Quando o mexicano Eduardo Guizar sentou-se com a família na sala de casa há exatos dez anos (agosto de 2012), para assistir o pouso do rover Curiosity em Marte, ele quase não acreditou nos próprios olhos. “Quando o Curiosity pousou em Marte, minha mente explodiu. Meu coração parou por alguns segundos. Levei um tempo para perceber que as coisas que estávamos fazendo na Terra estavam de fato tocando a superfície de Marte. Não o solo de outro país, ou o oceano, mas de outro planeta”, conta o ex-colaborador internacional do Jet Propulsion Lab (JPL) no Mars Science Laboratory (MSL), da NASA.
O rover, às vezes chamado de astromóvel, é um robô com mobilidade e autonomia. O Curiosity faz parte do programa Mars Exploration, da NASA. Ele pousou na cratera Gale há dez anos. Sua missão é descobrir se Marte oferece condições de suportar vida microbial. Ele continua ativo, mandando fotos, e agora tem a companhia do rover Perseverance, que pousou em Marte em 18 de fevereiro de 2021, na cratera Jezero.
O primeiro som enviado pelo Curiosity depois do pouso, e celebrado com gritos e aplausos pela equipe do JPL, foi o de uma das suas seis rodas começando a girar. E ali nas seis rodinhas estava materializado o trabalho de cinco anos de Guizar no JPL, desde 2007. “Meu trabalho era construir o motor que vai dentro das seis rodas do rover. No Curiosity e no Perseverance (o rover sucessor do Curiosity) há um motor em cada roda. E eles são minha idéia, minha criação”.
Guizar acredita que a exploração espacial, mais do que abrir caminhos para “nossas novas casas no espaço”, pode criar oportunidades para uma legião de jovens da América Latina acharem seu caminho. “Muitos meninos e meninas estão trabalhando com o narcotráfico aos 17, 18 anos de idade. Meu objetivo na vida é trazer mais crianças para a STEM. Não sou um youtuber, mas quero alcançar muitos jovens, professores, escolas e universidades, para mudar muitas mentes”, diz.
Atualmente, Guizar mora no México e é presidente do Cluster Aeroespacial de Sinaloa, criado em 2021. Ele veio ao Brasil na semana passada para participar do Digitalks 2022, evento de marketing e inovação realizado em São Paulo. Um dos objetivos era compartilhar as ideias do projeto MARTE (Mars Analog Research and Technology Environment), um espaço de pesquisa e desenvolvimento que simula a superfície de Marte e da Lua em regiões da Terra com condições ambientais semelhantes. No caso, o Deserto de Sonora (Sinaloa), que se estende pelo Arizona, Califórnia e a parte sudoeste do México. Confira a entrevista.
“Essa é a minha frase favorita. Quando éramos jovens, nossos pais, ou professores, sempre diziam: ‘se você estuda, se você é disciplinado, se você é dedicado, o céu é o limite’, lembra-se? O limite não é mais o céu. Porque até mesmo estudantes em universidades construíram pequenos satélites em muitos países. Esses estudantes cruzaram o limite do céu, eles estão no espaço. Se eles podem fazer isso, por que outras universidades não poderiam? A porta está aberta.
Temos que promover mais este tipo de atividades entre os jovens. As redes sociais estão muito doentes. Muitos meninos e meninas estão trabalhando com o narcotráfico aos 17, 18 anos de idade. Então, há dez anos, nos aproximamos de um grupo de jovens apresentado ciência e tecnologia e começamos a fazer reuniões com eles e dizer-lhes que poderiam alcançar o céu com um pequeno satélite. É claro que eles não acreditaram. Depois de algumas semanas, eles começaram a entender o que íamos fazer. E então, quando enviamos o pequeno satélite para a estratosfera, eles mudaram de idéia.
Desse pequenos grupo temos hoje um médico, três engenheiros e um contador. E, antes dessa experiência, eles estavam trabalhando com a máfia. Mas com a ciência, com a tecnologia, com todo esse tipo de coisas relacionadas ao espaço, eles abriram suas mentes e mudaram suas ideias. E nós resgatamos esses meninos e meninas. Começamos a fazer isso em muitas cidades diferentes no México. Cidades com muitos problemas, problemas sociais, problemas com drogas, etc. E muitas pessoas mudam sua voz, mudam de idéia. Por isso. É aí que começamos a usar a frase “o céu não é mais o limite”. Não é um problema físico, é um problema mental.
Vivo agora mesmo em uma cidade no México em que já fiz essa experiência 29 vezes. Enviamos 29 pequenos satélites para a estratosfera, com a ajuda de jovens que, antes disso, estavam mentalmente deprimidos e sem perspectiva. Eles não sabiam que o limite era apenas mental. Assim, nós os ensinamos a fazer satélites, e agora eles sabem que podem fazer muitas coisas em que antes não acreditavam. Meu objetivo na vida é trazer mais crianças para as carreiras de STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). Não sou um youtuber, mas quero alcançar muitos meninos, professores, escolas, universidades, para mudar muitas mentes.”
“Eu não escolhi o espaço. O espaço me encontrou. Eu sonhava em fazer robôs desde pequeno. E comecei a trabalhar com robôs pequenos, depois com robôs maiores. Passei a construir motores eletrônicos para mover meus robôs. Então, enviei uma carta ao meu governo para pedir financiamento para pesquisa e desenvolvimento de robótica. Mas não me levaram a sério na época. Há um departamento no governo mexicano para pedir este tipo de financiamento de ciência e tecnologia. Eu tive que escrever uma carta explicando o que estava fazendo com o motor, com os robôs, e essac carta, de alguma forma, foi parar na NASA. Eles encontraram as informações sobre o meu motor e me enviaram um, dois, três e-mails e eu viajei para os EUA para uma reunião com eles.
