No final de janeiro, 12 capitais brasileiras já estavam totalmente prontas para começar a operar com a quinta geração de internet móvel, o 5G – que deverá chegar a todas as capitais até 31 de julho deste ano. Com infraestrutura e legislação devidamente implementados, a rede que vai oferecer internet de alta velocidade vai representar um avanço enorme não apenas em telecomunicação, mas abre imensas possibilidades para a indústria de manufatura, varejo, marketing – um crescimento em praticamente todas as frentes.
“Isso é formidável porque não é só uma questão de obter dados de streaming, mas também dados de imagem, dados transacionais que são parte da jornada que vão funcionar praticamente como um broadcast do que você faz – e que é algo que o 5G está trazendo somente agora”, afirma Cássio Pantaleoni, LATAM FSI Area Vice President Digital Experience Enterprise Sales Adobe. Segundo ele, a possibilidade de construir experiências mais imersivas e sem atrito que virão com essa tecnologia criarão possibilidades em inúmeras indústrias. “As experiências mais imersivas vão estabelecer um outro tipo de relação entre clientes e empresas”, garante.
A IDC calcula que o montante gerado por tecnologias impulsionadas pela alta conectividade trazida pelo 5G – que inclui Inteligência Artificial (IA), Internet das Coisas (IoT), Big Data, Realidade Aumentada (AR), Realidade Virtual (VR) e robótica, entre outros – deve ultrapassar US$ 25,5 bilhões até 2025. Um levantamento da Ericsson estima em R$ 153 bilhões as receitas decorrentes de digitalização influenciada diretamente pelo 5G. No relatório “Reimaging Industry Futures Study”, lançado em julho do ano passado, a Ernst & Young apontou que 71% das empresas acreditam que a pandemia acelerou os planos de transformação digital existentes, com 52% mostrando maior interesse em 5G e IoT. E que 73% planejam investir em 5G nos próximos três anos.
De olho nesses números, a Adobe avança com sua Digital Experience, plataforma que reúne funcionalidade de marketing, análise de dados e e-commerce rodando na nuvem da AWS. Pantaleoni, que passou pela SAS Brasil antes de assumir o cargo em plena pandemia, acredita que a movimentação pela chegada do 5G ajudará a criar um novo ecossistema no âmbito das indústrias de varejo e telecomunicações, com foco em marketing de serviços e produtos. A virada de chave será pensar em como oferecer a melhor experiência imersiva para o cliente. “Todas as empresas terão que oferecer condições imersivas, porque o cliente vai acabar exigindo isso”, diz nesta entrevista exclusiva para The Shift.
Com mais de 30 anos de experiência no setor de tecnologia, Cássio Pantaleoni também é professor da Inova Business School e contribui para a HSM Brasil, dentro do curso de Digital Onboard, que é um curso de formação de conselheiros para proficiência no mundo digital. Sua visão sobre o humanismo digital o faz pensar que, no futuro, “a coisa mais cara será a capacidade de ter o olhar humano e interpretar a relação humano-digital da maneira correta”. Mas isso é assunto para uma outra conversa.
Disrupção é…
“Disrupção na indústria de software se dá quando você reconsidera o conjunto de capacidades das soluções em uso pela observação daquilo que está além da tendência do mercado. A tendência em si aparece muito em função do que se sente falta na solução disponível, sejam capacidades ou recursos. Reconsiderar o ‘além da tendência’ é colocar o olhar não na dificuldade corrente, mas nas mudanças culturais que ditam novos comportamentos.
O caminho da disrupção é a interseção entre estes dois aspectos – o que é necessidade determinada pelo que é conhecido (ou em uso) e o que se movimenta como novo na cultura.
Com a chegada do 5G, vai haver uma síntese mais efetiva entre o mundo off-line e o mundo on-line, esse é o primeiro ponto. E as experiências mais imersivas vão estabelecer um outro tipo de relação entre clientes e empresas – é incrível pensar nas possibilidades que vamos ter.
