The Shift

Ecossistema de startups ganha força, mas está longe de ser nota 10

Nos últimos 5 anos, o ecossistema brasileiro de startups evoluiu bastante. As startups participantes dos programas do Google for Startups avaliam o ecossistema empreendedor brasileiro com uma nota 4 em uma escala que vai até 10, segundo o relatório de impacto que marca os cinco anos do programa da Big Tech no Brasil. Elaborado em parceria com o instituto de pesquisas Kantar, o report mostra que apesar da nota ainda continuar baixa, já representa um crescimento de 133% na comparação com 2016, quando foi atribuída uma nota 1,7 ao ecossistema. Isso significa que nos últimos cinco anos, houve uma evolução, partindo praticamente do zero.

Os empreendedores apontam que o maior entrave ainda é o ambiente regulatório, que passou de uma pontuação de 0,5 para 0,9 no período – uma evolução de 80% e a menor nota entre os atributos levantados. A visão é de que ocorreram melhorias, como a aprovação do Marco Legal das Startups, mas outros pontos ainda travam o ecossistema, como o regime tributário.

Em artigo publicado no e-book “A adequação do ecossistema regulatório e de inovação para o digital”, da Fundação Dom Cabral, Argos Gregorio, Juiz Vice Presidente da 12ª Câmara do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo e sócio do escritório de advocacia que leva seu nome, afirma que o ambiente tributário brasileiro, ao menos até o momento, está muito longe de atender as necessidades trazidas pela digitalização da economia.

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“É muito nítido que a gente teve avanços importantes e um dos avanços que eu acho mais importante foi justamente trazer à pauta discussões sobre regulações que impactam especificamente as startups. O relatório foi feito antes da aprovação do Marco Legal das Startups, mas ainda é difícil falar qual seria o impacto dessa legislação”, afirma André Barrence, Diretor do Google for Startups para América Latina, durante coletiva de imprensa para o lançamento do relatório.

Barrence acredita que setores específicos também se beneficiaram de oportunidades criadas por novas legislações, como as fintechs com as regulações do mercado, e o Open Banking e as healthtechs com a regulamentação da telemedicina devido à pandemia.

“Existem coisas que já estão sendo alteradas. Tudo isso gera um mundo de oportunidades que vêm através de mudanças de regulamentações positivas. É mais o empreendedor brasileiro, que é tão criativo, conseguir explorar essas oportunidades e lutar contra o que ainda resta de regulamentações negativas”, pontua o CEO da Idwall, Lincoln Ando.

Apesar da melhoria no acesso a fundos de investimento e disponibilidade de talentos, ainda é preciso evoluir nessas áreas para fortalecer o ecossistema brasileiro. “Um problema enfrentado globalmente por startups é a dificuldade em encontrar talentos para fazerem parte do seu quadro de funcionários, especialmente olhando para posições técnicas, ligadas ao desenvolvimento de produtos de base tecnológica. Chamada de skills gap, a lacuna entre os profissionais capacitados e a disponibilidade de vagas só cresce”, alerta o relatório.

Vale ressaltar que a busca por profissionais qualificados é uma dificuldade de todo o mercado – e nesse ponto, as startups disputam talentos com as incumbentes. Nesse cenário de escassez, as empresas que quiserem manter uma vantagem competitiva precisam apostar em upskilling ou reskilling, especialmente para estarem prontas para as oportunidades pós-pandemia.

Em relação a investimentos, um problema é a desigualdade entre os valores captados por cada empresa. Enquanto algumas startups, especialmente os unicórnios, recebem mega rodadas, outros empreendedores captam menos capital. Dos US$ 484,4 milhões captados pela startups brasileiras em julho, US$ 170 milhões foram para apenas uma companhia, a Daki, de acordo com o “Inside Venture Capital Report”, do Distrito.

A diversidade também é uma pauta importante que ainda precisa evoluir. Segundo o “mapeamento de comunidades 2020”, da Associação Brasileira de Startups (Abstartups), 26,6% das startups no Brasil não têm mulheres no time. Além disso, apenas 29% dos fundadores se declaram negros (pretos ou pardos).

Com esse cenário em mente, o Google lançou o Black Founders Fund em 2020. Com R$ 5 milhões para investir e sem qualquer contrapartida ou participação societária, o programa é direcionado para startups fundadas e lideradas por empreendedores negros no Brasil. Até o momento, foram selecionadas 17 startups para o fundo e a expectativa é chegar a 30 empresas escolhidas até o final deste ano.

Unicórnios

O ecossistema de startups brasileiro amadureceu nos últimos 5 anos, o que é comprovado pelo aparecimento dos unicórnios nacionais. Em 2016, o Brasil não tinha empresas avaliadas em US$ 1 bilhão; agora, são mais de 15. Destas, 6 fazem parte da rede do Google for Startups: Creditas, Loft, Loggi, Nubank, QuintoAndar e Nuvemshop. Na coletiva de imprensa para o lançamento do relatório, a companhia apontou os principais setores que estão no seu radar: agronegócio, segurança, finanças, saúde, recursos humanos, educação e varejo.

