O cidadão global está preocupado com as novas tecnologias, mas acredita que podem salvar o mundo. Sente-se um tanto perdido em relação a tantas mudanças, que gostaria que “tudo voltasse a ser como antigamente”. Está consciente de que cuidar de si mesmo é cuidar do corpo e da saúde mental. Esse retrato emerge do relatório “Ipsos Global Trends”, que traz a perspectiva humana sobre como encaramos o mundo em que vivemos.
O estudo capta 23 valores centrais que unem, dividem e influenciam a visão das pessoas sobre mudanças sociais, econômicas e políticas. As chamadas macroforças incluem avanços da IA, tecnologia pervasiva, evolução da família, ascensão e queda da classe média, comunidade e migração, diversidade étnica e religiosa, mudança climática, perda de biodiversidade, etc. Os pesquisadores chegaram a nove tendências, cada uma destacando uma tensão que marca o comportamento humano. Os insights são baseados em mais de 50 mil entrevistas realizadas em 50 mercados, incluindo o Brasil.
A seguir, veja quais são as principais tendências apontadas pelo relatório da Ipsos, o que a consultoria acredita que pode ser feito e também highlights do Brasil na pesquisa.
1. Fraturas na Globalização
“Embora o mundo continue altamente interconectado, a globalização é vista como tendo vencedores e perdedores, tanto em nível de mercado quanto em nível pessoal”, cita o relatório. A saída? Colocar o foco na valorização de pontos fortes locais, bem como a cooperação e a escala globais.
- Percepção pública: Embora a globalização continue a promover interconexões, a forma como as pessoas a enxergam está mudando. Pelo menos 60% dos pesquisados acreditam que a globalização é benéfica para eles pessoalmente, com países como China, Indonésia, Nigéria e Quênia apresentando os maiores níveis de apoio.
- Dinâmicas em transformação: Apesar dos benefícios percebidos, há uma crescente ênfase no nacionalismo, especialmente à medida que os líderes políticos buscam fortalecer as economias locais. Aproximadamente 63% expressam forte orgulho nacional, indicando uma tensão entre identidades globais e locais. Nações europeias, como Alemanha, reportam níveis mais baixos de orgulho nacional (41%), destacando a divisão dentro dos mercados.
- No Brasil: A visão positiva sobre a globalização aumentou. Em 2024, 60% dos brasileiros concordam que a globalização é boa para o país, refletindo uma melhora constante na percepção pública sobre os benefícios da integração econômica global. O sentimento de orgulho nacional também é marcante no Brasil, com 63% dos brasileiros afirmando que têm muito orgulho do país. Esse número é comparável a mercados emergentes da África e da Ásia, como China, Indonésia e Filipinas, mas é significativamente mais alto do que em países europeus, como a Alemanha.
2. Sociedades Fragmentadas
O aumento da desigualdade leva a uma fragmentação das estruturas tradicionais, com o surgimento de novas ideologias e lealdades políticas. As pessoas sentem que as empresas e os governos precisam fazer mais, segundo a pesquisa. O desafio, portanto, é se concentrar no no compromisso dos valores compartilhados, daquilo que é comum à grande maioria das pessoas. Em outras palavras, construir pontes e não muros.
- Desigualdade: A crescente desigualdade está fragmentando as sociedades. A fatia de 0,01% mais rico da população global dobrou sua riqueza desde 1995, agora controlando quase 12% da riqueza mundial. Em países como Índia, a faixa de 1% que reúne os mais ricos detém 40,1% da riqueza, enquanto a metade mais pobre possui apenas 6,4%.
- Imigração: A imigração continua sendo um tema importante. Cerca de 71% dos entrevistados acreditam que as pessoas naturais de uma cidade, estado ou país devem ser priorizadas para empregos quando há escassez de vagas. Além disso, 62% acham que há imigrantes demais em seus países, destacando as tensões entre acolher novas populações e garantir oportunidades para os habitantes locais.
- No Brasil: A imigração continua a ser um tema divisivo. No Brasil, 62% dos pesquisados afirmam que há imigrantes demais no país, mas, ao mesmo tempo, 48% acreditam que a imigração tem um impacto positivo na sociedade.
3. Convergência Climática
O investimento mundial em resiliência e mitigação climática está aumentando para acompanhar os impactos da mudança climática. As organizações precisam demonstrar seu comprometimento, incluindo aí o mercado, mas também ajudar as pessoas a sentirem que também estão contribuindo.
- Consenso global: O mundo atingiu quase uma unanimidade sobre os perigos da mudança climática, com 80% concordando que mudanças rápidas são necessárias para evitar um desastre ambiental. No entanto, o debate agora gira em torno de quanto as pessoas estão dispostas a sacrificar para alcançar o progresso, com a responsabilidade climática variando consideravelmente entre os mercados.
- Responsabilidade corporativa: 77% dos entrevistados em todo o mundo acreditam que as empresas não estão fazendo o suficiente para mitigar os danos ambientais, e 81% pedem por regulamentações governamentais mais rigorosas sobre o impacto ambiental das corporações. As pessoas esperam mais liderança de marcas e governos.
4. Tecnologia: Fascínio e Preocupação
A difusão da tecnologia carrega uma tensão entre a empolgação com todas as ferramentas e a possibilidade de resolver problemas, a conexão e o entretenimento que a tecnologia pode nos proporcionar e as preocupações com a privacidade, a perda de emprego e o potencial de uso indevido. A resposta: identificar os benefícios e reduzir as preocupações.
- Otimismo tecnológico: 71% concordam que a tecnologia é o que nos permitirá resolver os problemas futuros. A tecnologia traz uma sensação de admiração, especialmente quando promete avanços na saúde, comunicação e sustentabilidade.