Em relação ao real time, o 5G vai representar um diferencial significativo: quando você interage com o seu cliente em tempo real, os dados são coletados no exato momento em que ele manifesta algum desejo, opinião, de uma maneira muito granular.
A gente vê que todas as empresas, depois do leilão de 5G, aceleraram dramaticamente as decisões para buscar soluções que vão registrar as experiências dos clientes, o CDP [Customer Data Platform ou plataforma de dados do cliente] em tempo real é importante. E o que a gente percebe claramente: gigantes financeiros, das telecomunicações e do varejo estão sendo os primeiros a buscar esse tipo de solução.
O maior investimento em marketing hoje, que é identificar o contexto correto do cliente e a relevância daquela interação do cliente com a oferta, vai se tornar ainda mais importante. Há uma oportunidade de ouro para as empresas: elas vão conseguir entender no exato momento em que o cliente está interagindo, o quão relevante é o que elas têm a oferecer.
Digamos que o cliente está em uma loja física, transitando pelos corredores e você acompanha esse movimento dele, percebendo o quanto se demora em uma categoria de produtos. Essa informação, se devidamente autorizada pelo cliente a ser compartilhada, vai valer mais do que ouro porque como empresa eu vou poder dar uma experiência imediata para esse cliente. Posso destravar uma oferta ou causar uma interação. Hoje, nós temos isso tudo de maneira mais preditiva.
No modelo imersivo, eu consigo prescrever em tempo real, com base em analytics, no que o cliente deveria prestar atenção nesse momento, seja uma oferta específica ou alguma condição específica para esse cliente. Isso, vai mudar o marketing de maneira muito significativa.
Todas as empresas terão que oferecer condições imersivas, porque o cliente vai acabar exigindo isso.
Para ter essas campanhas, vamos precisar de um contingente de pessoas usando 5G dentro das regiões virtuais em que a empresa faz ofertas de produtos e serviços. Então, acho que ainda tem um tempo para amadurecer o uso. A gente tem que registrar as experiências para a entender como constituir essas experiências imersivas.
Uma experiência imersiva, se mal executada, pode trazer outcomes imprevisíveis. Um bug numa experiência imersiva pode ser extremamente prejudicial para a reputação da sua empresa. A experiência negativa tende a ser muito mais marcante do que a experiência positiva. As empresas estão atentas a isso começam a despertar para a questão da história do cliente e sua jornada com a marca. Esse também é um fato que o 5G vai trazer de maneira bem forte.
A Inteligência Artificial está basicamente automatizando operações ou substituindo rotinas internas ou então aquilo que pode ser devolvido para o cliente como autosserviço. A questão é que, quando você traz o cliente para o ambiente imersivo, tem que ter mais responsabilidade no que tange a questões de direitos privados, de legitimidade dessa interação. Há uma preocupação em não ser invasivo – a ponto de estressar essa relação para não gerar nas empresas um problema reputacional.
Como cliente, eu tenho esse problema reputacional com algumas empresas com as quais eu interajo. ‘Ó, lá vem o fulano me incomodar de novo!’, e aí eu já pego antipatia, né? Você imagina isso no ambiente imersivo.
Quando a gente fala de experiência do cliente, da jornada do cliente, a gente entende a jornada dele no canal tal, migrando para o canal tal, como é que se dá quando vai comprar um produto, quando entra no carrinho de compras, e por aí vai. Imagina agora que a gente tem nesse processo uma outra preocupação: eu tenho que saber qual é a história do cliente dentro do convívio que ele tem comigo, como marca, durante o período em que convive como cliente ativo.
