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Michael Senden, CEO e cofundador da Finless Foods Foto: divulgação
ENTREVISTA

A empresa que quer mudar o destino dos oceanos, um atum por vez

Michael Selden, CEO e cofundador da Finless Foods, conseguiu cultivar, em laboratório, a carne do Bluefin Tuna, um dos peixes mais cobiçados e caros do mundo. Agora, também com a versão plant-based, quer disruptar a indústria pesqueira.

18/06/2021

“Por que não?” Essa é a pergunta favorita dos disruptores. O bioquímico Michael Selden, cofundador e CEO da Finless Foods, é um deles. Depois de descobrir, em 2014, que cientistas estavam recriando em laboratório o sangue do caranguejo-ferradura (horseshoe crab), Michael perguntou ao amigo Brian Wyrwas, também bioquímico, por que não usar a técnica de cultivo de células em laboratório para cultivar carne de peixe de verdade e, especialmente, do Bluefin Tuna (atum rabilho, ou toro), um dos peixes mais cobiçados e mais ameaçados de extinção.

Da pergunta nasceu a Finless Foods, fundada pelos dois em 2017. A missão da empresa: utilizar o processo de cultura celular (cell-culture) para abastecer o mercado consumidor de peixes e frutos do mar de forma sustentável, disruptar a indústria pesqueira e salvar os oceanos, cuja população está sendo devastada pelo aquecimento global e pela superexploração da pesca comercial, que tira peixes a uma velocidade superior à que eles têm para se procriar.

A Finless Foods não é a única foodtech a entrar no terreno de proteína animal cultivada, mas é a primeira e única a ter feito o processo completo de replicação das células do bluefin a ponto de estar nesse momento gerando sashimis do atum a custos semelhantes aos dos restaurantes. Para lançar comercialmente, faltam os processos regulatórios e a contrução da planta-piloto que vai gerar atum em volume suficiente para tornar seu preço ainda menor que o preço de atacado (a meta cobiçada pelos founders).

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No meio do caminho, “por acidente”, diz Michael, a Finless Foods descobriu que sua tecnologia lhe permitiria lançar também a versão plant-based do peixe, com preços menores, enquanto continua a evoluir e finalizar o processo do atum cultivado. O anúncio foi feito no dia 8 de junho, do Dia Mundial dos Oceanos e o atum plant-based da Finless Foods será vendido a partir de 2022. O atum é só um ponto de partida. A Finless planeja produzir uma gama de produtos de cultura em células, de peixes a frutos do mar, apostando em manter o oceano próspero e biodiverso. Mike conversou com a gente na semana passada e nesta edição você lê a entrevista completa.

Disrupção é…

“A ruptura acontece quando o mundo é mudado de uma forma que não pode voltar atrás. E nós, para o melhor ou para o pior, temos que enfrentar a nova realidade gerada por essa determinada disrupção. Não sei se a ruptura é sempre boa ou sempre ruim, mas definitivamente é uma ação que não pode ser retomada. Como quando o gênio está fora da garrafa. É uma mudança permanente no mundo, com a qual temos que interagir.

Na Finless Food, nós queremos mudar completamente a maneira como os frutos do mar e os peixes são produzidos. Pensamos que a maneira de fazer isso não é apenas criar frutos do mar e peixes que sejam mais sustentáveis e mais éticos e ficar esperando que todos vejam o valor disso.

Queremos criar alimentos que sejam sustentáveis e éticos, e que superem o mercado atual em seus próprios termos. Fazer alimentos que sejam competitivos não apenas porque são sustentáveis, mas porque são os mais saborosos, os mais nutritivos e os mais acessíveis. E se conseguirmos atingir essas quatro métricas, podemos mudar a maneira como o mundo inteiro consome peixes e frutos do mar, e teremos criado a disrupção em todo o ecossistema da pesca e da indústria pesqueira.

Uma vez que as pessoas vejam a vantagem de produzir alimentos usando a biologia celular, desde a cadeia de suprimentos e a saúde humana, até o meio ambiente, acho que será um caminho sem volta. Da mesma forma que a agricultura disruptou a caça como forma única de alimentar as pessoas. Quando as pessoas perceberam que podiam cultivar alimentos com eficiência, em grandes quantidades e de uma forma controlada, não tinha como voltar à caça, porque a caça não podia fornecer comida suficiente para alimentar a todos. Eu acho que esse mercado de biologia celular fará algo semelhante.

Estamos tentando salvar os oceanos como um ecossistema que pode suportar a vida na Terra. Tem coisas que eu acho que já não podem ser salvas, infelizmente. Não sei se existe uma maneira de salvar os recifes de coral, por exemplo. Mas acho que há uma maneira de salvar o oceano como um ecossistema que sustenta a vida neste planeta.

