Saúde mental entrou na mira do setor corporativo em 2020. O cenário da pandemia fez com que um em cada três colaboradores no Brasil sofresse crises de ansiedade desde março e a mesma taxa apresentasse insônia no período. Além disso, 41% das pessoas afirmam ter uma sensação constante de medo por conta da Covid-19 e 24% sofrem para se adaptar à nova rotina de trabalho em casa.
Os dados são da pesquisa “Saúde Mental em Foco”, realizada pela Vittude, startup líder em terapia online no país. Tatiana Pimenta, CEO e fundadora da empresa, revela que em 2020 houve crescimento de 800% na cobertura da Vittude Corporate, solução corporativa que promove saúde mental como benefício ao colaborador. O objetivo, para o ano que vem, é quadruplicar este número e chegar a 400 empresas como clientes.
“A transformação digital veio para comprovar que os responsáveis por fazer a diferença dentro de uma organização são os seres humanos”, diz a empreendedora. “Se as pessoas não estiverem se sentindo bem, não vão ser produtivas. É papel da empresa, neste mundo digital, olhar para a questão da saúde mental como uma perspectiva de negócio”.
A pesquisa revela que, mesmo com a questão em alta entre colaboradores, quase metade das organizações não faz qualquer investimento em saúde mental. Apenas 28% dos entrevistados afirmam se sentir confortáveis em conversar com o RH de sua empresa, dado que comprova o tabu em torno desta temática no ambiente corporativo.
“A chave para as empresas é criar segurança psicológica: um ambiente em que as pessoas possam falar que não estão bem e mostrar que são vulneráveis. O colaborador precisa entender que a liderança e o RH não vão usar a sua vulnerabilidade contra ele”, afirma Tatiana Pimenta.
No futuro do trabalho, prevê a CEO da Vittude, a psicoterapia não será apenas usada para tratamento da saúde mental, mas também no desenvolvimento profissional de soft skills. “Em um cenário no qual as pessoas estarão sempre aprendendo em ritmo acelerado, a psicologia surge como ferramenta de desenvolvimento pessoal”, explica. “Na minha visão, psicólogo será a profissão do futuro”.
“Disrupção é…
Mudar a forma como as pessoas realizam uma atividade ou consomem produtos e serviços. É romper barreiras de acesso e democratizar a inovação.
No nosso caso, a terapia online, por si só, é disruptiva porque quebra uma barreira de acesso que é geográfica. No Brasil, metade dos municípios não têm um psicólogo.
De uma forma geral, a pesquisa Saúde Mental em Foco reforçou as tendências que a gente já identificava, mas com uma metrificação que não existia no Brasil. Alguns fatos chamaram a atenção. As pessoas estão mais ansiosas, estressadas e negativas em 2020. O medo aumentou, tanto de se contaminar quanto de perder pessoas queridas. Há um sentimento de incerteza e de impotência.
Mesmo diante deste cenário, quase metade das empresas não investiu em suporte psicológico. Mostra o quanto as organizações precisam acordar para este tema, já que impacta diretamente no resultado.
Quando uma pessoa não está bem de saúde mental, ela perde capacidade cognitiva e não apresenta o mesmo desempenho.
A pesquisa mostra que mais de um terço das pessoas têm dificuldade para dormir ou insônia. Isso causa perda de foco, de atenção ou de memória, o que pode comprometer cumprimento de prazos ou mesmo a qualidade de uma entrega. Vemos os resultados das empresas sendo prejudicados por estes motivos e mesmo assim muitas continuam sem cuidar dos colaboradores.
A transformação digital veio para comprovar que os responsáveis por fazer a diferença dentro de uma organização são os seres humanos. São as pessoas que criam uma campanha de marketing incrível, que fecham uma venda com um cliente, que desenvolvem uma nova tecnologia. Se não estiverem se sentindo bem, não vão produzir. É papel da empresa, neste mundo digital, olhar para a questão da saúde mental.
As grandes organizações começaram a se movimentar, e isso faz com que as demais olhem para este tema.
Recentemente, a Ambev foi destaque na mídia porque sua nova visão como negócio e como cultura tem uma forte aposta na saúde mental. Eles entenderam o quanto isso é importante. Empresas como SAP, Grupo Boticário e Microsoft se tornaram nossos clientes corporativos.
As áreas de People Analytics desses grandes clientes estão mostrando que o retorno do investimento pode chegar a três vezes, por conta do impacto positivo em indicadores como internações, afastamentos do trabalho, absenteísmo e produtividade.
