O norte-americano Brian Requarth só vai ficar feliz quando conseguir ajudar empreendedores a tirar uma startup do papel, com direito a funding, clientes e uma rede poderosa, em uma semana, em vez dos dolorosos meses e anos que o processo atual ocupa. Brian sabe exatamente como essa estrada começa e termina, e “conhece todos os seus buracos”. E quer criar uma grande plataforma de tecnologia e comunidade para resolver os problemas de quem empreende.
Em 2009, fundou a startup Viva Real, focada em imóveis, que juntou ao grupo Zap oito anos depois. Em 2020, a Zap Viva Real foi vendida por R$ 2,9 bilhões à OLX e Brian decidiu que podia usar sua experiência, junto com os sócios Gina Gotthilf e Yuri Danilchenko, para criar uma superestrada pavimentada para apoiar e acelerar os melhores empreendedores de tecnologia early-stage no Brasil e na América Latina: a Latitud.
Brian define a plataforma de comunidade e captação de startups como “o que você obteria se Y Combinator e Angel List tivessem um bebê latino”. A definição – e o histórico dos founders – atraiu investidores pesados, como o fundo Andreessen Horowitz, que investiram R$ 58 milhões na Latidud em março deste ano. Nessa conversa, Brian fala sobre a dupla dinheiro/comunidade, sobre inovação e sobre como correr no meio da crise. Confira
“O mundo opera de uma certa maneira, e muitas vezes acabamos aceitando que esse é o único jeito do mundo funcionar. Chamamos isso de status quo. Para mim, a ruptura é virar o status quo de cabeça para baixo e reimaginar.
Provavelmente, dinheiro é mais importante que a comunidade para uma startup, porque sem dinheiro você não sobrevive – não paga as pessoas, não investe no produto – portanto ele é crítico e fundamental. O capital é oxigênio, digamos assim. Mas eu acredito que a comunidade permite que você seja mais eficiente com seu capital, porque você pode aprender com outras pessoas. E, seguindo na analogia, podemos dizer que a comunidade é a fazenda que alimenta sua equipe e o ajuda a crescer.
Quando comecei o Viva Real, se tivesse recebido muito dinheiro no início teria cometido muito mais erros. Na medida em que adquiri mais experiência e aprendi com outros empreendedores, tornei-me mais inteligente na forma de distribuir o capital. O dinheiro não tem que vir apenas de investidores, ele pode vir dos seus clientes.
Uma das coisas que ensinamos na nossa comunidade é como levantar mais capital. Comunidade e capital andam de mãos dadas na Latitud. A rede é realmente importante. Ela fornece várias coisas: um canal de distribuição para sua empresa, uma maneira de reunir o feedback dos clientes, uma plataforma potencial para adquirir novos clientes, e acesso a uma rede de pessoas que podem ajudá-lo a resolver problemas específicos. No nosso caso, o capital entra como um dos aspectos da comunidade.
Acho que se você perguntar a alguém que já passou por nossos programas quais os benefícios da Latitud, este provavelmente seria o ponto de partida. Você meio que vem em busca do apoio de outros empreendedores e acaba saindo com uma rede incrível.
Para entender o poder das redes, pense no poder das universidades, porque nossa comunidade é muito parecida com uma universidade. Quando você vai para Stanford, não necessariamente aprende algo lá que não aprenderia em uma universidade pública em outro lugar, como a USP, por exemplo. Muitas das informações são as mesmas, mas o que você reúne é uma rede de pessoas que pode ajudá-lo a ter sucesso em sua jornada, e você também adquire um “selo de aprovação”.
A Latitud tem sido vista dessa forma por muitas pessoas. Se você é investidor, seu trabalho é encontrar uma agulha em um palheiro: há dezenas de milhares de empreendedores no Brasil e na América Latina sem identificação. Temos um processo muito extenso de entrevista, seleção e identificação dessas pessoas, acabamos nos tornando essa lista muito curada de empreendedores de alta qualidade, construindo projetos impactantes e fazendo conexões relevantes para a sua jornada.
A verdadeira razão pela qual captamos investimento para a Latitud foi para construir soluções de software e soluções tecnológicas que revertam em benefício para a comunidade.