A quantidade de peixes no oceano reduz massivamente ano a ano. Caiu cerca de 90% desde os anos 50. Felizmente o oceano é um ecossistema tão robusto que consegue reagir mesmo diante do castigo que toma dos humanos. Mas precisamos de mudanças radicais na maneira como fazemos e produzimos alimentos, como fazemos e produzimos energia, como lidamos com a poluição, como nos engajamos na limpeza do oceano. Precisaremos ter mudanças extremas em todas essas coisas para que realmente saibamos salvar o oceano do que estamos fazendo com ele.

Nosso único objetivo é impactar a forma como a pesca comercial industrial é feita. Nós usamos os oceanos como fonte de alimento. Vemos na nossa tecnologia uma oportunidade para que as pequenas comunidades que vivem de pesca tenham uma vida mais fácil. Com alimentos gerados por cultura celular ou à base de plantas, podemos mudar o cenário da pesca industrial, e isso vai liberar espaço no oceano e deixar mais peixes para que essas pequenas comunidades pesquem a fim de se sustentarem e gerarem renda.

As grandes corporações, estas operações maciças, estão pressionando o oceano até seu limite. Somos muito a favor da pesca gerenciada com metas ambientais reais. Não temos interesse em disruptar a pesca esportiva, a pesca como diversão e a pesca como o sustento de uma comunidade. Nós queremos um oceano onde essas pessoas tenham mais oportunidadade de diversão e de sustento.

A Finless Foods está em uma fase em que a cultura celular do bluefin já gera resultados com preços equivalentes aos dos restaurantes. E estamos construindo uma planta piloto que vai nos permitir colocar o nosso bluefin no mercado. Estamos trabalhando com os reguladores para garantir que nos seja permitido fazer isso. A FDA tem sido útil em termos de dar orientações sobre como construir nossas instalações para os peixes e frutos do mar cultivados em células. Estamos felizes com o trabalho da FDA e concordamos que é preciso garantir um processo que seja eficiente para nós e que seja digno de confiança e completo para garantir a percepção de que ele é seguro. A FDA e a USDA criaram uma trilha, um processo, e agora só temos que colocar nossos produtos através dela.

Fomos a primeira empresa de cultivo de células de peixes e frutos do mar. Passamos os primeiros anos construindo a nossa plataforma, que é única, porque temos tecnologia que nos permite trabalhar com peixe de uma forma que ninguém mais pode.

Outras empresas estão focadas em carne suína, bovina, salmão, coisas que são cultiváveis em fazendas. Nosso diferencial é que somos capazes de trabalhar com espécies que ninguém mais pode. Os criadores não sabem como trabalhar com isso. E as pessoas não sabem como fazer o cultivo celular com eles. Levou tempo para construir essa plataforma, mas depois de tê-la construído, começamos a trabalhar com o bluefin, que era nossa espécie-alvo. E já estamos trabalhando com as células do bluefin em nosso laboratório há cerca de um ano e somos capazes de produzir sashimi de atum bluefin a preços similares aos dos restaurantes. E esse peixe é livre de mercúrio, por exemplo.

Spicy tunal roll e tuna poke com a proteína da Finless Foods

Estamos agora escalando esse processo, crescendo as células em tanques cada vez maiores. A instalação piloto terá tanques grandes o suficiente para produzir produtos comercializáveis. A tecnologia base de replicação de célula é basicamente a mesma usada em laboratório. Nossas linhas de células são construídas a partir de bluefin capturado ao largo da costa do Japão. Nós basicamente alimentamos essas células com os nutrientes corretos em um grande tanque (bioreactor), permitindo que cresçam grandes quantidades de massa celular. A partir daí, colocamos essas células em um processo de scaffolding. O scaffold, em biologia, é o mesmo que aquelas treliças de vigas de aço que dão a sustentação para um edifício. No nosso caso, o scaffold permite que as células se transformem em gordura muscular e tecido conjuntivo e, em seguida, se unam formando fibras musculares, que se torna carne quando está suficientemente densa.

No próximo ano, a meta é ficar mais barato que todos os preços de restaurante para o bluefin, e no ano seguinte, mais barato que todos os preços de atacado. Queremos ter certeza de que fazemos isso da maneira correta.

Nós meio que tropeçamos no produto plant-based. Estávamos fazendo alguns experimentos de trabalho de textura, para o atum cultivado, e as coisas simplesmente se uniram. Temos os conjuntos de habilidades dentro de casa, entendemos bem do sabor e da textura. O atum plant-based se encaixa na tese de que os produtos a base de plantas são ótimos e funcionam bem. Veja o exemplo da Impossible Foods e da Beyond the Meat. Existe um mercado enorme e para o qual as pessoas vão se voltar. Até agora os produtos à base de plantas tinham se mostrado viáveis apenas para a proteína moída. Eles conseguem fazer pequenas coisas picadas como hambúrgueres, cachorros-quentes, salsichas. Mas não creio que o plant-based seja realmente capaz de criar tecido muscular grosso, como por exemplo um bifão, que os fãs de carne adoram.

Nosso produto à base de plantas tem nove ingredientes vegetais completos. Não posso revelar agora quais são, mas posso dizer que ninguém ficará surpreso, porque todos são muito simples. O processo que usamos para criá-lo também é bastante simples e utiliza padrões já usados em alimentos em todo o mundo.

