumirmos que essas coisas pensam por nós, se acreditarmos cegamente no evangelismo que vem dos círculos de tecnologia, estaremos lidando com uma premissa que não é exata.

Nesse caso, eu sou mais ‘team human’. Eu escrevi recentemente na minha newsletter no Substack que a IA, em suas várias formas, ainda está na ‘fase DSL’, ou seja, estamos nos estágios iniciais, em que a energia está focada na infraestrutura, nos chips, nas plataformas de computação (PCs e smartphones) e, obviamente, nos modelos de linguagem. E estará depois cada vez mais nos agentes de IA que farão coisas no nosso nome. Mas não estou vendo energia equivalente focada em para quê vamos usar essas coisas. Se dedicarmos mais tempo e esforço ao lado humano dessa história, veremos um período extraordinário de inovação. Se não investirmos na parte humana nessa transição, vamos acabar com uma pilha de tecnologias que as pessoas não saberão como usar.”

Aprender antes de usar ou “tudo ao mesmo tempo, agora”?

“Tanto sobre a IA Generativa, que está começando, quanto sobre a IA que já está há muito tempo entre nós, só consigo ver as pessoas aprendendo o que podem ou não fazer, em um cenário de testes e aprendizados contínuos, aplicando e reaplicando o que parece ter valor e comparando com o que é alardeado ou sugerido como valioso. Essa equação tem duas partes.

As empresas estão implantando IA generativa, na maioria dos casos, por meio de plataformas como o Copilot da Microsoft, que tem IA incorporada para ajudar as pessoas em tarefas gerais. O verdadeiro valor aparece quando a GenAI é diretamente vinculada a uma tarefa específica. Mas até que apareçam os marketplaces de agentes de IA, há uma enorme lacuna que criará confusão, desilusão e dúvidas sobre o ROI e se a IA generativa é tudo o que se diz ser.

Como usuário avançado, que usa muitas AIs diferentes, posso dizer que elas são extraordinariamente poderosas quando usadas para melhorar nosso trabalho. Mas ter apenas um assistente geral não nos levará muito longe em tarefas muito específicas, seja pesquisa, seja olhar as informações por meio de uma lente completamente diferente que a IA generativa pode permitir, seja no lado criativo ou apenas para facilitar o trabalho. Essas coisas diferentes de que falei exigem determinados plug-ins que virão com esses agentes, mas levará tempo. Essa é uma parte da equação.

Estamos lidando com organizações que estão cheias de pessoas. Temos que fazer nossos julgamentos com base em exemplos do mundo real em vez do que estamos lendo na imprensa ou do que estamos ouvindo de CEOs de tecnologia que estão falando sobre isso em hipérboles. A segunda parte igualmente, ou mais importante, da equação, diz respeito à IA como uma interface para o conhecimento e a informação, e aí estamos usando modelos mentais antigos para novos fenômenos. Esse é um dos motivos pelos quais escrevi o livro, porque ele analisa os últimos 10 anos como um período precursor para talvez os próximos 10.

Nossa perspectiva é tão distorcida, com base na canalização algorítmica da mídia, em comentários, em opiniões, que os líderes estão interpretando mal muitas crises e oportunidades e, francamente, usando modelos antigos de pensamento para pensar sobre cenários novos e inovadores que enfrentam.

Há implicações de liderança e implicações sociais. Estamos vendo isso claramente com as eleições. Estamos vendo isso com as campanhas de desinformação, e com a IA “surtando”. Temos que pensar nas implicações pessoais, porque isso vai mudar a maneira como pensamos e como pensamos em nós mesmos. Portanto, para mim, essa é uma inovação muito mais importante do que a tecnologia que está forçando essa mudança de mentalidade. E é algo sobre o qual as pessoas não falam, em parte, porque acho que elas não querem assumir a responsabilidade de repensar e reprogramar a maneira como operam as empresas, ou olham para o mundo.”

O que as empresas deveriam estar fazendo, agora?

“Mais uma vez, a realidade com a qual estamos lidando é a de que comprar uma peça de tecnologia é fácil, mudar uma organização é muito difícil. Historicamente, todos os esforços de transformação digital procuram sempre um caminho de menor resistência, porque eles são extraordinariamente difíceis e nem sempre são pensados ou seguidos.

Vou usar a analogia da construção civil para explicar. Temos uma pilha de tijolos novos para construir algo extraordinário. Sem a conectividade, ou o cimento, isso não passará de uma pilha de tijolos. Porque há um punhado de recursos que todo líder precisa ter se estiver embarcando no gerenciamento de mudanças de IA, em comparação com algumas das automações que vimos as empresas tentarem implantar nos últimos 15 anos.

Será que a liderança transmitiu claramente qual é sua intenção, implantando IA generativa na força de trabalho? Eu viajo por todo o mundo, conversando com executivos de todos os lugares, e a questão que aparece é sempre a tecnologia, nunca a de saber o que isso significa para a organização.

A intenção tem que vir do topo, porque sem clareza, e sem que os líderes vejam que este é um momento transformador e estejam ativamente envolvidos no processo, você terá muitas pessoas na organização, algumas mais empreendedoras que outras, preocupadas e se perguntando se estão fazendo a coisa certa e se têm o apoio dos líderes.

Quando falamos da compra de tecnologia, que deveria ser uma parte fácil, há muita mentalidade de “bala de prata”, que mira na compra de um sistema de uso geral, quando as empresas precisam de portfólios de IAs que realmente combinem a tecnologia com a tarefa. Há todo um déficit de tecnologia que tenho visto diretamente em todo o mundo na forma como as equipes de TI e as equipes de aquisição pensam sobre esse assunto. Não se trata de comprar SaaS e implementar SaaS nas empresas. Esses são pacotes diferentes que precisam ser gerenciados de forma bastante clara.

