Na era das big techs bilionárias e dos modelos de linguagem de milhões (ou bilhões) de parâmetros, Thomas Wolf, cofundador da Hugging Face, fez um contraponto poderoso durante sua participação no SXSW London 2025: o futuro da inteligência artificial precisa ser descentralizado, colaborativo e acessível. Em conversa com Melissa Heikkilä, do Financial Times, ele traçou uma visão de mundo em que a IA não pertence a cinco empresas nos Estados Unidos, mas à sociedade na totalidade — à semelhança do que aconteceu com a Wikipedia ou com a ciência aberta.
Wolf rejeita a ideia de um futuro em que “duas empresas constroem toda a IA do mundo” — e afirma que o trabalho da Hugging Face é justamente impedir que isso aconteça. Sua proposta? Democratizar o acesso ao desenvolvimento e uso de modelos de IA por meio do open source e de práticas de ciência aberta. Como ele explica, os custos de treinamento já estão caindo: se antes construir um modelo parecia inviável para pequenas equipes, hoje há exemplos como o time chinês DeepSeek, que treinou um modelo relevante com cerca de US$ 5 milhões — um valor alto, mas longe dos bilhões das big techs.
A Hugging Face, segundo Wolf, tem buscado baixar ainda mais essa barreira, oferecendo uma plataforma robusta para o compartilhamento de modelos, datasets e práticas de treinamento. Ele enxerga os grandes modelos como infraestrutura básica do século XXI, comparável à física quântica: uma tecnologia tão fundamental que precisa estar ao alcance de todos, não apenas de alguns poucos com acesso privilegiado ao capital computacional.
Além do software, Wolf aposta também na abertura do hardware. Ele defende que a robótica siga o mesmo caminho da IA: com projetos abertos, peças acessíveis e documentação transparente. E apresenta um exemplo concreto: o braço robótico “So 100”, desenvolvido por apenas US$ 100 — uma fração dos modelos humanoides atuais que custam dezenas de milhares de dólares. A ideia é clara: para envolver a comunidade, é preciso reduzir radicalmente os custos e abrir espaço para a customização. Em vez de depender de um robô genérico e opaco da Tesla ou da Figure 1, o usuário poderia montar, adaptar e programar seu próprio equipamento, do zero.
Essa lógica da modularidade e da descentralização não se limita ao mundo físico. No plano digital, Wolf defende a popularização dos chamados small models, modelos compactos e eficientes, capazes de rodar localmente em celulares ou dispositivos de baixo consumo energético. A evolução desses modelos — cada vez mais performáticos com menos parâmetros — aponta para um futuro em que a IA estará embarcada em tudo, de forma leve, autônoma e sustentável. Um caminho que pode ser especialmente promissor para a Europa, diz ele, que apesar de estar atrás em infraestrutura e treinamento, pode se destacar na camada de aplicações práticas, com startups ágeis, criativas e menos dependentes de modelos proprietários.
O pano de fundo desse posicionamento é político. Wolf alerta para a concentração de poder computacional e de valores culturais nas mãos de poucas corporações americanas. “Esses modelos refletem os vieses de seus criadores”, diz. Para ele, a pluralidade é condição para que a IA seja de fato útil, confiável e representativa. Por isso, vê com bons olhos os modelos abertos europeus e defende a capacidade de adaptar, hospedar localmente e ajustar os sistemas de acordo com diferentes contextos sociais e econômicos.
Apesar do entusiasmo com o potencial transformador da IA, Wolf é cético quanto à sua capacidade criativa autônoma. “A IA tende a gerar o que é mais provável, não o mais original”, afirma. Isso, segundo ele, limita sua utilidade em campos como a arte e a ciência de ponta, onde a ruptura e a subversão são mais valiosas que a média. Ele mesmo conduziu experimentos artísticos em que o público interagia com IAs em cenários teatrais, e se deu conta de que essas experiências são valiosas justamente por desafiarem o controle total do criador. A IA, nesses casos, atua mais como um agente provocador do que como autora legítima.
“Use a IA como uma ferramenta de criatividade. Se você tem uma ideia, torne-a real., afirmou Wolf” Em vez de alimentar distopias de robôs assassinos ou algoritmos superinteligentes, sua proposta é resgatar o espírito hacker, curioso e coletivo que marcou a era da internet aberta. Se depender dele, a próxima revolução da IA será feita por todos — e para todos.
* Patricia Marins é fundadora da Oficina Consultoria, especializada em alto impacto em reputação e influência. Autora do livro “Muito além do media training – o porta-voz na era da hiperconexão”. A executiva está em Londres acompanhando a SXSW London 2025.
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