A NFX acaba de publicar os resultados de uma pesquisa com 526 investidores e fundadores de startups sobre suas previsões e sentimentos para o ano de 2021. Os investidores apontaram “Blockchain & Cripto” como o setor de maior crescimento do ano. Fundadores também o relacionaram no Top 5. Meses atrás, poderíamos afirmar que a empolgação maior era com Blockchain. Hoje, não mais.
Nesse início de 2021, cripto desponta como um mercado que começa a ser levado muito a sério, principalmente após o Office of the Comptroller of the Currency (OCC), o regulador bancário dos Estados Unidos, ter chancelado, logo no primeiro dia útil do ano, o uso de stablecoins e de criptomoedas com preços relativamente estáveis pelas instituições financeiras do país, para transações bancárias padrão, como atividades de pagamento.
O documento da OCC declara ainda que os bancos podem participar na validação de transações com stablecoin ou Independent Node Verification Networks (INVN) em um blockchain. Na opinião de analistas e profissionais do mercado de criptomoedas e criptoativos, isso indica uma legitimação clara do mercado de cripto, e um passo na direção de, finalmente, integrá-lo ao mercado tradicional.
Pode-se dizer que a medida da OCC “tocou fogo no parquinho cripto”. Os debates sobre a proposta de um novo regulamento sobre criptomoedas da Financial Crimes Enforcement Network (FinCEN), a agência do Departamento do Tesouro dos EUA encarregada de prevenir e punir lavagem de dinheiro e outros crimes financeiros, esquentaram de vez. Em especial pela possibilidade de passar a exigir a identificação de qualquer cliente que compre ou venda grandes quantidades de criptomoeda.
Lembrou da exigência da nossa Receita Federal de declaração de cripto no Imposto de Renda? Pois é, ambas são tentativas de dar mais transparência ao mercado. Mas as críticas à FinCEN já começaram.
- “Em vez de reforçar a luta contra atividades ilegais”, escreveu Jack Dorsey, CEO do Twitter, “esta proposta terá a consequência não intencional de direcionar a atividade de criptomoeda para cantos não regulamentados e, assim, minar os esforços da aplicação da lei para combater a atividade ilícita”.
- “Uma intrusão substancial em sua privacidade sem um bom motivo”, disparou Brian Armstrong, CEO da Coinbase. “Uma regulamentação significativamente mais onerosa do que as instituições financeiras tradicionais”.
Vale lembrar que a carta da OCC contrasta com um projeto de lei apresentado ao Congresso dos Estados Unidos propondo que os emissores de stablecoin obtivessem licenças bancárias. Essa proposta agressivamente anti-stablecoin resultou em milhares de dólares em doações enviadas ao grupo líder de defesa da criptomoeda, Coin Center. Há muito em jogo.
Um outro efeito colateral da iniciativa da OCC foi uma nova subida no valor das criptomoedas. O Éter (ETH, + 8,83%) saltou quase 12% com o lançamento da carta, dado o domínio da Ethereum, agora 2.0, como um protocolo de liquidação de pagamento estável. E, ontem, o Bitcoin voltou a ser negociado acima de US$ 35 mil. Também um salto de 12%, superando o recorde anterior de US$ 34.544, estabelecido no domingo passado, após uma alta vertiginosa no fim de semana do ano novo. E o preço segue subindo e rápido. Scott Galloway prevê que chegará a US$ 50 mil este ano. O J.P. Morgan diz que deve superar US$ 146 mil. Estranho? Bom, de fato, o J.P. Morgan era um dos que vinham a público dizer que BTC era scam. Hoje tem uma boa fatia das reservas.
A pandemia ajudou
Ao impulsionar nosso desenvolvimento tecnológico para o futuro, a pandemia também teve um impacto significativo e ambicioso no setor financeiro. Por um lado, os governos em todo o mundo fizeram grandes avanços no desenvolvimento das moedas digitais do banco central este ano. Com as implementações do CBDC se aproximando, sérias questões de privacidade foram levantadas de forma legítima na comunidade de cripto, já que a tecnologia representa mais um passo em direção a um sistema financeiro mais centralizado.
Governos começaram a imprimir dinheiro, gerando novas preocupações sobre a saúde do setor financeiro e direcionando as pessoas para ativos alternativos – criptomoedas. Como resultado, o Bitcoin provou ser um hedge contra a inflação, enquanto sua posição como reserva de valor foi fortalecida, ao contrário de 2017.
Ao longo de todo o ano de 2020, as instituições começaram a abraçar o Bitcoin como nunca antes. Empresas como Microsoft, AT&T, Overstock.com e Twitch adotaram o bitcoin como forma de pagamento. Investidores institucionais sérios, fundos de hedge e outros participantes financeiros sofisticados – como Grayscale Bitcoin Trust , MicroStrategy , Square e PayPal, entre outros – ingressaram no mundo cripto. Em maio, alguns meses após um crash do mercado em março, o investidor bilionário Paul Tudor Jones endossou publicamente o Bitcoin como uma proteção potencial contra a inflação. No quarto trimestre de 2020, dezenas de instituições aderiram ao movimento.