- Preocupação com a tecnologia: Por outro lado, 57% sentem que o progresso tecnológico está destruindo suas vidas, um aumento significativo em relação a anos anteriores. As preocupações com a privacidade também são grandes, com 73% das pessoas preocupadas sobre como seus dados são usados por governos e corporações, refletindo a crescente ansiedade em torno da segurança digital e da vigilância.
- No Brasil: Pelo menos 57% da população temem que o progresso tecnológico esteja destruindo suas vidas, alinhando-se com a média global. Por outro lado, 71% dos brasileiros acreditam que a tecnologia será fundamental para resolver os problemas do futuro.
5. Saúde Consciente
A compreensão da saúde é mais holística, ligada ao nosso bem-estar físico e mental, puxada pelo aumento nos níveis de estresse, ansiedade, depressão e outras questões de saúde mental. As tensões persistem em termos de quem tem acesso aos cuidados. “Concentre-se em ajudar as pessoas a navegar nesse cenário cada vez mais complicado com informações claras e confiáveis e soluções acessíveis”, cita o relatório.
- Abordagem Holística: A integração entre saúde física e mental é agora uma norma global. Pelo menos 84% enfatizam a necessidade de cuidar de sua saúde física, enquanto 81% priorizam igualmente o bem-estar mental. Essa redução na diferença reflete o crescente reconhecimento da importância da saúde mental.
- Autossuficiência: O empoderamento está crescendo, com 80% buscando maior controle sobre suas decisões de saúde. As pessoas estão agora olhando além dos provedores tradicionais de saúde e pesquisando informações por conta própria. Tecnologias que auxiliam no monitoramento da saúde e longevidade se tornaram mais populares, particularmente em mercados emergentes.
6. Retorno aos “Velhos Sistemas”
Como a fuga para a nostalgia é muito atraente, algumas pessoas também desejam voltar às estruturas históricas de poder relacionadas à religião, política, gênero e muito mais. Aqui vale colocar o foco nos aspectos positivos do passado, mas as organizações precisam entender que nem todos querem voltar ao passado.
- Nostalgia e Tradicionalismo: Em meio à instabilidade global, uma proporção significativa da população está recuando para sentimentos nostálgicos. O anseio por estruturas de poder passadas, incluindo a religião e papéis tradicionais de gênero, é evidente em muitos países. Essa tendência é especialmente pronunciada em sociedades que enfrentam turbulências políticas e econômicas, onde o passado parece mais seguro do que o presente incerto.
- No Brasil: A nostalgia pelo passado está crescendo no Brasil. Entre os 19 mercados acompanhados desde 2013, o Brasil apresentou um aumento notável no desejo de que o país fosse “como costumava ser”. Em 2013, 35% dos brasileiros expressaram esse sentimento, enquanto em 2024 esse número subiu para 56%, evidenciando um forte aumento na idealização do passado.
7. Novo Nihilismo
“Como as tensões econômicas estão impedindo muitas pessoas de realizar seus sonhos de longo prazo, uma atitude às vezes, mas nem sempre fatalista, de ‘viver o momento‘ está aumentando”, segundo a pesquisa. O importante aqui é direcionar esforços para ajudar as pessoas a preencher a lacuna entre suas aspirações e suas realidades.
- Foco de curto prazo: As pressões econômicas e o ritmo crescente de mudanças mudaram o foco de muita gente para “viver o momento presente”. Aspirar a metas de longo prazo é frequentemente ofuscado por necessidades imediatas, especialmente entre as gerações Z e Alpha, que se sentem cada vez mais pessimistas em relação ao futuro financeiro. Três quartos dos pesquisados acreditam que as gerações futuras não terão o mesmo padrão de vida de seus pais.
8. O poder da confiança
“Como somos bombardeados com informações, ansiamos por mensagens autênticas de fontes confiáveis, mas temos mais dificuldade para descobrir em quem e no que acreditar”, cita o relatório da Ipsos. A resposta está em alinhar valores compartilhados da empresa com os do seu público para criar relacionamentos confiáveis.
- Déficit de confiança: À medida que as pessoas são bombardeadas com informações, sua confiança em governos e corporações está diminuindo. Pelo menos 76% concordam que os governos não estão fazendo o suficiente para resolver os problemas econômicos e sociais, enquanto 57% acreditam que não podem mais confiar nas corporações globais para agir de maneira ética.
- Oportunidade para marcas: Esse déficit de confiança cria oportunidades para marcas que alinham seus valores com os de seus públicos. A construção de confiança por meio da transparência e responsabilidade continua sendo essencial para corporações que desejam preencher essa lacuna.
9. Fuga para o Individualismo
Há muitos momentos em que o mundo parece um lugar assustador e capaz de nos esmagar. Para combater esse sentimento, as pessoas olham para coisas que podem controlar – elas mesmas, por exemplo. Mas há uma tensão entre aqueles que se esforçam para se destacar e subir de alguma forma e aqueles que se concentram mais no interior. A melhor maneira é alavancar relacionamentos confiáveis para ajudar as pessoas a expressarem suas identidades como quiserem, mesmo que escolham normas históricas.
- Foco no Eu: Em resposta a um mundo que parece cada vez mais fora de controle, muitas pessoas estão se voltando para si mesmas. O foco no bem-estar pessoal e no controle sobre a própria vida está levando a comportamentos individualistas. As pessoas priorizam sua identidade e expressão pessoal em detrimento de objetivos coletivos. A curiosidade e a abertura para novas experiências, como viagens, talvez sejam um caminho mais universal para o individualismo: 52% das pessoas em todo o mundo considerariam a possibilidade de se mudar para um país diferente para conseguir um novo emprego, enquanto 67% das pessoas dizem que gostariam de viver em diferentes partes do mundo.
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