O diferencial vem da nossa tecnologia de cultura de células. O nosso produto à base de plantas é mais barato, mais escalável e muito mais fácil de produzir. Vai funcionar para produtos que têm o tamanho poke (pequenos pedaços quadrados) e são menores. Estamos entusiasmados para lançá-lo. Eu acho que tem um sabor fantástico e vai agradar não só aos veganos e vegetarianos, mas também aos que comem carne. O que é bom é que estamos competindo com o atum, e depois, na medida em que escalarmos, acho que conseguiremos fazer com preços consideravelmente menores do que o atum.

O atum a base de plantas não terá o componente alérgico que os peixes tradicionais têm, por exemplo. É diferente do peixe gerado pela cultura celular, que incorpora todos os componentes do peixe natural. A princípio, se você for alérgico a frutos do mar, você seria alérgico ao nosso produto cultivado. No futuro, uma vez que entendermos como fazer esses produtos passarem pelo sistema regulatório de forma eficiente, poderemos começar a usar a engenharia genética para, por exemplo, fazer frutos do mar aos quais ninguém é alérgico. Essa é uma das possibilidades legais da cultura celular e dos frutos do mar com a qual estou super entusiasmado. Portanto, no futuro, com sorte, podemos avançar em direção a isso.

A tecnologia de cultura celular é intensivamente usada na área médica. A cultura de células animais em escala é usada hoje para produzir coisas extremamente importantes para o mundo, como como as vacinas, enzimas, anticorpos, tudo isso é feito no setor farmacêutico. Aí um grupo de pessoas com mentalidade disruptiva entendeu que essa tecnologia se tornou eficiente o suficiente e grande o suficiente para poder ser aplicada em alguma coisa não de valor tão alto como a farma, mas como margens mais baixas, valor mais baixo, como os alimentos, e fazer disso um negócio de impacto bem-sucedido.

Por isso faz sentido ver tanta gente da área de ciência nesses mercados. Temos engenheiros de tecidos, temos engenheiros de processos biológicos, temos biólogos celulares, biólogos moleculares, cientistas de alimentos, todas essas pessoas têm formações completamente diferentes. Nesse mercado, ter pelo menos algumas das habilidades, ou um conhecimento básico de algumas delas na manga pode ajudá-lo a entender como interligar essas coisas. Tenho muita sorte de ter uma formação em bioquímica, mesmo que seja apenas um bacharelado. Isso me deu uma base no vocabulário e me permitiu entender como é a cultura celular de uma forma mais profunda. E me ajudou a entender como são os limites de nossa tecnologia e como ela funciona em diferentes condições, que tipos de equipamentos existem…

Levantamos uma rodada de investimentos Série A no ano passado que nos ajudou a otimizar nossos processos. Os recursos nos ajudaram a incorporar uma metodologia de triagem de alto rendimento em todo o nosso trabalho, e tem sido muito útil na formulação da mídia, no desenvolvimento da linha celular e a acelerar a superação de diferentes marcos do processo. Vamos começar a levantar uma rodada de Série B nos próximos meses, uma vez que definirmos quanto dinheiro será necessário para construir uma instalação piloto e levar isto ao mercado.

De quanto dinheiro precisamos? Depende do objetivo. Vai depender de quão grande queremos escalar. Só como exemplo, basta dizer que um biorreator de 15.000 litros custa US$ 5 milhões. A maior instalação de cultura de células animais que existe na Terra neste momento é na Coreia do Sul, se chama Samsung Biologics e tem 12 desses bioreatores.

Uma vez construída uma dessas instalações de produção, elas podem gerar uma enorme quantidade de peixe imediatamente. A piscicultura convencional ocupa uma quantidade incrível de espaço para fornecer uma quantidade razoável de peixe. Podemos fazer toneladas, muito mais peixe, em um espaço realmente compacto. Na prática, poderíamos ter uma operação dessas dentro da cidade, se quiséssemos, e se os custos de aluguel de espaço não fossem proibitivos. Essa é uma das partes mais excitantes dessa tecnologia, de poder ter uma grande capacidade de produção de alimentos em espaços pequenos.

A FDA é vista como um padrão internacional. Pensamos que se conseguirmos passar primeiro pela FDA, outros países verão isso como um bom exemplo e seguirão o processo da FDA. Mas cada país terá que obter provavelmente uma aprovação individual. O primeiro passo deve ser os Estados Unidos. Estamos pensando em outros países também. Mas sabemos que temos capacidade limitada porque ainda somos uma empresa bastante pequena, por isso queremos ter certeza de que estamos realmente nos concentrando nas coisas que funcionam primeiro. O atum de origem vegetal será definitivamente lançado no próximo ano. O atum cultivado depende da regulamentação. Eu gostaria de fazer isso ao mesmo tempo, mas não está inteiramente em minhas mãos. Veremos como será.”

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