Sim, definitivamente, a publicidade está chegando às buscas de IA. E não como pop-up ou banner, mas costurada diretamente na conversa. Códigos encontrados na versão beta do ChatGPT para Android sugerem, inclusive, que a OpenAI pode estar testando a inclusão de anúncios na plataforma. O recurso não foi oficialmente anunciado, mas caso seja confirmado, representará um ponto de inflexão na forma como modelos de IA são financiados, acessados e, sobretudo, percebidos por seus usuários. Afinal, a interação com esses sistemas passa a ser mediada por interesses comerciais, com consequências diretas também para empresas parceiras, reguladores e todo o ecossistema que se forma em torno da IA.
A OpenAI não nega a possibilidade. Em declarações recentes, porta-vozes afirmaram que os anúncios seriam “cuidadosos e de bom gosto”, caso implementados. O CEO Sam Altman, embora já tenha chamado o modelo baseado em ads de “singularmente perturbador” para IA, também reconheceu não haver modelo econômico claro para sustentar plataformas como o ChatGPT no longo prazo.
Operar sistemas como o ChatGPT exige infraestrutura de alto custo: servidores especializados, GPUs, acesso a dados e equipes técnicas. Estima-se que a OpenAI queime centenas de milhões de dólares anualmente para manter o serviço em funcionamento. O modelo de receita atual é limitado. A versão gratuita atrai a maioria dos usuários, enquanto planos pagos (como o ChatGPT Plus) convertem uma parcela pequena da base. Com crescimento global e pressão por ROI, a inclusão de publicidade surge como alternativa de monetização escalável, semelhante ao que já ocorre em mecanismos de busca.
Aliás, em 2024, citando a necessidade de um fluxo de receita “estável e escalável”, a Perplexity introduziu anúncios em seus resultados de busca com IA como sugestões para perguntas de acompanhamento patrocinadas. O Google, da mesma forma, começou a inserir conteúdo patrocinado em suas Overviews (Visões Gerais) em maio deste ano. A gigante das buscas cita dados internos que, segundo ela, mostram que os usuários apreciam isso porque os ajuda a se conectar rapidamente com empresas, produtos e serviços.
Vale lembrar, no entanto, que já há algum tempo a Perplexity vem reavaliando sua estratégia de publicidade após um período de testes com perguntas patrocinadas em seus resultados de busca com IA. Embora os experimentos iniciais da empresa tenham se concentrado em um novo modelo para anúncios em IA generativa, ela suspendeu novos contratos publicitários para reavaliar a situação, principalmente devido a desafios na mensuração do desempenho dos anúncios e à baixa receita inicial. A dificuldade dos usuários em clicar nos resultados patrocinados de IA vem comprometendo a comprovação do ROI para os anunciantes.
Pior. Um estudo de 2024 comprovou que, quando anúncios são inseridos de forma pouco transparente em assistentes de IA, a percepção de neutralidade é imediatamente afetada. O problema não está somente na presença do anúncio, mas na dificuldade de distinguir o que é recomendação imparcial e o que é conteúdo patrocinado. A publicidade na era da IA pode ser tecida de forma invisível no próprio tecido da conversa, tornando-se praticamente impossível de detectar e, muito provavelmente, contornando os limites das regulamentações de publicidade justa existentes atualmente.
Não por acaso, um outro estudo, mais recente, se debruçou sobre o “dilema do falso amigo” — a ideia de que um agente conversacional pode explorar a confiança não alinhada do usuário para atingir outros objetivos. Ao se deparar com anúncios diluídos na conversa, os usuários participantes relataram sensação de manipulação. Na opinião deles, um chatbot que recomenda um produto porque foi pago para isso, sem sinalizar claramente o patrocínio, deixa de ser uma ferramenta de apoio e se torna um canal de vendas. A fronteira entre serviço e propaganda precisa ser nítida, sobretudo em temas sensíveis como saúde, finanças ou decisões estratégicas.
A própria IA Generativa reconhece o dilema. Questionado sobre os riscos da publicidade oculta em plataformas de busca, o ChatGPT respondeu: “Se um sistema de IA Generativa como o ChatGPT também é uma plataforma de anúncios, sua principal função deixa de ser ajudar você e passa a ser monetizar você.”