Eu tive una experiência digital maravilhosa com um provedor de cartão de crédito, sem qualquer interação física. Um ano depois, eu resolvi concentrar todas as compras nesse cartão e precisava então aumentar o meu limite. Quando pedi para aumentar o limite, o aplicativo me pediu para ir até a agência. A minha experiência, até aquele momento, era totalmente digital e, em plena pandemia, me pedem para ir até a agência. Nesse momento o que acontece? Todo o passado positivo, por conta dessa experiência maravilhosa, perdeu relevância. Imagine algo assim acontecendo em um momento em que estou registrando as experiências em tempo real, em ambientes imersivos, dados que são muito mais granularizados, frames que eu preciso ter lá nos data centers, dados em nuvem. Como empresa, eu tenho que lidar com tudo isso, simultaneamente. É algo que vai transformar as nossas vidas e as empresas precisam estar preparadas para lidar e tirar proveito do que o 5G pode nos dar, inclusive como bem social. devolver para a sociedade de uma maneira que nos gere maior conforto no nosso dia a dia em tudo que diz respeito à nossa interação dentro da sociedade.
Existem dois tipos de cliente: o cliente que não se importa de falar com robocall, que não se incomoda de falar com uma tecnologia que tenha Natural Language Processing (NLP), e tem clientes que não querem de jeito nenhum falar com máquina. Eu tenho que te oferecer algo muito personalizado.
A personalização é uma pauta muito forte nas empresas de tecnologia, de telecomunicações, serviços financeiros, varejo. Isso vai ficar ainda mais contundente.
A experiência imersiva não pode ser uma experiência padrão. Cada um de nós tem preferências que, de certo modo, definem até a nossa personalidade. Há pessoas que se sentem bem diante de uma tela azul, outras se sentem bem diante de uma tela amarela, outros que sentem bem em torno de uma tela vermelha e há aqueles que se incomodam com cada uma dessas cores. Pensar em cores é só um exemplo do que nós vamos ter que levar em conta em uma situação imersiva. Qual é a sua preferência de ambiente? Você quer um ambiente mais onírico? Você quer um ambiente mais concreto? Você quer um ambiente mais pragmático? Essas coisas começam a se tornar importantes dentro da experiência.
É aqui que nós da Adobe temos uma visão que converge muito claramente para isso. Primeiro, a gente entende que a própria plataforma de dados dos clientes cada vez mais vai se tornando algo muito além de um data lake. Porque o que vai estar ali registrado são as experiências – as experiências boas e as não tão boas – em tempo real e dentro do caráter imersivo que vai ser possibilitado pelo pelo 5G.
Não podemos nos dar ao luxo de querer processar alguma coisa no mundo do data lake analítico, as correlações não-intuitivas que a gente precisa encontrar têm que acontecer em tempo real para eu poder te proporcionar exatamente aquela interação que você espera.
O mundo digital é um mundo de objetos que estão sendo agregados além do mundo natural. Às vezes, quando as pessoas falam do mundo digital, tendem a pensar nele como algo que se sobrepõe ao mundo natural. Ele não se sobrepõe ao mundo natural. O mundo digital acrescenta ao mundo natural objetos que não estão, necessariamente, ao alcance do nosso toque ou que não estão diante dos nossos olhos da maneira que a gente entende o visualizar. Logo, a forma como você vai desenvolver esses ativos digitais para que eles tenham relevância também tem que considerar essas questões que o 5G proporciona.
A partir do 5G, eu quero gerar campanhas e conteúdos digitais muito diferenciados. Quero ter a possibilidade de dar uma Realidade Aumentada (AR) para os meus clientes, quero criar um ambiente de Realidade Virtual que tenha significado, que tenha propósito – e essa é uma questão importante. Na medida em que mais e mais a gente mergulha no ambiente digital — e aí entra a minha linha do humanismo digital porque o humanista digital entende que existe uma diferença dramática entre um maquinista digital e um humanista digital.
Se eu coloco tudo na inteligência artificial, e coloco o humano fora dessa equação, deixo todas as decisões para a inteligência artificial baseada nessas experiências, daqui a pouco eu não tenho mais o controle do que estou fazendo, do que estou proporcionando.
