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Andrei Graça, líder de IA, Dados e GenAI da EY Brasil foto: divulgação
ENTREVISTA

Cliente Zero: a história da disrupção da EY pela IA

Mais do que adotar tecnologia, a EY iniciou sua própria disrupção, transformando desafios globais em aprendizados que hoje servem de guia prático para empresas que buscam crescer com IA de forma rápida e responsável. Andrei Graça, líder de IA, Dados e GenAI da consultoria, conta essa história.

Por Silvia Bassi 06/08/2025

Dizem que “santo de casa não faz milagres”. Mas se tiver um framework consistente, uma estratégia consolidada e todos os desafios mapeados, ele pode executar um ótimo trabalho. A EY, uma das “Big 4” em auditoria e consultoria, decidiu colocar à prova o ditado e encarar a autodisrupção de frente, tornando-se seu próprio “Cliente Zero” na adoção da IA e IA Generativa como parte estratégica do seu processo de transformação digital.

A iniciativa levou a um investimento inicial de US$ 1,4 bilhão em um amplo programa de transformação com foco em pessoas, definindo a ambiciosa visão de se tornar a principal organização de serviços profissionais com tecnologia de IA do mundo e um dos resultados foi a criação do EYQ, um marketplace de inteligência artificial que reúne tecnologias de IA Generativa, agentes inteligentes, governança robusta e recursos de desenvolvimento no-code/low-code, democratizando a IA de forma ampla. Os aprendizados levaram à criação da plataforma EY.ai, que incorpora um framework com quatro pilares para apoiar empresas na jornada da Inteligência Artificial. Testada dentro de casa.

Andrei Graça, líder de IA, Dados e GenAI da EY no Brasil, conta como foi a jornada do “Cliente Zero”, um processo marcado pela criação e refinamento de frameworks, metodologias, ferramentas e educação, que nasceu do desafio de transformar uma gigante global em um laboratório vivo para a adoção de Inteligência Artificial responsável e escalável. Nesta conversa, Andrei aborda desde os bastidores do investimento em tecnologia e centralização de dados, passando pela governança e a democratização do uso de IA, o desenvolvimento da plataforma EYQ e os conselhos para empresas que buscam iniciar o caminho da transformação digital com IA. Confira a íntegra da entrevista, abaixo.

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Por que a EY decidiu ser seu próprio “Cliente Zero” na adoção de IA?

A decisão foi estratégica, e é a continuidade de um processo de autodisrupção que iniciamos em 2017, com a nossa própria transformação digital. Em 2017, percebemos que precisaríamos investir fortemente em transformação digital, incorporando tecnologia nas operações e serviços, especialmente considerando nosso grande volume de auditoria — uma área sensível, pois lidamos com dados críticos de clientes. Migramos nossos sistemas para a nuvem e investimos em sistemas de dados consolidados, segurança e governança. Fizemos aquisições estratégicas de empresas com know-how em dados e criamos a posição de Data Officer no C-Level. Tudo isso estruturou nossa base digital.

Quando a OpenAI lançou publicamente o ChatGPT, em novembro de 2022, abrindo caminho para uma corrida de LLMs, vimos que uma nova etapa de transformação seria inevitável, especialmente para consultorias. Ao invés de travar, aceleramos para usufruir do valor da IA generativa de forma responsável, para trazer retorno de valor para o negócio e para criar modelos que pudessem ser oferecidos aos nossos clientes. Por isso, resolvemos ser nosso próprio laboratório, adotando IA primeiro dentro de casa. Mapeamos estrategicamente os casos de uso de IA em relação aos objetivos de negócios e a toda a nossa cadeia de valor, reimaginando fluxos de trabalho e operações em torno da IA. Essa abordagem reduziu o risco de fragmentação de iniciativas de IA e evitou lançar projetos de baixo impacto que poderiam desperdiçar recursos.

Anunciamos um investimento inicial de US$ 1,4 bilhão para desenvolver um ecossistema, uma governança ética e responsável e todo um processo de transformação e letramento da empresa em IA. Foi fundamental criar um arcabouço metodológico e um framework lastreado em quatro grandes pilares (a plataforma EY.ai), para que a gente pudesse fazer uma transformação de forma segura, rápida e que gastasse menos dinheiro.

Por que isso é importante? Porque precisamos lembrar que os early adopters sempre acabam gastando mais dinheiro. No nosso caso, criamos um negócio governado, pensando em como reaproveitar e escalar a tecnologia para toda a empresa e todas as unidades ao redor do mundo.
Foi dentro desse contexto que nasceu o EYQ, um marketplace para Inteligência Artificial que garante governança centralizada, conhecimento compartilhado e evita o retrabalho e o desperdício de recursos. Importante dizer que centralizado não quer dizer burocrático. Você consegue centralizar as coisas e ser ágil.

O que é o EYQ e como ele funciona na prática?

EYQ é um marketplace interno de IA que democratiza o acesso à tecnologia, evitando shadow IT e garantindo segurança de dados. Profissionais sem formação técnica podem criar soluções usando ferramentas no-code ou low-code e linguagem natural. O EYQ também organiza “skills” específicas por setor – por exemplo, reforma tributária brasileira ou regulação financeira – facilitando a vida de quem assume projetos em novas indústrias.

Cada semana, novas skills são adicionadas, como se fosse um cérebro coletivo. O resultado: ganhos expressivos em inovação tecnológica, eficiência operacional, melhoria da experiência dos colaboradores —. No arcabouço tecnológico do EYQ estão todas as governanças de privacidade e ferramentas para que qualquer colaborador possa desenvolver uma skill dentro do ambiente seguro, democratizando e verticalizando conhecimento.  Esse centro de IA aproveita o conhecimento interno em formato de agentes e skills, acelerando tarefas e otimizando a atuação em projetos diversos.