Outro ponto crítico é o uso de dados do usuário para personalização de anúncios. Há indícios de que a OpenAI poderia usar informações da “memória” do ChatGPT para refinar a veiculação publicitária, se quisesse. O que levanta questões sobre consentimento, proteção de dados e conformidade com regulações como a GDPR na Europa ou a LGPD no Brasil. O consenso emergente é que IA com publicidade precisa seguir os mesmos princípios de clareza e responsabilidade exigidos em outros canais digitais.
Para tomadores de decisão, a inclusão de anúncios em chatbots e buscadores de IA exige preparação em três frentes. Primeiro, compreender o potencial da IA como novo canal de marketing e relacionamento. Segundo, estabelecer critérios de governança para uso de dados, recomendações e limites comerciais. E terceiro, avaliar riscos reputacionais ao depender de plataformas cuja integridade pode ser questionada por práticas publicitárias mal conduzidas.
A questão de fundo não é se a publicidade é boa ou ruim em si. Trata-se de como ela é implementada, com que grau de transparência, e com quais mecanismos de proteção ao usuário. A IA conversacional ganhou espaço justamente por oferecer clareza e direção em meio ao excesso de informação da web. Se perder essa função, perde também seu diferencial.
A mudança está acontecendo rapidamente: segundo algumas análises, o modelo de receita no qual os anunciantes se basearam por décadas já está ultrapassado. Diante da queda nas receitas, a indústria da publicidade está buscando novas maneiras de se adaptar aos chatbots, e os desenvolvedores de IA estão mais do que dispostos a desenvolver uma nova fonte de receita.
Além de Perplexity e Google, Elon Musk anunciou em agosto que o Grok, o chatbot de IA da plataforma X, começaria a exibir anúncios em suas respostas. “Se um usuário estiver tentando resolver um problema [perguntando ao Grok], anunciar a solução específica seria ideal nesse momento”, disse. E startups como a Kontext estão captando milhões especificamente para desenvolver APIs e integrar publicidade às conversas com IA.
Já vimos esse filme antes. Todas as grandes plataformas tecnológicas seguem a mesma trajetória. Primeiro, os desenvolvedores se concentram obsessivamente no crescimento da base de usuários, priorizando a experiência e lançando recursos realmente úteis. Depois, à medida que o crescimento desacelera e a concorrência se intensifica, eles se voltam para a monetização por meio de publicidade e venda de dados.
A monetização por anúncios não é inevitável, mas é cada vez mais provável. A publicidade moldará as plataformas de IA generativa, assim como moldou todos os meios de comunicação anteriores. E isso poderá ter um impacto disruptivo nas buscas e nos trilhões de dólares em negócios construídos sobre elas. Sem mencionar todo o ecossistema de conteúdo que alimentou as buscas nos últimos 20 anos e que agora alimenta os modelos de IA.
Criar valor por meio de publicidade justa sempre foi o desafio. Talvez seja também a chave para um sistema publicitário com IA que beneficie plataformas e parceiros de publicação. Isso sugere um caminho possível: um modelo transparente, que valoriza a atenção humana e entrega utilidade real, em vez de perseguir cliques e impressões.
A publicidade conversacional de alta intenção tem potencial para ser mais relevante do que qualquer coisa disponível hoje. Os usuários fornecem mais contexto aos seus assistentes virtuais do que a uma busca tradicional. Os sinais são mais fortes e o engajamento é mais ativo. Isso é valioso para os anunciantes. Mas, para ser eficaz sem ser invasiva, será preciso criar novas abordagens, novas formas de medir resultado e uma nova relação com a própria publicidade.
A experiência de plataformas como a Perplexity e Google, assim como os movimentos da OpenAI, indicam que essa será uma rota testada nos próximos dois anos. Resta saber se o setor conseguirá estabelecer um novo equilíbrio: no qual a sustentabilidade financeira da IA não venha à custa da aparente imparcialidade nas respostas que ela ajudou a construir.
Se conseguir, a chegada da publicidade na IA talvez seja uma oportunidade para o ecossistema de marketing reconstruir sua infraestrutura com base em princípios melhores.
Até lá, nosso conselho para sua empresa é: comece a planejar como seus produtos poderão aparecer nas sugestões das buscas de IA.
Manter IA acessível a todos — com monetização por ads, é possível ofertar versões gratuitas robustas, sem que o custo recaia somente sobre usuários que pagam. Isso democratiza o acesso e amplia a adoção.