Parte do sucesso da nossa solução corporativa é por uma questão de orçamento. A maioria das empresas economizou uma grande parte do budget previsto para viagens, por exemplo, em 2020. Esse dinheiro pôde ser remanejado para benefícios ao colaborador, seja um auxílio home-office ou um serviço de saúde mental como o da Vittude.
Nosso entendimento é de que o benefício de saúde mental nas empresas será como o seguro-saúde. Uma vez implementado, não vai ser tirado do empregado, pois ele cria um vínculo com o psicólogo. Vira algo permanente. É um movimento que estamos vendo com nossos clientes.
A chave para as empresas é aquilo que chamo criar segurança psicológica: um ambiente em que as pessoas possam falar que não estão bem e mostrar que são vulneráveis.
As pessoas têm medo do que pode acontecer com elas se revelarem algum problema psicológico. Apenas 28% dos entrevistados da pesquisa confiam em seu RH para falar de saúde mental, e 33% em seus líderes. O colaborador precisa saber que sua vulnerabilidade não será usada contra ele.
A minha percepção, como empreendedora, é de que as gerações mais jovens cuidam mais das próprias emoções. Muitas delas fizeram psicoterapia ainda quando criança e entendem que é uma ferramenta para autodesenvolvimento de uma forma geral. Para parte das gerações mais maduras ainda há um estigma de que buscar ajuda de um psicólogo é um sinal de fraqueza.
Por outro lado, os mais jovens estão mais doentes. Há uma enorme dependência das redes sociais que leva a viver uma expectativa fantasiosa. Os perfis só publicam as partes boas da vida, e para os seguidores isto cria a imagem de um mundo ideal que deve ser buscado a qualquer custo. O que gera um nível de frustração e ansiedade muito alto, porque as pessoas se veem sempre aquém daquilo que desejam alcançar.
Cada vez mais, vejo jovens tendo burnout. A terapia ajuda as pessoas a verem que, por trás de todo o sucesso, existe um trade-off que não aparece nas redes; que todo mundo abre mão de algo. Novas gerações estão muito ansiosas por ter sucesso profissional rápido e não percebem os degraus que existem nesse caminho.
As empresas precisam investir em educação emocional para que as pessoas saibam expressar e comunicar melhor os sentimentos. É fundamental que isso comece pela liderança.
Nossos clientes já estão começando a buscar terapia para aprender a se comunicar melhor, a ter mais empatia e se tornar um gestor melhor. Não é apenas um recurso para tratar quadros de depressão ou ansiedade.
Saúde mental vai continuar em alta em 2021 porque impacta diretamente no negócio. Um estudo da London School of Economics de 2016 mostra que empresas brasileiras jogam US$ 63 bilhões ao ano na lata do lixo por conta da depressão de funcionários. A pandemia faz esse problema pesar ainda mais no bolso, numa crise de saúde e com cenário de incerteza.
O futuro do trabalho será menos braçal e mais intelectual. Vamos precisar de inteligência emocional, de criatividade, de flexibilidade cognitiva.
O lifelong learning é um conceito que está entre os valores da cultura da Vittude. Reaprender a aprender é uma ideia muito importante. Reinventar-se é um desafio para o cérebro, um desafio emocional.
Em um cenário no qual as pessoas estarão sempre aprendendo em um ritmo acelerado, a psicologia surge como ferramenta de desenvolvimento pessoal, não apenas para tratamento de doenças.
Na minha visão, psicólogo será a profissão do futuro. As pessoas vão investir cada vez mais em autoconhecimento e autodesenvolvimento.
A ideia, em 2021, é seguir crescendo no ambiente corporativo, olhando para as grandes empresas como clientes. Cada vez mais vamos focar no segmento enterprise e estimular a discussão sobre saúde mental neste ambiente.
Em uma visão macro de futuro, meu olhar vai para a educação emocional. A Vittude se tornou uma referência em terapia online, e mais para frente chegará um momento de ser uma plataforma de educação que solucione o problema anterior ao tratamento. Talvez a forma seja criar trilhas de conteúdo que engajem as pessoas e passem conhecimento relevante de soft skills alinhadas às tendências do futuro do trabalho. O objetivo é se tornar a maior referência da América Latina neste sentido.
Trabalhar com a prevenção significa fechar o círculo da saúde mental.”