Na próxima semana, quando o calendário marcar o início de fevereiro, o Brasil entrará oficialmente na era do Open Banking. Na próxima segunda, 1º de fevereiro, começa a primeira fase de implementação do modelo proposto pelo Banco Central (BC) para o compartilhamento padronizado de dados e serviços pelas instituições financeiras e a devida integração entre plataformas financeiras, startups e fintechs.
O objetivo do BC é revolucionar a oferta de produtos e serviços financeiros e o relacionamento das instituições com seus clientes, partindo da premissa de que os correntistas são os donos dos dados, em consonância com as disposições da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), e não as instituições financeiras. Em outras palavras, significa dizer que o compartilhamento dos dados dos clientes depende de seu consentimento prévio, expresso e inequívoco, para uma finalidade específica.
“O BC entendeu que promover maior competição e ter instituições financeiras mais eficientes passava pela inovação tecnológica. O que envolvia ter um modelo de regulamentação diferente, que resultou nas IPs [Instituições de Pagamento], um sistema de pagamentos mais eficiente, como o PIX, e a promoção da troca de dados e da troca de pagamentos, com o Open Banking”, comenta Thiago Alvarez, CEO do Guiabolso e conselheiro do Banco Central.
Na opinião de Alvarez, é muito difícil inovar estando plugado em um encanamento antigo. O que o BC está fazendo é a troca do encanamento do sistema financeiro, para um que facilita a extração de dados e a geração de valor a partir dos dados extraídos dos bancos. De maneira resumida, a geração de valor dos dados do Open Banking começa com o acesso às informações, mas definitivamente não para por aí. Espera-se o surgimento de novos modelos de negócio centrados em uma experiência sem fricção, com segurança, agilidade e conveniência para os clientes.
Por exemplo, nessa primeira fase, os maiores bancos do país e outras centenas de instituições financeiras enquadradas nos segmentos S1 e S2 terão que abrir dados sobre os seus canais de atendimento e todas as informações sobre os seus produtos e serviços, incluindo termos e condições contratuais e custos. A ideia é possibilitar o benchmarking entre eles, já que um banco vai saber o que o outro faz, e a construção de serviços como comparadores de produtos. Será possível saber quem oferece as melhores condições, quem cobra as menores taxas, e daí por diante.
Em meados de julho está previsto o início da fase 2, que contempla o compartilhamento dos dados cadastrais e transacionais dos clientes, incluindo os extratos dos últimos 12 meses, uso do cartão de crédito nos últimos 12 meses e todas as operações de crédito também dos últimos 12 meses. É a fase na qual o BC espera que surjam os maiores benefícios para os consumidores, como ferramentas para gestão financeira, a rápida abertura de conta mantendo e ampliando as condições oferecidas pela instituição da qual o consumidor já é correntista, reduzindo a barreira de conveniência, e produtos mais adequados ao perfil de crédito do consumidor.
Em 30 de agosto será a vez da fase de transação de pagamentos. Um banco poderá, com o aval do cliente, controlar a conta que ele tem em outra instituição financeira. Por exemplo: imagine que você recebe o salário na instituição A e fez um empréstimo na instituição B. Se você autorizar, a instituição B pode debitar a parcela mensal na instituição A, sem que você precise se preocupar em transferir o dinheiro.
Já na quarta e última fase, em dezembro, será a vez do compartilhamento de informações de outros produtos, serviços e transações de clientes, como operações de câmbio, investimentos, seguros e contas-salário. Aí será possível reunir todos os investimentos do cliente em uma única plataforma, por exemplo.
Ao fim de todo esse processo, o cliente poderá ter usar o internet banking de um banco, o cartão de outro, o empréstimo de um terceiro, e contratar tudo isso ao mesmo tempo. O banco que hoje é o que já tem a sua conta precisará oferecer a melhor cesta de produtos para você, independente de já produtos na prateleira dele ou não, para evitar que você troque de provedor de serviços a um clique. E isso vai acontecer através de uma infraestrutura guiada pela Banco Central. Uma receita perfeita para incentivar a disrupção nesse mercado.
Vale ressaltar que a adesão ao Open Banking é obrigatória para as instituições financeiras S1 e S2. Já as fintechs podem optar por aderir ou não. Caso escolham participar do nosso ecossistema, também terão que compartilhar seus dados com as demais instituições sempre que os clientes autorizarem, por uma questão de reciprocidade.
Fintechs e novos entrantes têm atacado justamente os negócios mais rentáveis e com maior frequência de interação com os clientes/consumidores, o que coloca especial pressão sobre os bancos incumbentes, segundo estudo da McKinsey.
