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Ben Lamm, CEO e cofundador da Colossal Bioscicenses, com um dos lobos terríveis recriados pela empresa Foto: Divulgação
SXSW LONDON 2025

Lobos terríveis e os limites éticos da biotecnologia

A Colossal Biosciences trouxe de volta os direwolves, extintos há 12 mil anos, com IA, bioengenharia e storytelling. Mas a biotecnologia da desextinção levanta questões éticas, ambientais e culturais sobre os limites da ciência

Por Patrícia Marins*, especial para The Shift 04/06/2025

“Você era fã de Game of Thrones quando a série estreou?”. A pergunta feita pela atriz Sophie Turner – conhecida por viver Sansa Stark em “Game of Thrones” – faz todo o sentido quando se pensa que a conversa era com Ben Lamm, CEO da Colossal Biosciences. Afinal, ele estava na SXSW London para falar da última “criação” da Colossal, a “desextinção” do lobo terrível – no inglês, direwolf, criatura que fica associada a todos os filhos do clã Stark na famosa série.

Lamm respondeu, entre risos, que era fã da série, mas jamais imaginou trabalhar com algo tão próximo do universo criado por George R. R. Martin. O projeto transformou ficção em realidade: lobos geneticamente recriados a partir da espécie extinta Canis dirus, os lendários direwolves. A startup anunciou o nascimento dos lobinhos pouco antes de sua participação na SXSW em Austin. O encontro em Londres ilustra bem como a ciência do século XXI está entrelaçada à cultura pop e ao imaginário coletivo.

A Colossal não é apenas uma empresa de genética. Fundada por Ben Lamm em parceria com o renomado geneticista George Church, a startup se dedica a um novo campo chamado “de-extinction science”, ou ciência da desextinção. Utilizando Engenharia Genética, Bioinformática Avançada e Inteligência Artificial, a Colossal pretende trazer de volta espécies desaparecidas como o mamute-lanoso, o pássaro dodô e, em sua primeira conquista, o direwolf – extinto há cerca de 12 mil anos.

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Entendendo as emoções dos lobos terríveis

O projeto impressiona pela escala e pela sofisticação tecnológica. Os direwolves da Colossal vivem hoje em uma reserva ecológica privada de mais de 8 mil quilômetros quadrados, com monitoramento 24 horas, hospital veterinário próprio e protocolos científicos de última geração. A IA é empregada para analisar padrões de vocalização dos animais, um campo emergente conhecido como Bioacústica, permitindo entender suas emoções, interações sociais e até possíveis sinais de predação – como uma espécie de “linguagem lupina” decodificada por algoritmos.

Lamm explicou que cada animal apresenta inflexões únicas em seus uivos, e que a empresa está criando um banco de dados acústico capaz de identificar padrões individuais e grupais. Isso não só reforça o rigor científico do projeto, como abre caminho para novas aplicações de IA em conservação animal – por exemplo, no monitoramento não invasivo de espécies ameaçadas em seus habitats naturais. Durante a conversa, ele adiantou que a Colossal deve compartilhar os sons dos uivos dos lobos terríveis até o final do ano. Ele chegou a dizer ainda que nos próximos meses deve trazer um update sobre o projeto de desextinção do pássaro dodô.

Mas tamanha inovação não vem sem dilemas. O renascimento de espécies extintas, por mais tecnicamente viável que se torne, levanta questões éticas profundas. Estamos preparados para reintroduzir espécies extintas em ecossistemas atuais? Quais os limites da intervenção humana sobre a vida? A Colossal afirma operar com rigor científico e compromisso com o bem-estar animal, mas mesmo assim enfrenta críticas sobre a possibilidade de estar “brincando de Deus”.

Programas de preservação para engajar público

A empresa, por sua vez, insiste que sua tecnologia também tem impacto real na conservação das espécies. Parte das ferramentas desenvolvidas para recriar espécies são utilizadas em programas de preservação, como o do lobo-vermelho americano, em risco crítico de extinção. Segundo Ben Lamm, a ideia de reviver o direwolf surgiu justamente a partir de um diálogo com líderes indígenas nos EUA, que relataram memórias orais ancestrais sobre um “grande lobo branco”, possivelmente um remanescente do Canis dirus.

Há também uma estratégia clara de engajamento público. Lamm não esconde o uso da cultura pop como vetor de comunicação científica. “Crianças não estão lendo artigos acadêmicos, estão no TikTok”, disse ele. Trazer os direwolves para o imaginário coletivo – com direito a referência a “Game of Thrones” e a uma visita privada do autor dos livros George R. R. Martin aos animais – não é apenas marketing, mas uma tentativa de tornar a ciência “acessível e desejável”.

Ben Lamm pode não ter o background acadêmico de seus colegas de laboratório, mas sua visão empresarial e sua capacidade de contar histórias colocaram a Colossal no centro de uma revolução biotecnológica. A criação dos direwolves não é apenas um feito técnico: é um espelho dos tempos. Um tempo em que a pergunta não é mais se podemos reviver o passado – mas por que, como e com que consequências devemos fazê-lo.

A Colossal está construindo uma ponte entre inovação, entretenimento e biologia de ponta. Ao mesmo tempo em que seus projetos têm potencial transformador para a ciência ambiental e a engenharia genética, eles exigem vigilância crítica e debate amplo sobre os riscos e impactos dessas escolhas.


* Patricia Marins é fundadora da Oficina Consultoria, especializada em alto impacto em reputação e influência. Autora do livro “Muito além do media training – o porta-voz na era da hiperconexão”. A executiva está em Londres acompanhando a SXSW London 2025

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