Em todas as transformações que vamos acompanhar em 2026, existe um fio condutor: a “governança” passa a ser produto. Ao marcar 2026 como o ano da transição definitiva da fase de descoberta e experimentação para a fase de execução em escala, o foco deixa de ser “o que a tecnologia pode fazer” para “como a tecnologia opera com confiabilidade, governança, identidade, segurança e integração ao mundo real”, segundo o novo relatório da Andreessen Horowitz. Inteligência Artificial, criptoeconomia e sistemas digitais entram na etapa em que infraestrutura, dados e coordenação importam mais do que “demos” impressionantes.
“Big Ideas 2026” – dividido em Parte 1, Parte 2 e Parte 3 – traz as 17 grandes apostas que a equipe de especialistas da a16z enxerga como blocos fundamentais para o ano que chega. Uma análise dessas tendências mostra que a “governança” surge para colocar ordem em diferentes tendências:
- Dados multimodais: limpar/validar/atualizar e governar contexto vira plataforma.
- Infra Agent-native: lidar com explosão de concorrência e recursividade vira requisito básico.
- Segurança: a IA reduz trabalho repetitivo, mas também aumenta a superfície (e exige novo tipo de controle).
- Cripto: privacidade/identidade/on-off ramps são “trilhos”, não feature.
A seguir, destacamos algumas das tendências apontadas pela Andreessen Horowitz
O gargalo da IA muda de “modelos melhores” para “dados piores”
A a16z aponta que o principal gargalo da IA em 2026 deixa de ser capacidade de modelos e passa a ser qualidade, frescor e governança dos dados, principalmente os dados não estruturados (documentos, imagens, vídeos, logs, mensagens). “AI-ready data” vira uma camada permanente da stack, não um projeto pontual.
- A maior parte do conhecimento corporativo (80%) está fora de bases estruturadas, o que degrada os sistemas de RAG.
- Sistemas de IA “quebram” não por falta de inteligência, mas por contexto ruim, desatualizado ou incoerente e as empresas são obrigadas a manter QA humano como muleta.
- Surge a necessidade de plataformas contínuas de limpeza, estruturação, validação e versionamento de dados multimodais.
A aposta aqui: startups que criem a plataforma para limpar, estruturar, validar e governar dados multimodais continuamente, não como projeto pontual, mas como camada permanente de “higiene” e confiabilidade do contexto, vão se destacar. Essa tese conversa com um consenso mais amplo de mercado: o próprio Gartner vem colocando “AI-ready data”/prontidão de dados como um dos focos mais acelerados em IA, ao lado de agentes.
A conclusão é que conforme a IA sai do modo “copiloto” e entra no modo “operador”, o custo do erro sobe e, com ele, a necessidade de governança de dados e rastreabilidade do contexto.
A corrida por dados sai do escritório e vai para “indústrias críticas”
Dados industriais e operacionais se tornam o novo “ativo estratégico escasso”. A a16z aponta que o próximo campo de batalha de dados está em indústrias críticas e operações físicas:
- Manufatura, logística, energia, manutenção e campo produzem enormes volumes de dados ainda não capturados ou estruturados.
- Cada operação vira potencial material de treino para modelos e agentes.
- Falta um stack que conecte captura, anotação, consentimento, treino e feedback no mundo físico.
As startups podem entregar um “stack de coordenação”: ferramentas de coleta/anotação/consentimento, sensores/SDKs, ambientes de RL e pipelines de treinamento, e eventualmente máquinas inteligentes.
Infraestrutura “Agent-native” substitui infra “Human-scale”
Com a ascensão de agentes autônomos, a infraestrutura tradicional deixa de ser suficiente. Quando agentes passam a “trabalhar” (executando tarefas e subtarefas em loops), a empresa está escalando sistemas autônomos operando em paralelo. Isso pressiona observabilidade, custos, filas, segurança, identidade e confiabilidade ponta a ponta. Surgem stacks inteiras desenhadas para workloads de agentes, do compute à observabilidade, da segurança à coordenação.
- Agentes operam em loops, executam subtarefas, geram picos imprevisíveis e escalam de forma não linear.