Do lado dos clientes, há uma percepção geral positiva e clara sobre os benefícios sobre o novo modelo. Segundo pesquisa da EY, 53% dos correntistas brasileiros não veem problemas em saber que os bancos estão compartilhando seus dados, desde que isso represente o surgimento de novos serviços relevantes – e que eles tenham, sempre, garantias sobre a segurança de suas informações. Foram ouvidos 1024 consumidores.
Melhorar a experiência de um cliente cada vez mais exigente e com diversas opções de produtos e serviços a um clique já é prioridade de todos os bancos, dos consolidados aos novos entrantes. Serviços mais rápidos, transparentes, integrados e personalizados são a tendência mundial.
Se, por um lado, está provado que clientes digitais são mais shoppers e procuram soluções monoliners que melhor atendam às suas necessidades (não tendo problema para gerenciar vários relacionamentos digitais), por outro lado, há valor nas ofertas one stop shop. Dados da Mckinsey mostram que muitas pessoas estão dispostas a abdicar da melhor solução para cada vertical a fim de conseguir uma solução integrada e conveniente, desde que a oferta cumpra requisitos mínimos.
De posse dos dados compartilhados com a autorização da sua base de clientes, as empresas poderão criar produtos mais personalizados e alcançar pessoas que antes só consumiam produtos financeiros atrelados aos grandes bancos.
Ah! Toda instituição receptora dos dados poderá acessá-los por 12 meses, a contar da data do consentimento do consumidor. Depois disso, precisará renovar esse consentimento.
Além disso, o BC está em processo de criação de um sandbox regulatório para permitir testes de produtos financeiros inovadores por um período limitado, enquanto avalia o impacto e a regulamentação das Fintechs.
Novos modelos de negócios
No mundo todo, os modelos de negócios gerados a partir do Open Banking se beneficiaram das grandes novidades que surgiram no ambiente de desenvolvimento tecnológico. Entre elas as Open APIs.
Consultorias como a McKinsey chegam a definir Open Banking como “o modelo no qual os dados bancários são compartilhados entre duas ou mais partes independentes por meio de APIs abertas para fornecer recursos avançados ao mercado”, seja no formato de produtos e serviços financeiros, como também não financeiros.
“Muitas linhas vão ficar mais tênues, por exemplo entre um banco versus um ERP, um banco versus um varejista, um banco versus um contador”, explica Alvarez.
De fato, a expectativa do mercado é que outras empresas comecem a entrar no sistema financeiro. A fintech Cora fechou parceria com soluções de contabilidade como Agilize, AccountBank, Qipu e Conube, e de softwares de gestão financeira como Ativy, Uno ERP, Nimbly, MarketUp, ConnectPlug, Mei Grátis, Granatum ERP Financeiro e AppelSoft.
Misturar contas pessoais com as da empresa, atrasar algum lançamento, emitir alguma nota errada ou não ter uma boa gestão financeira são alguns erros comuns que muitos pequenos e médios empreendedores podem cometer. Ajudar a facilitar o dia a dia do dono de pequenos negócios, acabando com atividades repetitivas e manuais são os principais objetivos da Cora ao fechar essas parcerias.
As APIs abertas criam um sistema muito mais integrado, no qual pode ser possível cortar intermediários e tornar processos mais rápidos e baratos, no modelo BaaS — Banking as a Service, no qual um número ilimitado de parceiros pode ser envolvido nos processos de integração.
O próprio Guiabolso, por exemplo, ganhou um braço B2B para possibilitar às empresas tirarem proveito do Open Banking. “Nosso objetivo é ajudar que surjam mais Guiabolsos, por meio da tecnologia e dos produtos que a gente criou, via APIs”, afirma o executivo. A oferta B2C da fintech também seria beneficiada, por poder ter acesso a mais dados de mais instituições financeiras.
Outras empresas que fazem parte desse ecossistema de APIs abertas são a Gr1D (marketplace de APIs), a Quanto, Sensedia, a Teros, etc.
Algumas delas decidiram somar esforços. A Sensedia e a Teros, por exemplo, se juntaram para de ajudar as empresas a implementar a regulação e cumprir simultaneamente as regulamentações de Open Banking e Proteção de Dados de forma segura, principalmente em relação às questões jurídica, regulatória, de compliance e segurança de dados.
“O foco da Sensedia está em resolver questões relacionadas à segurança e governança das APIs. A parceria com a Teros embarcou ao processo segurança jurídica, regulatória e de compliance”, diz Fábio Rosato, diretor de Soluções da empresa. A proposta é oferecer governança para Open Banking, conversando com diferentes áreas das empresas, desde TI até compliance e jurídico. Como? Através da oferta de uma série de microsserviços, segundo Juan Ferrés, CEO da Teros.
