Quando recebi o convite para participar da Cúpula de Líderes do Pacto Global da ONU 2023, não sabia ao certo se valeria apena ir a Nova Iorque para participar do encontro, principalmente pela loucura que deveria estar a cidade, já que o evento ocorre paralelamente a reunião de líderes da ONU. No final, eu não estava tão errado, já que havia bloqueios de segurança por todos os lados e carreatas de autoridades transformando o já caótico trânsito da Big Apple em algo surreal, onde uma tartaruga anda mais rápido.
Obviamente valeu muito a pena. O tema dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) – o plano de ação global da ONU para eliminar a pobreza extrema e a fome, oferecer educação de qualidade, proteger o planeta e promover sociedades pacíficas e inclusivas até 2030 – já era algo de meu interesse durante minha passagem pela Microsoft e, mais recentemente, quando tive a honra de atuar como presidente executivo da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES), que reúne aproximadamente 85% do faturamento do setor brasileiro de software e serviços, o que não é pouca coisa. O evento provocou uma reflexão ampla diante das intensas discussões ao redor de temas como sustentabilidade e social.
Ao término das discussões, me senti dentro da Apollo 13, que, por conta de problemas técnicos, passou por apuros para retornar ao planeta Terra, e se salvou graças aos engenheiros em Houston. Daí o título “Failure is not an option” (Falhar não é opção), uma frase atribuída ao diretor de voo da NASA, Gene Kranz, no filme Apollo 13.
A frase, na verdade, foi dita pelo controlador de voo, Jerry Bostick, aos roteiristas do filme, durante as entrevistas prévias. Quando perguntaram a ele “Não teve momentos em que todos, ou pelo menos algumas pessoas, entraram em pânico?”, Bostick respondeu “Não, quando coisas ruins aconteceram, nós alinhamos as opções com calma, e falhar não era uma delas”.
Um dos roteiristas transformou a resposta de Bostick em uma das expressões mais importantes do filme – a segunda, na minha opinião, é “Houston, we have a problem!” (Houston, temos um problema), dita quando um monte de alertas surgiu no computador de bordo da Apollo 13.
Eu diria “people, we have a problem” e certamente “failure is not an option”. Ficou claro que a solução depende de todos nós, e que estamos muito atrasados. Segundo os resultados apresentados, 15% dos ODS estão dentro do cronograma, porém 48% estão atrasados e 37% estão estagnados (ou pior, retrocedendo). E o mais assustador, principalmente para nós brasileiros, que temos uma situação um pouco mais confortável nesse aspecto, foi a fala do Matt Damon, ator e cofundador do water.org, de que “cerca de mil crianças, na faixa de 5 anos, morrem todos os dias ao redor do mundo devido à falta de acesso à água potável”. Isso é algo muito triste.
Este dramático quadro é representado na fala da CEO e Diretora Executiva do Pacto Global da ONU, Sanda Ojiambo: “O tempo está se esgotando para criar a mudança positiva que o mundo tanto precisa. Todos devemos unir forças para criar uma comunidade global mais próspera e resiliente. Devemos avançar mais rápido”. O que resultou na chamada do evento para este ano, “Move Forward Faster”, e na iniciativa homônima lançada durante o encontro, e cujo objetivo é acelerar a ação do setor privado no ritmo e na escala necessários para cumprir os 17 ODS e, desta forma, cumprir a Agenda 2030. Trata-se de uma consequência da urgente necessidade de um maior nível de alinhamento e cooperação entre os agentes públicos, sociais, acadêmicos e privados.
Não é muito difícil entender por que estamos onde estamos: bem atrasados em relação à agenda de 2030. E faltam apenas sete anos. O período pandêmico (COVID), aspectos geopolíticos (Rússia/Ucrânia), problemas nas cadeias de fornecimento e a inflação levaram empresários ao redor do mundo a priorizarem a sobrevivência de seus negócios, relegando as questões ambientais e sociais a um segundo plano. Nas “conversas de corredor”, fica claro que a grande massa de consumidores, principalmente aqueles na base da pirâmide, não está pagando mais por um produto ou serviço sustentável. Da mesma forma que a “crise” vem impactando os negócios, ela também vem impactando o bolso dos consumidores, que também estão no “modo de sobrevivência” a curto prazo, à procura por preço. Atualmente, a história do consumidor consciente só existe no topo da pirâmide.
A importância da inovação tecnológica, principalmente da inteligência artificial, foi um dos pontos que chamou a minha atenção. Eu sinceramente não esperava esbarrar na IA em pleno evento da ONU, ainda mais em uma posição de destaque nos resultados da nova pesquisa do Pacto Global, a “Business Leadership in Times of Crisis: Collected Insights from Chief Executive Officers into Successes, Challenges and Areas for Future Focus”, que aponta a necessidade de uma cooperação global em Inteligência Artificial.
Segundo o estudo, os empresários defendem criar uma estrutura global ou um conjunto de regras para orientar o uso da IA, a qual está em rápida evolução. O documento, inclusive, cita uma fala do secretário-geral da ONU sobre IA: “Congratulo-me com o crescente interesse entre os especialistas em IA sobre a melhor forma de governar o desenvolvimento e a utilização da IA. Precisamos de uma conversa global e multidisciplinar para examinar, avaliar e alinhar a aplicação da IA e de outras tecnologias emergentes”.
As questões de qualificação e requalificação da mão de obra, mais o envolvimento e apoio para as PMEs nas questões ambientais, não ficaram de fora. Outro ponto fundamental foi a importância de mais recursos e fomentos governamentais para desenvolvimento de novas tecnologias com foco em questões ambientais. Neste sentido, foi elaborado a proposta de um fundo anual de US$ 500 bilhões para países em situações precárias.
Por fim, fiquei feliz em constatar a qualidade e o comprometimento das novas gerações de líderes em relação à Agenda 2030. O painel “Moving Forward Faster – NOW!”, moderado pela brasileira Solange Ribeiro da Neoenergia, do qual participaram Yasmina Benslimane (Politics4her) e Ayisha Siddiqa (Polluters Out), também contou com a jovem Faatiha Aayat (Chil&D), que aos 12 anos já participa de discussões sobre clima e direitos da criança em eventos das Nações Unidas, Fundação Ford, TEDx, Universidade de Harvard, Universidade de Columbia, Georgia Tech etc. Esse intercâmbio entre as gerações mostra o poder do diálogo em prol do futuro do planeta. Contudo, precisamos sair da zona de conforto do campo das ideias, passando, urgentemente, às ações práticas, aos movimentos. E lembrando sempre que falhar não é, e nunca será, uma opção.
(*) Rodolfo Fücher é presidente do Conselho da Associação Brasileira das Empresas de Software — ABES
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