É como no Aprendiz de Feiticeiro, da Disney, em que o Mickey usa a varinha do mago para encantar a vassoura, o esfregão, o balde e ele pensa que está tudo sob controle, mas deixa o encanto cuidar de tudo e resolve descansar. E aí o que acontece? O objetivo que era limpar a qualquer custo segue e ignora o que ele está dizendo. E daqui a pouco a coisa vira contra a gente.
Eu vejo aqui uma questão sob o ponto de vista de humanismo digital, que é uma preocupação que as empresas vão ter que ter, de entrar nesse mundo imersivo, onde a inteligência artificial toma um protagonismo importante, com os controles e as governanças necessárias para não correr o risco de criar um grande problema reputacional. Nós não podemos deixar que a IA tome controle da situação, ignorando a nós, seres humanos.
Para os negócios, tem que ser visto como uma oportunidade sensacional. Para a sociedade, o 5G vai se tornar quase uma bússola mundial, em que cada um de nós nunca vai estar efetivamente sozinho.
Essa possibilidade de eu estar fazendo broadcast de mim o tempo todo, eu estou ali com o chip [do celular] no bolso, pode ser achado em qualquer lugar. As possibilidades que a gente tem são muito bacanas.
Os ativos digitais são uma questão muito importante. Os ativos digitais vão dar para cada empresas um aspecto de soberania de dados, vamos dizer assim. O que eu quero dizer com isso? Você vai ter ativos digitais com os quais não vai querer lidar fora da empresa, porque eles representam o seu DNA organizacional, o seu DNA enquanto marca. Logo, administrar o seu conteúdo digital, de maneira a ter uma governança expressiva, você também vai fazer investimentos.
Eu vejo assim: as startups financeiras vão querer protagonizar isso, sem dúvida nenhuma, porque é mais um diferencial. Assim como eu creio que haverá de se criar um novo ecossistema dentro do âmbito das indústrias de varejo e das indústrias de telecomunicações, que seja focado totalmente no marketing de serviços e produtos que essas empresas deverão oferecer, como é o caso da Adobe, com softwares que já definem alguns standards de como você concebe essas experiências imersivas.
Uma das nossas soluções mais procuradas atualmente, que a gente chama de Adobe Experience Manager, tem como objetivo oferecer uma administração dos seus ativos digitais. Combinada com o Work Front, que inclui também todos os fluxos de aprovação, permite acompanhar o desenvolvimento e a liberação de um ativo digital, sem que ele tenha de passar por uma auditoria interna.
Para efeito da Digital Experience, que é a vertical que eu represento na Adobe Digital Experience, a gente tem um mar de oportunidades que se abrem.
Para empresas que estão fazendo a transformação digital, claro que quando você tem uma visão centralizada de uma estratégia de desenvolvimento de produtos ou serviços, ela tem um tremendo valor. Mas a estratégia de decisão e de personalização tem que ser cada vez mais granularizada.
As empresas que quiserem fazer isso de maneira top down podem atrapalhar o processo.
Por mais que se fale que a cultura digital tende a inocular nas culturas heterogêneas algo de comum, nós ainda teremos, sim, muita coisa baseada na nossa complexa herança cultural que não vai mudar. Eu não posso crer que isso vá mudar da noite para o dia. O digital é apenas uma nova representação do mundo, mas a cultura está aí.
Claro que tem empresas que fizeram coisas maravilhosas, criaram os squads. Mas os squads ainda são times de desenvolvimento de tecnologia, de informação. A gente ainda tem que ir mais longe. Com o 5G, você imagina que em vez de estarmos conversando aqui através de uma tela, eu poderia usar um óculos de realidade aumentada, e você estar sentada aqui do meu lado. Mais ainda: você poderia escolher um avatar, que usaria a roupa que você escolhesse, enquanto estaria na sua casa.
Com o suporte tecnológico adequado como o 5G e todas as possibilidades que vão vir a partir daí, eu quero crer que nós vamos ter que revisar os nossos conceitos.