Se você fizer as transformações digitais sem um piloto estruturado que sirva de modelo de portfólio para o trabalho, o aprendizado que vem desse material não será acumulado pelos líderes que tomam decisões de capital ou decisões estratégicas.

Honestamente, vejo uma grande confusão no curto e no longo prazo. Novamente, os aprendizados serão codificados. Provavelmente, as empresas serão administradas de forma diferente, mas será um meio-termo bastante confuso passar desse “modo DSL” para um modo mais inventivo, chamado de modo colaborativo de tecnologia humana.”

O risco de estourar a bolha de talentos

“Sobre talento e gerenciamento de talentos, estamos trabalhando em um projeto com o MIT Media Lab para entender onde as pessoas estão em termos de IA na força de trabalho. Fica muito claro que, se você não estiver transmitindo a intenção na adoção da IA, a maioria das pessoas dentro das empresas ficará com a dúvida, no fundo da sua mente, de que as empresas estão essencialmente treinando a tecnologia para assumir seus empregos.

Isso acontece desde a sala da diretoria até a grande massa da organização, e, se você perguntar, as pessoas dirão, sem papas na língua, ‘Ah, então vocês são a equipe que veio me dizer como a IA vai tirar meu emprego? Hahaha!’ Mas isso não é uma piada. É muito real. Há algumas pessoas que estão muito empolgadas com isso, mas eu diria que essa é a minoria versus a maioria. Na verdade, quando você deixa pesquisas de lado e conversa com elas, há muita preocupação sobre como serão suas funções no futuro e como serão suas perspectivas de emprego no futuro.

Se você não estiver ouvindo intencionalmente, entendendo de onde vêm seus receios, ajudando a desenvolvê-las como indivíduos e como equipes, e trazendo novas pessoas para a organização que sejam realmente especialistas nisso, esse é outro ponto em que a bolha vai estourar.

Esse é um jogo perigoso. Mas, apesar disso, eu ainda vejo um cenário de ‘copo meio cheio’, porque se você olhar os ciclos de mudança anteriores, que eu abordo no livro, verá que as coisas tendem a seguir padrões, e estamos nos estágios muito, muito iniciais da implantação. Levará tempo para entendermos como essas coisas podem ser implantadas para o bem, não apenas para a eficiência, mas para melhorar os negócios, para resolver problemas que nunca conseguimos resolver antes e de fato elevar as pessoas nas empresas para serem melhores.

Há alguma verdade no fato de que a IA generativa vai acabar com o trabalho pesado para podermos fazer o trabalho mais criativo e estratégico. A grande questão é: que funções ela vai criar? Quem serão os intérpretes, quem serão aqueles que usarão seu próprio julgamento humano em todas as partes das empresas? Não são apenas os líderes. As pessoas que conhecem seu trabalho na linha de frente trazem o julgamento com elas para a linha de frente.

Na nossa agência, por exemplo, se considerarmos a mídia social como um local de aprendizado, criamos mais de 30 novas funções diferentes para realizar um tipo de trabalho completamente diferente e novo. A IA e a IA generativa são maiores do que a mídia social. Portanto, é hora de identificar quem precisamos começar a desenvolver de forma mais intencional em nossas empresas para começar a avançar para onde as funções são necessárias.

Estou apostando na criação de muitas novas funções. Acho que ainda não sabemos quais são essas funções, então minha impressão é que haverá empregos que serão deslocados, talvez alguns sejam eliminados, mas do outro lado da curva haverá mais funções que serão criadas, e haverá pessoas no meio que precisam de assistência geral e agentes específicos para ajudá-las a fazer seu trabalho. E isso levará algum tempo para acontecer, à medida que novas tecnologias forem implementadas. Acho que é realmente um momento muito empolgante se você estiver com a mente aberta, se sua perspectiva estiver no lugar certo e se estiver fazendo as perguntas certas.”

Como separar o ruído do sinal?

“Isso pode parecer defesa em causa própria, mas não consigo ver outra maneira de as pessoas que estão administrando empresas lidarem com essa complexidade enorme, que não seja lançando mão de uma rede externa de parceiros que esteja monitorando o desenvolvimento da tecnologia, quase como um CTO terceirizado. Há coisas demais. É como se fosse aquele filme ‘Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo‘.

É preciso simplificar o cenário sem emburrecer. Não importa se há cinco novos agentes ou cinco novos avanços todos os dias, se eles não puderem ser implementados dentro das organizações e se as organizações estiverem confusas. Como indivíduos, será que conseguimos acompanhar vinte novas AIs todos os dias, que podem nos tornar melhores? É necessário encontrar intermediários que possam ajudar a fazer essa interpretação. Se as empresas puderem liberar capital para fazer isso internamente, ótimo. Se puderem contar com consultores para fazer isso, melhor ainda.

Acho que é preciso terceirizar muitas dessas coisas porque é muito difícil acompanhar o ritmo da velocidade das oportunidades e, em seguida, definir o que trazer para o motor da sua empresa. Eu pessoalmente lidero uma equipe assim para a minha empresa, que analisa tudo o tempo todo. Mas o mais importante é que temos parcerias com laboratórios, com universidades de pesquisa, com o MIT e outros, para podermos extrair o combustível mais vantajoso e não ficarmos sobrecarregados com a quantidade de capital que está sendo investido em novas IAs e centenas de startups que, como você sabe, provavelmente irão falir e queimar na maior parte do tempo, porque não há atenção suficiente para levá-las a um cenário de implantação.

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