O ano que temos pela frente é crítico em muitos aspectos. Estamos todos ansiosos por planos de recuperação que demandarão muito trabalho. Duas transições globais importantes estão em andamento – uma revolução digital contínua e uma transição urgente para a neutralidade climática e a sustentabilidade. Elas apontam para uma nova economia, circular, que ajudará a enfrentar o triplo desafio de escassez de recursos, impactos ambientais e desperdício.
As tecnologias digitais transformaram todos os setores da economia e o dia a dia dos trabalhadores e cidadãos. Os bens físicos estão sendo substituídos pelo conteúdo online. Equipamentos digitais estão se tornando mais baratos, menores, mais poderosos e mais eficientes em termos de energia, duplicando em quantidade a cada dois anos, aproximadamente. E espera-se que essa tendência continue se acelerando com o crescimento da Inteligência Artificial (IA) e da Internet das Coisas (IoT).
O que nos leva ao passo a seguir: soluções digitais podem cumprir um papel facilitador fundamental na transformação para uma economia circular que, apesar de muito pesquisado , só agora começa a ser explorado. Na fase de design do produto, as tecnologias digitais podem ajudar a projetar produtos que podem ser reparados ou desmontados e reciclados após sua vida útil. Na fase de uso do produto, eles podem habilitar o compartilhamento de produtos como serviço. O uso de aplicativos móveis para encontrar e acessar veículos compartilhados é um exemplo típico.
Na fase após o uso do produto, as tecnologias digitais também podem auxiliar no reaproveitamento do produto ou de seus componentes e a reciclagem de materiais. Tecnologias como blockchain, por exemplo, podem produzir um papel crítico no rastreamento dos materiais ao longo do ciclo de vida de um produto. Ou no surgimento de modelos de negócios totalmente novos, em que matérias-primas, componentes ou os próprios produtos permaneceriam propriedade do produtor, que cobraria por sua utilização. Carro por assinatura? Por aí…
Também podem ajudar um projeto e gerenciar ecossistemas industriais circulares complexos, em que o desperdício de um processo de produção se torna uma entrada valiosa para outro processo, com base no princípio de simbiose industrial, por exemplo, usando CO2 capturado como matéria-prima química.
Ok, você deve estar pensando que tudo isso é lindo em teoria, mas que, na prática, existem pouquíssimas iniciativas inclusive para projetos eletrônicos de consumo tendo em mente a circularidade. Isso é problema, de fato. Mas que não deveria nos impedir de usar todos os recursos ao nosso redor para abraçar a economia circular sustentável como um caminho para uma recuperação melhor, “reconstruir melhor”, colocando proteção ambiental, mudanças climáticas e sociais e equidade como principais prioridades.
Uma pesquisa recente com profissionais da cadeia de suprimentos aponta que 51% acreditam que o foco em economia circular aumente nos próximos dois anos. Esses respondentes, que pertencem a grandes empresas (com receitas de US$ 25 bilhões ou mais) se dizem mais otimistas quanto ao crescimento, sinalizando talvez uma oportunidade maior para associações com recursos e apetite por risco.
Alcançar uma economia totalmente circular significa maximizar o valor inerente aos materiais, produtos e subprodutos em todas as fases de produção; redução de custos de material e energia; e consumo de serviços em vez da aquisição de ativos. O impulso para atingir essas metas é mais forte que nunca, motivado por constantes mudanças regulatórias e culturais.
- A Ellen MacArthur Foundation vê a economia circular como “uma estratégia de recuperação transformadora pós Covid-19“, por oferecer oportunidades e de emprego substanciais, bem como bilhões de dólares em matérias-primas inexploradas. Ou seja, respostas economicamente atrativas.
- O Fórum Econômico Mundial lista propostas inovadoras para moldar o mercado de soluções circulares, antes que ele esteja totalmente pronto, mapeadas em seu mais recente relatório a respeito. No documento, o WEF explora as estratégias que esses pioneiros implementam à medida que remodelam as políticas e as condições de mercado, atraindo uma base de consumidores emergente e criando oportunidades significativas para investidores, facilitadores de inovação e empresas.