Começamos com a comunidade e depois, na medida em que a construímos, escutamos as pessoas e entendemos como gerar valor para elas. E o que ouvimos repetidas vezes é que há muitas dores em empreender.
Por exemplo, é doloroso preparar uma operação para receber investimento. Se você quer construir uma empresa e receber capital de risco dos melhores fundos, você precisa ter uma certa estrutura: uma holding nas Ilhas Cayman, uma Delaware LLC e uma entidade que opere na América Latina. Essa é uma estrutura em três camadas que é aceita globalmente pela maioria dos fundos, e ideal para saídas futuras. Esse processo é muito lento – leva meses – e é muito caro. Por isso construímos um software que automatiza esse processo. Quem está querendo iniciar uma empresa vai ao Latitud Go e pode iniciar o processo de forma muito mais eficiente, eficaz e menos dispendiosa.
Essa é a primeira parada em nossa jornada para apoiar com tecnologia quem empreende. Resolveremos outros problemas importantes, seja construindo software ou criando parcerias que enderecem problemas em escala.
Temos um road map muito ambicioso, sobre o qual não posso abrir detalhes ainda, mas se você olhar toda a viagem, para nós o ponto de partida é a comunidade. Porque o trabalho de empreender é muito difícil quando você faz a viagem sozinha lutando com todos os desafios, até mesmo burocráticos, para colocar sua empresa em funcionamento. Temos um roteiro ambicioso para construir produtos que reduzam o atrito, para que empreendedores possam se concentrar na criação de seus produtos e na construção de grandes empresas.
Por isso nos vemos como uma espécie de catalisador para a comunidade empreendedora. Nós ajudamos empreendedores a se conectar uns com os outros, a apoiar uns aos outros. O Brasil é cheio de processos manuais. Tudo é manual. E com o influxo de capital, o Brasil tem visto muito dinheiro vindo de investidores internacionais. E ainda há muitos investidores que estão investindo tanto na América Latina quanto no Brasil. Precisamos de uma estrada sem buracos, que facilite para que os empresários possam ir mais rápido e resolver problemas para o resto da sociedade.
Quando começamos, no meio da pandemia, todos diziam que estávamos entrando em uma crise. Portanto todos estavam aterrorizados. Me lembro de exemplos de empreendedores que estavam captando dinheiro e investidores que se retiraram da negociação porque também estavam preocupados. A crise acabou sendo muito curta e foi seguida de um período de crescimento explosivo nesse último ano e meio.
Pessoalmente, acredito que algumas das melhores empresas vão nascer nesta próxima onda de dificuldades. Se pensarmos em 2008, 2009, muitas das grandes de hoje começaram durante a crise. A Airbnb foi iniciada durante a crise, a Uber foi iniciada durante uma crise. Tem um ditado em inglês que diz que “águas agitadas fazem marinheiros habilidosos”.
Quem está começando a empreender não precisa se preocupar com a agitação e a turbulência que afetam quem está mais avançado. O que pode acontecer é um aumento de empreendedores, pessoas que saem das empresas tradicionais de decidem marchar por conta própria. E a Latitud quer ser a rampa de lançamento para esses novos empreendimentos
Para captar investimento, há diferentes perfis de empreendedores. Se você é um empreendedor pela segunda vez e teve sucesso em seu primeiro empreendimento, o interesse em investir em você será muito alto, porque você provou a si mesmo e ganhou um conjunto de habilidades. É provável que você tenha uma marca pessoal que faz os investidores acreditarem que tem menos risco.
Se você é um empreendedor de primeira viagem e está apenas no início do que está construindo, as chances de receber o dinheiro estão associadas a crescimento e validação de clientes. Você precisa ou de uma boa narrativa, uma ótima equipe e uma tração inicial. Uma coisa que fazemos na Latitud são sessões sobre como levantar capital, porque isso é realmente “uma forma de arte”.
Desenvolvemos um modelo que ajudou os empreendedores a levantar mais de US$ 250 milhões. Isso não garante que você possa ser bem-sucedida, mas aumentamos a probabilidade de que isso aconteça.