Como vocês estruturaram o letramento em IA dentro da EY?

A capacitação começou pela alta liderança. Organizamos bootcamps presenciais com líderes globais, incluindo sessões no Vale do Silício, na EY Tech University, e depois ampliamos para toda a organização. O treinamento básico foi obrigatório para todos os funcionários, complementado por formações específicas conforme cargo e função. A plataforma EYQ centraliza essa experiência, combinando tecnologia, governança e trilhas de aprendizado. Com isso, todos entendem o papel da IA em suas funções, mesmo aqueles que não trabalham diretamente com tecnologia. Esse movimento permitiu identificar talentos internos capazes de migrar para funções novas, como desenvolvimento de agentes inteligentes e análise avançada de dados.

Como a EY garante governança e segurança no uso da IA?

Desde o início, aplicamos princípios de Responsible AI. Isso significa definir limites de uso, seguir legislações e regulamentos locais e globais, e garantir rastreabilidade e ética em todos os projetos. Nossa cultura de risco, vinda da auditoria, facilitou a adoção desse mindset. Por exemplo, implementamos instâncias privadas para rodar modelos de IA, evitando exposição de dados estratégicos. Nenhum dado sensível é usado para treinar modelos externos sem controles rígidos. Essa governança também protege contra riscos emergentes, como deepfakes ou manipulações baseadas em engenharia de prompts. O know-how da EY é tão notório que desenvolvemos o Guia de Implementação de IA Generativa Responsável para uma das Big Techs.

Que impactos a IA trouxe para os serviços da EY?

A IA mudou a forma como trabalhamos. Relatórios, que antes exigiam horas de redação manual, hoje são iniciados a partir de prompts inteligentes. Revisões gramaticais são feitas de forma super acelerada com o auxílio da IA. Desenvolvemos agentes que varrem ambientes internos, identificando riscos e oportunidades de projetos. No desenvolvimento de software, usamos IA para suportar o desenvolvimento de aplicativos: em poucos minutos, é possível acelerar os desenvolvimentos de softwares, tarefa que levaria bastante tempo sem o suporte da IA. Estamos desenvolvendo agentes para suportar nossos projetos de consultoria e muito mais por vir.

Como funciona a metodologia EY.ai?

A metodologia EY.ai é uma plataforma unificadora pautada pelo propósito de criar um impacto humano positivo para a IA, a partir de uma abordagem responsável e centrada nas pessoas, com foco na criação de valor para todos. Nossa ambição: criar confiança na IA, criar valor exponencial, aumentar o potencial das pessoas.

Os quatro pilares nos quais a EY.ai está apoiada derivam da nossa experiência como Cliente Zero.  São eles:

  1. EY.ai Maturity Model: define o roteiro para o estado futuro da IA. Instrumento que avalia o nível atual de adoção de IA, identifica lacunas e desenvolve um roadmap factual e eficiente para impulsionar a transformação dos negócios do cliente. Avaliamos maturidade em dados, tecnologia, processos, experiência de usuários, aspectos legais, riscos e pessoas antes de avançar. Se a base não está pronta, a empresa fica apenas experimentando, sem escalar.
  2. EY.ai Value Accelerator: é a estratégia para maximizar a criação de valor. Identifica oportunidades de criação de valor de IA e prioriza iniciativas na empresa que impulsionarão um crescimento estratégico mensurável e significativo.
  3. EY.ai Confidence Index: ajuda a habilitar a confiança nos pilares de dados e tecnologia, processo e pessoas que compõem seu ecossistema de IA. Ele oferece suporte à tomada de decisões aprimorada e operações mais eficientes por meio da confiabilidade e explicabilidade, e promove IA responsável ao aumentar a transparência e a privacidade, por meio de níveis de confiança mensuráveis.
  4. EY.ai Academy: é o lado da educação feito para impulsionar a adoção e fomentar uma nova cultura de trabalho alinhada à IA. Objetiva o letramento e experimentação do uso de AI, possibilitando acelerar conhecimento e extrair o máximo da relação homem-máquina.

Como a adoção de IA impacta as equipes?

Esse ainda é um fenômeno em formação. No entanto, está claro que a estrutura de cargos muda: funções repetitivas tendem a desaparecer, mas surgem novos postos em análise de dados, engenharia de prompts e gestão de riscos digitais. Por isso, o letramento é essencial: ajuda a identificar talentos internos e a redirecionar carreiras. Jovens profissionais são particularmente impactados, pois a curva de aprendizado inicial muda. A EY olha para isso com responsabilidade social: preferimos treinar e realocar do que simplesmente cortar posições. A experiência com a automação de processos (RPA) mostrou que tarefas burocráticas podem ser substituídas, liberando as pessoas para trabalhos mais criativos e estratégicos.

Que recomendações daria para empresas que estão iniciando a jornada de IA?

Primeiro, encare a disrupção: disruptar-se antes de ser disruptado. Segundo, entenda a maturidade da sua empresa — onde está e para onde quer ir — e alinhe a ambição com a realidade técnica e cultural. Terceiro, priorize casos de uso com impacto claro e mensurável. Quarto, adote governança responsável desde o início, evitando problemas de segurança e compliance. Por fim, invista em letramento para todos, inclusive o conselho de administração. Sem uma liderança capaz de entender conceitos básicos — até mesmo o que é um prompt —, não há como orientar a organização de forma segura e estratégica.

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