Foi assim que comecei a colaborar com a NASA, trabalhando no Jet Propulsion Lab (JPL), no projeto do laboratório de Marte. Meu trabalho era construir o motor dentro das rodas do rover. No Curiosity e no Perseverance (o sucessor da Curiosity) há um motor em cada uma das seis rodas. Os motores em ambas são minha idéia, minha criação.
Na equipe havia pessoas da Argentina, Brasil, Espanha, Costa Rica, EUA, Itália, Alemanha e até mesmo da Rússia. Curiosity e Perseverance têm peças desenvolvidas pela Agência Espacial Russa, como participação nesta missão para a exploração de Marte. Portanto, é como se a humanidade construísse esse robô em solo americano.
Quando a gente conversava no trabalho, tudo parecia mágica. Cada um sabia o que estava fazendo, mas se surgisse algo difícil, não tinha problema, porque você sabia que tinha muitas mentes para ajudá-lo. É um lugar que dava a certeza de que tudo podia ser feito.”
“Quando o Curiosity pousou em Marte, minha mente explodiu. Meu coração parou por alguns segundos. Levei um tempo para perceber que as coisas que estávamos fazendo na Terra estavam de fato tocando a superfície de Marte. Não o solo de outro país, ou o oceano, mas de outro planeta.
Eu decidi ver o pouso com a minha família no México. Poderia ter visto no JPL, na Califórnia, com meus amigos dentro da NASA. Mas escolhi ver o pouso, e também o lançamento do foguete que levou o Curiosity para Marte, em casa, com meus filhos, com minha esposa. Eu não queria que me vissem como alguém especial. Eu estudei em escolas públicas, em um tempo que não tinha internet. Queria que eles soubessem que se eu pude fazer algo especial, eles também podem fazer.”
Você se lembra dos grandes exploradores? Eles recebiam dinheiro de reis e rainhas e investidores para comprar navios e atravessar os oceanos. E se o governo, naquela época, não tivesse dado dinheiro para essas viagens? Eu me pergunto onde nós estaríamos hoje.
Precisamos de muitos novos exploradores. É preciso investir muito dinheiro para atender as necessidades fundamentais do planeta e seus habitantes, mas também precisamos ter dinheiro para investir no novo. É importante investir em nossa “nova casa”, como a Lua ou Marte, onde podemos encontrar materiais que hoje estamos extraindo da Terra, porque são necessários, ou mesmo encontrar materiais que não temos aqui. Portanto, o dinheiro gasto na economia espacial é um bom investimento.
Por cada dólar que a NASA investe no espaço, recebemos US$ 8 de retorno em ciência e desenvolvimento tecnológico em outras áreas como medicina, indústria… É um dos investimentos mais importantes que a humanidade pode fazer. É como construir uma estrada para o futuro. Se pararmos de investir em ciência, em tecnologia, especialmente no espaço, vamos ficar bloqueados dentro de alguns anos. A humanidade não vai se renovar. É por isso que temos de promover o investimento privado. Não estamos gastando dinheiro público, porque muitas empresas privadas estão gastando seu dinheiro e depois vendendo os resultados para o governo. Portanto, o governo economiza dinheiro com pesquisa e desenvolvimento em muitas áreas, mas a humanidade obtém os resultados.
Um gêmeo de Marte, na Terra
Neste momento, estou construindo um sonho que muitas pessoas também estão criando em outros países. Estamos projetando um ambiente analógico de Marte no Deserto de Sonora, no México, a 4 quilômetros da fronteira com os EUA. Um lugar especial onde você pode encontrar um solo exatamente como Marte ou como a Lua, com crateras. Nosso projeto é chamado MARTE (Mars Analog Research and Technology Environment). Um lugar onde estudantes, professores, cientistas e pesquisadores podem ir e viver em uma experiência imersiva do que vai ser um laboratório na superfície de Marte. Temos apoio da NASA sobre o que temos que fazer para que seja um ótimo lugar para ter esta experiência no deserto.
Existe um pequeno esforço semelhante no Brasil, chamado Habitat Marte, que aproveita uma linda área árida que vocês têm aqui. Neste momento, nosso projeto está em desenvolvimento e estamos buscando fundos. Agora o governo no México está olhando para nós e talvez possamos obter o apoio do governo. Eu vim ao Brasil para falar sobre como investir conosco neste projeto, para trazer a mesma tecnologia que queremos fazer, para o Brasil, e montar uma grande experiência para as universidades, para as pessoas que querem viver a experiência.
Vamos pousar em Marte em 2030, porque temos um grande Cristóvão Colombo chamado Elon Musk, com mais dinheiro do que todos os reis e rainhas tinham na época das descobertas. Neste momento, a indústria espacial está em boas mãos. Não apenas nas mãos de Elon Musk. Há mãos da China, Austrália, Índia, Japão, EUA… Mas a América Latina tem um papel muito importante na indústria espacial. Não apenas o México, que é vizinho dos Estados Unidos, mas Brasil, Colômbia, Costa Rica, Argentina e Chile. O que acontece é que nem todos os governos veem a importância de participar dela, desacreditam dos cientistas do seu próprio país e vão para fora para fazer as coisas. No Brasil vocês têm a Embraer, uma empresa muito importante na indústria aeroespacial global que nasceu com apoio do governo. Por que não fazer o mesmo agora? O Brasil fez isso no passado e nós podemos fazer algo maior no presente. Não só o Brasil, mas toda aAmérica Latina.
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