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Thomas Wolf, cofundador da Hugging Face
SXSW LONDON 2025

A inteligência artificial precisa ser coletiva, alerta Thomas Wolf

O cofundador da Hugging Face rejeita a ideia de um futuro em que “duas empresas constroem toda a IA do mundo”, e afirma que o trabalho da sua empresa é justamente impedir que isso aconteça.

Por Patrícia Marins*, especial para The Shift 03/06/2025

Na era das big techs bilionárias e dos modelos de linguagem de milhões (ou bilhões) de parâmetros, Thomas Wolf, cofundador da Hugging Face, fez um contraponto poderoso durante sua participação no SXSW London 2025: o futuro da inteligência artificial precisa ser descentralizado, colaborativo e acessível. Em conversa com Melissa Heikkilä, do Financial Times, ele traçou uma visão de mundo em que a IA não pertence a cinco empresas nos Estados Unidos, mas à sociedade na totalidade — à semelhança do que aconteceu com a Wikipedia ou com a ciência aberta.

Wolf rejeita a ideia de um futuro em que “duas empresas constroem toda a IA do mundo” — e afirma que o trabalho da Hugging Face é justamente impedir que isso aconteça. Sua proposta? Democratizar o acesso ao desenvolvimento e uso de modelos de IA por meio do open source e de práticas de ciência aberta. Como ele explica, os custos de treinamento já estão caindo: se antes construir um modelo parecia inviável para pequenas equipes, hoje há exemplos como o time chinês DeepSeek, que treinou um modelo relevante com cerca de US$ 5 milhões — um valor alto, mas longe dos bilhões das big techs.

A Hugging Face, segundo Wolf, tem buscado baixar ainda mais essa barreira, oferecendo uma plataforma robusta para o compartilhamento de modelos, datasets e práticas de treinamento. Ele enxerga os grandes modelos como infraestrutura básica do século XXI, comparável à física quântica: uma tecnologia tão fundamental que precisa estar ao alcance de todos, não apenas de alguns poucos com acesso privilegiado ao capital computacional.

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Modelos abertos para hardware e software

Além do software, Wolf aposta também na abertura do hardware. Ele defende que a robótica siga o mesmo caminho da IA: com projetos abertos, peças acessíveis e documentação transparente. E apresenta um exemplo concreto: o braço robótico “So 100”, desenvolvido por apenas US$ 100 — uma fração dos modelos humanoides atuais que custam dezenas de milhares de dólares. A ideia é clara: para envolver a comunidade, é preciso reduzir radicalmente os custos e abrir espaço para a customização. Em vez de depender de um robô genérico e opaco da Tesla ou da Figure 1, o usuário poderia montar, adaptar e programar seu próprio equipamento, do zero.

Essa lógica da modularidade e da descentralização não se limita ao mundo físico. No plano digital, Wolf defende a popularização dos chamados small models, modelos compactos e eficientes, capazes de rodar localmente em celulares ou dispositivos de baixo consumo energético. A evolução desses modelos — cada vez mais performáticos com menos parâmetros — aponta para um futuro em que a IA estará embarcada em tudo, de forma leve, autônoma e sustentável. Um caminho que pode ser especialmente promissor para a Europa, diz ele, que apesar de estar atrás em infraestrutura e treinamento, pode se destacar na camada de aplicações práticas, com startups ágeis, criativas e menos dependentes de modelos proprietários.

O risco da concentração de poder

O pano de fundo desse posicionamento é político. Wolf alerta para a concentração de poder computacional e de valores culturais nas mãos de poucas corporações americanas. “Esses modelos refletem os vieses de seus criadores”, diz. Para ele, a pluralidade é condição para que a IA seja de fato útil, confiável e representativa. Por isso, vê com bons olhos os modelos abertos europeus e defende a capacidade de adaptar, hospedar localmente e ajustar os sistemas de acordo com diferentes contextos sociais e econômicos.

Apesar do entusiasmo com o potencial transformador da IA, Wolf é cético quanto à sua capacidade criativa autônoma. “A IA tende a gerar o que é mais provável, não o mais original”, afirma. Isso, segundo ele, limita sua utilidade em campos como a arte e a ciência de ponta, onde a ruptura e a subversão são mais valiosas que a média. Ele mesmo conduziu experimentos artísticos em que o público interagia com IAs em cenários teatrais, e se deu conta de que essas experiências são valiosas justamente por desafiarem o controle total do criador. A IA, nesses casos, atua mais como um agente provocador do que como autora legítima.

“Use a IA como uma ferramenta de criatividade. Se você tem uma ideia, torne-a real., afirmou Wolf” Em vez de alimentar distopias de robôs assassinos ou algoritmos superinteligentes, sua proposta é resgatar o espírito hacker, curioso e coletivo que marcou a era da internet aberta. Se depender dele, a próxima revolução da IA será feita por todos — e para todos.


* Patricia Marins é fundadora da Oficina Consultoria, especializada em alto impacto em reputação e influência. Autora do livro “Muito além do media training – o porta-voz na era da hiperconexão”. A executiva está em Londres acompanhando a SXSW London 2025.

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