- O tráfego deixa de ser humano-máquina e passa a ser máquina-máquina- máquina.
- Isso pressiona custos, observabilidade, filas, identidade, segurança e confiabilidade.
Essa tendência também é reforçada pelo Gartner, que colocou IA Agêntica como tendência estratégica para 2026 e estimou que, até 2028, pelo menos 15% das decisões de trabalho do dia a dia serão tomadas autonomamente por Agentic AI. O vetor é o mesmo da Infra Agenti-Native: mais autonomia equivale a mais demanda por infraestrutura, controle e segurança.
O renascimento do consumo via novos canais de distribuição
O relatório sugere que 2026 pode inaugurar uma “nova era de ouro do consumo”, que vai além dos “apps com IA”. Pela primeira vez, desde os apps móveis, surge um novo canal nativo de distribuição, com apps que nascem dentro do chat, mudando aquisição, retenção e monetização.
- Chats com IA tornam-se interfaces primárias.
- Plataformas como ChatGPT passam a funcionar como “sistema operacional” para apps.
- Desenvolvedores podem distribuir produtos diretamente dentro da experiência conversacional.
O raciocínio estratégico é consistente: se o chat vira “super-app” (ou “sistema operacional” de consumo), isso muda a distribuição, aquisição e retenção, e cria um novo espaço para produtos “AI-native” nascerem já dentro do fluxo de conversa.
Identidade evolui de “Know Your Customer” para “Know Your Agent”
O gargalo da Agent Economy migra de inteligência para identidade. Em serviços financeiros, “non-human identities” já superam empregados humanos na proporção de 96 para 1, mas continuam “fantasmas desbancarizados”. O estudo propõe o conceito de KYA (Know Your Agent), com credenciais criptograficamente assinadas vinculando agente, principal, restrições e responsabilidade, ou seja, uma identidade criptográfica para agentes, com vínculos claros a pessoas, empresas e regras. Surge um novo problema estrutural:
- Agentes executam ações financeiras, operacionais e contratuais.
- Falta um sistema padronizado para atribuir responsabilidade, limites e autoridade.
Quando se tem software “agindo” com autonomia, quem responde por uma transação? Quem assume o risco? Como provar limites e permissões? A a16z indica que 2026 vai acelerar a corrida por esse “sistema de identidade”, uma vez que sem isso, agentes serão bloqueados “no firewall”.
Segurança entra em modo “automação estrutural”
Para a16z, a cibersegurança deixa de ser triagem manual e vira orquestração automatizada de resposta, com humanos focados em decisões críticas. Segurança, portanto, é mais do que um problema de ataque, é uma questão de ineficiência sistêmica.
- Ferramentas que geram alertas demais criam trabalho humano artificial.
- A escassez de talentos é amplificada por fluxos mal desenhados.
- IA passa a ser vista como forma de eliminar trabalho redundante, priorizar risco real e reduzir “alert fatigue”.
A aposta para 2026: IA quebrando esse ciclo, automatizando trabalho repetitivo e redundante, liberando times para atividades de maior valor (investigação, correção, construção de sistemas). As startups têm oportunidade de desenvolver uma geração de ferramentas AI-native capazes de reduzir o ruído e priorizar a ação.
Stablecoins deixam de ser cripto e viram infraestrutura financeira
No último ano, as stablecoins responderam por US$ 46 trilhões em volume transacionado. As stablecoins caminham, portanto, para ser “o TCP/IP do dinheiro”, desde que conectadas ao mundo real. O relatório trata stablecoins como camada de liquidação global, não como instrumento especulativo:
- Velocidade, custo quase zero e programabilidade já estão resolvidos.
- O gargalo passa a ser integração com o sistema financeiro tradicional.
- Onramps, offramps e UX são os grandes pontos de valor.
Os números de empresas como a PayPal, que informou US$ 1,68 trilhão de volume total de pagamento no ano fiscal de 2024, e da Visa, acima de US$ 16 trilhões em pagamento e volume de dinheiro, ajudam a entender a ambição hoje atrelada às stablecoins.