As pessoas querem investir nos fundos da Latitud por várias razões. Porque acreditam no projeto, porque estão entusiasmadas com a equipe que construímos e com a tração inicial. Mas também ajuda quando você está oferecendo oportunidades de investir ao lado da Andreessen Horowitz, que é indiscutivelmente um dos melhores investidores do mundo. Acho que isso gerou muito interesse. Mas acredito que, acima de tudo, somos uma organização baseada em comunidade, e a comunidade conhece o poder do que estamos construindo e ficou entusiasmada em apoiar
A Latitud é mais ou menos o que você obteria se Y Combinator e Angel List tivessem um bebê latino. É uma boa maneira de descrever o que estamos fazendo.
Vou ficar feliz quando conseguirmos crescer dez vezes nosso ecossistema inicial e a qualidade e o valor das empresas. Isso seria algo do qual eu ficaria orgulhoso. E acho que temos muito trabalho a fazer para chegar lá. Mas já vimos alguns sinais precoces disso com a quantidade de valor que foi criada até agora.
Uma medida de sucesso seria se uma pessoa que está empreendendo conseguisse abrir uma empresa, contratar uma equipe, levantar capital… tudo em um tempo muito curto, tipo uma semana, ao invés de levar meses e anos. Isso faria com que a próxima geração de empreendedores perdesse quantidades gigantes de atrito e poderia criar muito mais valor ao ecossistema.
Há uma inevitabilidade que vai acontecer durante os próximos dez anos: vamos ver um aumento maciço de valor da tecnologia em todos os setores da economia. A tecnologia vai se tornar a principal criadora de valor em todos os setores da economia. E aí o número de engenheiros na região me preocupa. Se você olhar a USP ou a Poli, verá que há uma enorme lacuna entre o número de engenheiros que estão sendo criados e o mercado. E isso para mim é preocupante, porque se o Brasil e a América Latina não produzirem engenheiros suficientes, então eles correm o risco de que empresas globais sejam donas de suas indústrias, como global.
O problema é que a oferta ainda não alcança a demanda. E os mercados geralmente têm uma maneira de se equilibrar. Será muito importante que haja muitas iniciativas e apoio do setor público e privado para garantir que tenhamos mais engenheiros para construir a próxima geração de soluções tecnológicas.
Tenho muita, muita, sorte de poder olhar para o mundo em incrementos de tempo que são mais longos do que quando eu tinha 28 anos. Tenho o privilégio de poder pensar em décadas em vez de trimestres. Penso neste ano e no próximo porque estou dirigindo uma empresa. E quando você está construindo uma empresa, você tem três funções. Você é o CEO, você é o presidente e você também é o fundador. O CEO está pensando na execução, no desempenho trimestral e em como isso está sendo entregue. O presidente está pensando nos próximos 5 a 10 anos. E o fundador está só pensando na cultura e na construção do melhor lugar possível para trabalhar.
Estamos em um ambiente urgente, de ritmo acelerado, mas o prêmio é de dez anos. E é assim com a maioria dos empreendedores, que querem ter o capital para poder pensar a longo prazo. Eu também tenho a a experiência de saber que você pode construir muito em 1 a 2 anos, mas se você quiser construir algo que seja verdadeiramente transformador, você precisa pensar a longo prazo.
Nas empresas incumbentes, acho que precisa haver mudanças dramáticas. Você precisa criar um ambiente onde possa ter velocidade. Gosto de pensar nos negócios incumbentes como um barco de cruzeiro gigantesco que leva um tempão para mudar de rota e, quando termina, o sol já está descendo no horizonte, e você não pode mais ver o sol porque demorou muito. As startups são lanchas velozes. E o que uma empresa deveria estar fazendo, se for inteligente, é estar investindo nelas. Deveriam estar comprando empresas menores, que poderiam mudar completamente seus negócios existentes.
O dilema do inovador é que ele acontece todo tempo. Onde talvez você tenha sido um inovador em algum momento, você agora é o incumbente. E você precisa pegar a página do livro de Jeff Bezos que diz que é preciso destruir seu próprio negócio, porque se você não destruir seu próprio negócio, outra pessoa o fará”.
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