O iminente IPO da Coinbase também tem animado o mercado. Como uma das maiores bolsas de cripto do mundo, a Coinbase já atraiu a atenção de investidores institucionais tradicionais. Se o IPO for bem-sucedido, muitos investidores novos provavelmente serão atraídos para o setor, o que apenas aumentaria o interesse institucional.
Uma das grandes questões para 2021 é se esse interesse institucional continuará a acelerar ou se estagnará ou diminuirá em algum momento ao longo do ano. Os primeiros sinais parecem apontar para uma aceleração, pelo menos por enquanto. Em 4 de janeiro, a Three Arrows Capital divulgou uma posição de $ 1 bilhão no Grayscale Bitcoin Trust. No mesmo dia, a SkyBridge Capital também anunciou uma posição de Bitcoin de $ 300 milhões e o lançamento de um novo fundo de Bitcoin para investidores credenciados. E é possível que vejamos mais bancos privados, com visão de futuro, se adaptando e vendo as criptomoedas como uma oferta diferenciadora para atrair e gerar novas receitas.
Os primeiros sinais sugerem que 2021 pode ser outro grande ano para o interesse institucional no Bitcoin, hoje claramente posicionado entre ser uma reserva de valor e um meio de pagamento para transações diárias. Os investidores institucionais estão ansiosos para entrar em ação e lucrar com a volatilidade de seus preços, mesmo que governos em todo o mundo, como o Japão – e agora os EUA – tenham declarado que é uma forma válida para pagamento por bens. O Brasil já estuda a possibilidade de uso do Bitcoin e outras criptomoedas como meio de pagamento de operações societárias e integralização de capital de sociedades.
Na opinião de Marie Tatibouet, CMO da Gate.io, com mais investidores e provedores de serviços ingressando na indústria, a real utilidade dos ativos digitais impulsionará ainda mais a adoção em massa da criptomoeda em todo o mundo.
“Os elefantes na sala serão grandes jogadores como Square e PayPal, que continuam a tornar mais fácil para as pessoas comprarem Bitcoins e outros ativos criptográficos. Essas empresas sozinhas estão comprando o equivalente a 100% do Bitcoin recém-cunhado para cobrir a demanda dos clientes dos EUA. Pense no que acontecerá quando eles abrirem para clientes internacionais no próximo ano? O impacto será interessante de medir”, comenta Tatibouet .
De fato, comprar criptomoedas nunca foi tão fácil. Não só existem inúmeras trocas de criptografia regulamentadas no mundo, mas o número de contas nessas trocas cresceu de meros 5 milhões em 2016 para mais de 100 milhões em 2020. Houve uma explosão de carteiras de Bitcoin. Tendência que deve continuar em 2021.
Revolução financeira
Quando foi apresentado ao mundo há uma década, o Bitcoin deveria ser uma revolução no ecossistema financeiro. Joe Weisenthal, editor da Bloomberg, o define como “a primeira e verdadeira religião do século 21”. E aponta algumas evidências:
- Tem um profeta. Satoshi Nakamoto, que nunca foi identificado, como aparentemente “partiu” do mundo.
- Esse profeta tinha em mente benefícios para a humanidade.
- O primeiro bloco do Bitcoin foi chamado de Bloco Genesis.
- O Bitcoin tem um texto sagrado: o Livro Branco. E seus textos são semelhantes ao Talmud.
- Tem santos e apóstolos originais. Figuras como Hal Finney, que falou com Satoshi, são reverenciadas na comunidade por sua visão de futuro e seu papel no estabelecimento da fé. Finney foi o destinatário da primeira transação de Bitcoin.
Brincadeiras à parte, se a tumultuada primeira década da criptomoeda foi marcada por escândalos, erros e grandes oscilações de preços, essa nova década pode provar sua importância na evolução cripto. Basta que problemas com dimensionamento e segurança sejam resolvidos. E que o Bitcoin viva uma explosão de pagamentos de baixo custo e alta velocidade, que transformarão o sistema monetário da mesma forma que a Internet transformou a troca de informações, como acredita o CTO da Ripple, David Schwartz.
Moral da história: atualmente, investir em criptomoedas e outras ofertas iniciais de moedas (“ICOs”) ainda é altamente arriscado e especulativo. Mas se depender dos reguladores em todo o mundo, não só o Bitcoin como outras criptomoedas e criptoativos seguem a passos largos para serem custodiados e amplamente utilizados. Convém acompanhar de perto. Blockchain e cripto não são uma panacéia e não resolverão todos os problemas, mas talvez não seja sensato ignorar seu potencial.
Quer entender melhor o mundo cripto?
- Vale revisitar a entrevista e o podcast que fizemos com Ricardo Da Ros, country manager da Ripio, hoje em quiet period, por conta da recente aquisição da Biticon Trade.
- Vale também ouvir o podcast com Maurício Magaldi, do BlockDrops Podcast, sobre aplicações práticas do blockchain e conferir como startups pioneiras nesse mercado estão hoje.