- A carta anual aos investidores de Larry Fink, fundador e presidente da Blackrock, é demolidora. Ele afirma que vai votar contra as decisões dos administradores sempre que necessário com vistas a pressionar por um modelo de gestão mais sustentável. E adverte: o dinheiro mudará seu destino antes de o desastre climático se instalar.
- Desde o fim de 2019, a PwC enxerga a economia circular abrindo oportunidades para que as empresas construam vantagem competitiva, criem novos pools de lucro, desenvolvam resiliência e forneçam soluções para algumas das questões mais importantes que os negócios enfrentam hoje.
- Os países europeus também viram vantagens e largaram na frente.
- Por onde começar? O Board of Innovation apresenta um framework.
Chegamos a um ponto em que precisamos de uma redefinição completa de como projetamos, construímos, operamos e desmontamos nossos sistemas. “Não podemos construir novos modelos de mudança com base em algo que está quebrado. Precisamos de uma nova história que funcione para todos”, afirma Jaine Morris, cofundadora e COO da Coreo.
A executiva lembra que a economia circular é construída sobre várias escolas de pensamento e teorias e, como tal, muitas vezes pode ser um conceito bastante nebuloso e contestado. E propõe a derrubada de alguns mitos, para alcançar alguma clareza.
- Mito 1: Trata de uma melhor gestão de resíduos. Em uma economia circular, o desperdício é eliminado por meio de um design melhor. Se concentra na inovação upstream, não em uma melhor gestão de resíduos. Há uma distinção clara entre projetar a partir do lixo e projetar o lixo.
- Mito 2: Trata apenas de reciclar mais. O foco de uma economia circular é a manutenção de produtos, componentes e materiais em seu valor mais alto pelo maior tempo possível. Isso pode ser alcançado por meio de estratégias de reutilização, reparo, recondicionamento e remanufatura. A reciclagem faz parte da economia circular, mas representa o “ciclo de último recurso”, quando outras opções de produtos e materiais não estão mais disponíveis. Reciclar não é a resposta.
- Mito 3: A eficiência é a resposta. Os esforços tradicionais de sustentabilidade têm se concentrado em táticas de eficiência – reduzindo a quantidade de material e energia usados nos processos de produção e visando diminuir os impactos ambientais. Uma estratégia focada em reduzir os impactos negativos de nossas atividades – ou torná-las mais eficientes – só pode ir até certo ponto. Precisamos garantir que os sistemas sejam eficazes, não apenas eficientes. Lembre-se de que não se trata de fazer menos mal, mas sim de fazer bem a maior parte do tempo.
- Mito 4: É apenas uma palavra chique para sustentabilidade. A economia circular é uma visão fundamentalmente diferente para a economia industrial em oposição direta ao modelo linear tradicional de pegar e transformar. Ele se concentra na transformação liderada pela indústria e na mudança no nível dos sistemas, inspirando-se na natureza em vez de na ação ou culpa individual. Trata-se de projetar de forma diferente desde o início, em vez de mitigar e reduzir os impactos de algo que já foi criado. Conclusão principal? Sustentabilidade descreve um estado que pretendemos alcançar e a economia circular nos dá as ferramentas para chegar lá.
- Mito 5: Resíduos em energia são parte da economia circular. Em muitos países, a incineração – a queima de resíduos como plásticos para produzir energia – é vista como um caminho valioso. Mas sejamos claros: a incineração em massa não faz parte de um sistema bem projetado. Por exemplo, no caso dos plásticos, pegar uma fonte de energia (óleo), transformando-o em um material importante, gastando mais energia, utilizado por um período muito curto de tempo, apenas para usar mais energia para transformá-lo novamente em outra forma de energia não é um exemplo de processo de alto valor. Há também evidências crescentes de que as usinas de transformação de resíduos em energia podem bloquear cidades, regiões e até mesmo países na necessidade de um fluxo constante de resíduos para torná-las economicamente viáveis – essencialmente criando uma demanda por resíduos em vez de projetá-los.
“A história nos diz que uma mudança de valores é desencadeada pela criação de uma nova história de como queremos viver”, explica Jaine Morris. Precisamos ter certeza de que estamos contando toda a história da transição para uma economia circular, porque as oportunidades para mudanças transformadoras são abundantes se formos corajosos o suficiente para entrar no círculo.