No caso da Quanto, a empresa já nasceu com foco no Open Banking. “Entendi que o que já estava acontecendo na Europa também iria acontecer no Brasil. Era só uma questão de tempo”, explica seu fundador e CEO, Ricardo Taveira.
Na opinião do executivo, o modelo provocará mudanças estruturais no mercado. Será bem mais que um facilitador de uma operação ou outra. Entre outros motivos, por permitir a portabilidade de cadastros entre as instituições financeiras. Algo extremamente positivo, mas bastante desafiador do ponto de vista técnico, porque a indústria começa a se ver frente a situações que ela nunca viu.
Por exemplo, a maioria dos brasileiros já deve ter feito, em um contexto ou outro, login social, com suas contas do Google ou Facebook. Será possível fazer algo parecido com o seu banco, pegando dados que estão contidos dentro de uma plataforma ou de um site que, com o consentimento do usuário, estão compartilhando seus dados de cadastro com um terceiro. A Quanto foi criada para tentar explorar essas novas fronteiras.
“O nosso principal papel é conectar bancos, fintechs e os principais provedores de produtos e de informações, mas para facilitar a experiência do usuário em relação ao Open Banking, a gente também permite que ele agregue na nossa plataforma, se o banco dele aceitar, a gestão de todos os consentimentos de compartilhamento que ele deu”, explica Taveira.
“Se a gente acredita que o mercado financeiro tem que ser muito mais competitivo e pulverizado, o desafio de o usuário conceder e revogar acesso aos seus dados não pode se tronar uma dor de cabeça. Então a gente dá ao usuário um dashboard onde ele pode visualizar todos os serviços contratados e consentimentos de acesso dados aos diferentes provedores, e agir sobre eles. A gente consegue entregar isso, via APIs, para os bancos implementarem na própria interface deles ou, se o usuário tiver um cadastro na Quantum, fazer isso através da nossa própria interface”, completa ele.
Sete fatos importantes para ter em mente
A ABCD (Associação Brasileira de Crédito Digital) acredita que, uma vez empoderado, o consumidor poderá usufruir de ampla variedade de serviços financeiros, ter acesso a taxas de juros mais atrativas, maior limite de crédito, bem como mais agilidade e menor custo nas operações. E aponta alguns fatores que contribuirão para isso.
1) O registro no Open Banking não é automático: para compartilhar os dados, é preciso que os clientes autorizem. Diante desse consentimento, com validade de 12 meses, será possível enviar os dados à instituição escolhida. Poderão aderir ao Open Banking todas as pessoas físicas e jurídicas que mantêm relacionamento destinado à prestação de serviço financeiro ou à realização de operação financeira com as instituições participantes.
2) O processo de autorização segue alguns passos: primeiro deverá ser fornecido o consentimento no ambiente da instituição que se deseja que tenha acesso aos dados. Em seguida, haverá o redirecionamento para a instituição financeira ou de pagamento atual. Nesse ambiente, ocorrerá a autenticação da identidade e confirmação do compartilhamento. O último passo consiste no redirecionamento ao ambiente da solicitação inicial para aprovação final. Somente depois de todas essas etapas, os dados serão compartilhados.
3) Só o titular dos dados pode autorizar o compartilhamento: as instituições financeiras ou de pagamento não poderão dividir informações sem o consentimento expresso do cliente. Vale lembrar que é possível cancelar o compartilhamento de dados, tanto na instituição para qual foi dado o consentimento quanto naquela em que se mantém relacionamento. Após a solicitação, a autorização será cancelada de forma imediata ou, no caso de pagamentos iniciados, em até um dia.
4) O compartilhamento de dados é gratuito e só pode ser feito por meio on-line: nenhuma taxa será cobrada dos clientes dos serviços financeiros, que só poderão autorizar o Open Banking por meio de canais digitais, como mobile e internet banking das instituições financeiras ou de pagamentos.
5) O compartilhamento de dados começa em julho de 2021: a previsão é que, a partir do dia 15 de julho do ano que vem, os clientes já possam pedir o compartilhamento de informações cadastrais e transacionais de contas de depósito à vista, poupança, pagamento pré-pago, cartão de crédito e de operações de crédito. Dados sobre investimentos e seguros poderão ser compartilhados no futuro.
6) Participam do Open Banking todas as instituições autorizadas pelo Banco Central: algumas instituições têm participação obrigatória desde o início do Open Banking, enquanto outras poderão decidir se participam ou não
7) O Open Banking é seguro: cada instituição participante do Open Banking é responsável por garantir a segurança do compartilhamento dos dados de seus clientes. Aumentar a segurança em relação aos dados dos usuários é um dos principais objetivos do Open Banking. Por isso foram criados mecanismos para garantir a autenticidade e segurança das instituições participantes, que irão compartilhar os dados de forma criptografada.