“Existe um setor super importante que a gente viu um crescimento espetacular nos últimos meses, especialmente após a pandemia, que é o de varejo ou e-commerce. Ainda buscamos startups que atuam com oportunidades de ganhos de eficiência em diferentes setores, como a EasyJur (que faz a gestão digital para escritórios de advocacia)”, afirmou André Barrence.

O Google for Startups já recebeu 265 startups brasileiras nos seus programas de longa duração. Somadas, essas empresas levantaram mais de R$ 35 bilhões em investimentos e geraram mais de 15 mil empregos, de acordo com o relatório de impacto. Confira outros destaques do documento:

O relatório traz dados que reforçam a tendência de crescimento do setor. No primeiro semestre de 2021, as startups brasileiras bateram o recorde histórico de investimento ao captarem US$ 5,2 bilhões, segundo o relatório “Inside Venture Capital Report”, do Distrito. A perspectiva é que o crescimento continue.

“É muito nítido que esse volume de capital investido no país vai aumentar. Hoje o volume de venture capital investido no Brasil representa 3% do volume total investido globalmente. Quando olhamos em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, os investimentos ficam em torno de 0,4%. Em mercados mais maduros como Israel e Estados Unidos, essa proporção é quase três vezes maior, então temos um espaço para crescer”, argumenta Barrence.

Para o futuro, a crença é que as startups terão um papel protagonista na retomada da economia devido à capacidade dessas empresas de criação e a sua velocidade de adaptação. O crescimento das startups ainda está alinhado à continuidade da transformação digital dos negócios e da sociedade nos próximos anos.

“Temos também um momento muito oportuno do mercado de capitais”, afirma André Barrence. “A gente vê cada vez mais empresas recebendo aportes bastante significativos, tanto de investidores locais quanto de internacionais. Vemos também a própria abertura de capital de várias das empresas. Essa combinação vai ser muito importante para que o crescimento que vimos nos últimos 5 anos permaneça e aumente para os próximos 5 anos”.

O diretor acredita que há mais pela frente: “Acho que o que vamos ver é a consolidação de algumas empresas que começaram como startups como lideres de segmentos importantes para o Brasil nos próximos anos”.

Agtechs

Um dos setores destacados pelo relatório é o agronegócio, que enfrentava o desafio de levar a inovação para “fora da porteira” quando o Google for Startups chegou no Brasil, em 2016. Atualmente, são 1.574 agtechs ativas no país, segundo o Radar Agtech Brasil 2020/2021. Destas, 718 atuam “depois da fazenda” e 199 companhias têm foco em soluções para “antes da fazenda”.

Na análise da Abstartups, o ecossistema de agtechs é maduro porque 42% das empresas mapeadas pela associação estão em fase de tração e escala. Outro bom sinal é o contínuo surgimento de novas startups do agro, o que é positivo por dar continuidade ao desenvolvimento de novas soluções e manter o potencial de aquecimento do setor. De acordo com o “Mapeamento Agtech 2021“, da Abstartups, estão em fase de validação 29,9% das empresas, enquanto 24,2% estão em operação e 3,8% em ideação.

A AgroSmart acompanhou a aceleração da digitalização do agronegócio. Há 5 anos, ainda se começava a analisar o comportamento de adoção de tecnologia pelos produtores e como era preciso adaptar as experiências de usuário e a interface para tornar a tecnologia mais convidativa. Agora, a transformação digital do setor ocorre em uma curva exponencial.

“O ano de pandemia ajudou a acelerar mais ainda, apesar de já existir uma tendência de digitalização. O produtor sabia que tinha que se digitalizar aos poucos para poder competir no futuro e se adequar às novas regras de produção e consumo. A pandemia deu aquela cutucada de ‘é agora ou nunca’ porque não dá para continuar fazendo as coisas como antes com uma limitação de acesso, dificuldade de acessar insumos e mão de obra e distanciamento social”, analisa a CEO da AgroSmart, Mariana Vasconcelos. “As empresas e os produtores tiveram que se adaptar. Agora, a gente começa a ver os resultados dessa adoção em massa”.

A digitalização ampliou as oportunidades para as agtechs. Antes da pandemia, as empresas tinham que se encontrar presencialmente com os clientes. Agora, os produtores estão mais abertos a realizar os primeiros contatos com os fornecedores por chamada em vídeo. A transformação digital do agro também permitiu que os fazendeiros pudessem se beneficiar da assistência técnica de forma mais rápida e fácil.

“A possibilidade de fazer o primeiro contato com vários produtores por videoconferência aumenta bastante o começo do funil de venda das empresas. Acreditamos que isso também deve ter animado as agtechs a se manterem em operação. Muitas startups precisam de aportes, até mesmo dos sócios. Quando se vê uma perspectiva de melhoria no ciclo de vendas por conta dessa transformação digital no campo, a empresa se mantém”, explica o sócio da Homo Ludens e um dos coordenadores do Radar Agtech, Luiz Ojima Sakuda.