Baixo custo marginal por usuário — IA já gera respostas “on demand”: inserir anúncios pode oferecer retorno adicional sem a necessidade de infraestrutura completamente nova, especialmente se ads forem discretos e bem integrados (por exemplo, como “links patrocinados” ou recomendações de produto). Há quem defenda que anúncios “sidebars” ou “affiliados” podem preservar a experiência principal.
Nova fronteira de marketing digital — para anunciantes, IA conversacional representa um canal emergente: com grande volume de consultas, anúncios embedados em chatbots ou motores de busca por IA podem gerar engajamento e conversão diretamente, com benefícios em escala.
Sustentabilidade para inovação contínua — se IA gratuita for mantida de forma economicamente viável, empresas como a OpenAI podem continuar investindo em pesquisa, melhorias e novos modelos sem depender exclusivamente de assinaturas ou de captação externa.
Para negócios e estrategistas, isso abre apostas em “monetização da atenção” via IA — de forma similar ao que já ocorre nas redes sociais e search tradicional.
Embora existam argumentos a favor, a inclusão de publicidade em chatbots e buscadores com IA também gera tensões — e nem todas são triviais:
Perda de neutralidade / credibilidade: a principal promessa da IA conversacional é entregar respostas diretas e confiáveis. Se anúncios forem inseridos no fluxo de respostas ou influenciar recomendações, há o risco de que o usuário perceba conflito de interesse — ou que a IA se torne uma “vendedora disfarçada de consultora”.
Manipulação e menor confiança do usuário: um estudo recente sobre “publicidade personalizada” em chatbots (fazendo inserções nos fluxos de respostas) mostrou que, quando os anúncios eram discretos (não declarados), os usuários tinham dificuldade de percebê-los — e mesmo quando percebiam, consideravam manipulação, invasão de privacidade e perda de confiança.
Interferência na qualidade e imparcialidade das respostas: a lógica de anúncio pode conflitar com a missão de entregar informação objetiva e imparcial — sobretudo em temas sensíveis como saúde, finanças, opinião pública. Isso ameaça a integridade do sistema como fonte autônoma de conhecimento. Já há quem alerte que essa “monetização da atenção” pode degradar o valor informacional da IA.
Privacidade e uso de dados do usuário: para que anúncios sejam relevantes e eficazes, há incentivos para coletar e usar dados do usuário — incluindo histórico de conversas, preferências, perfil — o que levanta sérias questões de privacidade, consentimento e compliance. Há relatos de que a empresa considera usar o histórico/memória do usuário para veicular anúncios.
Risco de viés e segmentação discriminatória: usos de IA para marketing podem reforçar vieses ou discriminações: por exemplo, segmentar anúncios conforme gênero, renda ou educação. Há estudos recentes mostrando que slogans de marketing gerados por IA tendem a variar — oferecendo mensagens diferentes conforme perfil demográfico — o que evidencia risco de estereotipagem ou discriminação.
Criticamente, essa transição exige transparência: se feita às escondidas ou sem consentimento claro, pode corroer a confiança dos usuários e minar o valor percebido da IA.
Para empresas, reguladores e usuários corporativos que dependem de IA:
Modelo de negócios híbrido será cada vez mais comum: não dá mais para depender só de assinaturas ou investimentos externos. A publicidade pode tornar viável o acesso amplo à IA, mantendo escala e sustentabilidade.
É necessário equilíbrio entre receita e integridade: adoção de anúncios deve ser feita com transparência — por exemplo, separando claramente “resposta da IA” e “conteúdo patrocinado”, evitando misturar recomendações pagas e análise neutra, especialmente em áreas críticas (saúde, finanças, decisões estratégicas).
Privacidade e governança de dados viram diferencial competitivo/regulatório: empresas devem antecipar riscos de compliance, consentimento e regulamentos de proteção de dados — e estruturar governança para anúncios em IA.
Risco reputacional elevado: para corporações e profissionais que utilizam IA, associar-se a uma plataforma que mistura informação e propaganda pode trazer questionamentos de integridade — especialmente se a distinção não for clara.
Potencial de novos modelos de marketing e revenue streams: publicidade via IA conversacional pode se tornar um grande canal — desde recomendações de produto, pesquisa de mercado, até “busca patrocinada” via IA, abrindo novas oportunidades para marcas, agências e publishers.
O desafio agora é manter neutralidade e valor estratégico em um ambiente que tende à manipulação invisível.
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